Vida que Segue

Vida que Segue Ep. 02 “Jamais te esquecerei”

Cena 01: Praia deserta/ Ext./ Dia.

Dia incolorado, céu azul. CAM abre na água do mar e vai mostrando as ondas, as palmeiras, a areia. Tudo sem ter ninguém por lá.

Leoni (off) – E é nesse exato momento que a gente percebe que dinheiro não é tudo. Uma vez eu ouvi a seguinte frase: “Quando não existir mais nenhum alimento, aí vocês vão perceber que dinheiro não se come”. E é assim que eu me sinto nesse momento. Rico, jovem e condenado à morte.

CAM faz o close em duas cadeiras de praia, que estão de costas para a câmera e de frente para o mar, sendo ocupadas por dois homens.

Close Frontal em uma das cadeiras, com Leoni, em semblante triste e olhando para o mar. A outra cadeira, com o outro homem, não é mostrada.

Leoni respira fundo.

Leoni – E eu tento me punir a cada dia, a cada situação, pelo que eu fiz. Dizem que o castigo vem a cavalo, mas para mim ele veio a jato.

Leoni fecha os olhos e o barulho das ondas quebrando na areia fica mais forte.

LETREIRO: “Um ano antes”

Corta para:

Cena 02. Boate/ Int./ Noite.

(Música eletrônica). Local com vários jovens dançando, bebendo e rindo. Sol altíssimo e jogo de luzes. Close em todo o salão e terminando no bar da boate, onde estão Leoni e outros dois amigos (Henrique e Mário), visivelmente bêbados.

Leoni – Mais uma dose de uísque galera?

Mário – Eu aceito.

Henrique – Chega, senão vou vomitar esse chão todo.

Leoni – E pra que serve chão de boate? Pra ficar nojento né cara.

Mário (ao vendedor) – Mais três doses de uísque pra mim. Do mais caro.

O vendedor serve as doses e os três bebem em uma golada só.

Leoni – Bora curtir galera. É sarrando e roçando essa noite.

Leoni, Henrique e Mário saem dançando na multidão.

Corta para:

Cena 03. Carro/ Int./ Noite.

O carro está numa rua deserta. Leoni está no banco do motorista, enquanto Mário e Henrique estão no banco de trás. Todos estão cheirando cocaína. Até que ouvem um barulho no vidro do carro, é um policial.

Leoni para de cheirar rapidamente.

Leoni – Sujou galera. O camburão tá aí.

Leoni abaixa o vidro do carro.

Policial – Boa noite!

Leoni – Opa! Boa noite, a gente tá de saída já. Acabamos de sair da festa.

Policial – Tem como vocês três saírem do carro?

Os três saem.

Policial – Nariz tá meio branquinho né?

Leoni – Aqui todo mundo é raça ariana. Todo mundo é branquinho. Num tá vendo?

Henrique – Não liga para o que o Leoni tá falando não, ele tá bêbado.

Policial – Eu vou ter que levar os três comigo pra prestar esclarecimento na delegacia.

Mário (assustado) – O que? Não, eu não posso. Minha mãe me mata.

Leoni – Fica na tua Mário, que eu desenrolo fácil.

Leoni chega próximo ao policial e dá dois tapinhas em suas costas, em sinal de parceria.

Leoni – Nós somos parceiros meu chapa. Deixa a gente ir, assim você volta a sua ronda tranquilo, bem calmo e nós vamos pra casa ter uma boa noite de sono.

Policial – E quanto eu ganho com isso?

Mário abre a carteira, tira uma nota de cem reais e dá ao policial.

Policia – Muito bom. (a Henrique) – E você, vai me dar quanto?

Henrique – Tô desprevenido aqui, mas fica com meu relógio, é ouro mesmo.

Henrique tira o relógio e entrega ao policial.

Policial (a Mário e Henrique) – Entrem no carro.

Os dois rapazes rapidamente vão para o carro.

Leoni – Vou avisando que só tenho trinta conto.

Policial – Você já me causou muitos problemas cara. Você quase matou a minha irmã atropelada, já bateu em idosos e nunca teve punição. Você se acha acima do bem e do mal.

Leoni – Meu pai é o Juca Rosso. Nós temos muito dinheiro e isso nos deixa com uma larga vantagem sobre os mortais.

Policial – Você é mesmo muito metido né. Mas hoje vai ter o castigo que merece.

Leoni – Trinta reais pra mim não é nada. Até o papel higiênico que eu uso é mais caro.

Policial – E quem disse que eu quero seu dinheiro? O que eu quero é outra coisa.

Leoni – O que tu quer? Fala rápido porque tô cheio de sono.

O policial dá um sorriso safado.

Policial – Eu quero é te comer.

Leoni (rindo) – Para de palhaçada.

Policial – Você vive bancando o machão por aí, mas hoje eu abaixo essa sua crista. Quero te ver de quatro pra mim, pedindo arrego, chorando pra eu parar. E sabe o que eu vou fazer? Vou filmar tudo e colocar na internet. Vamos ver se você não vai piar fininho depois de hoje.

O policial tenta algemar Leoni, que revida dando um soco no nariz do policial.

Corta para:

Cena 04. Delegacia/ Cela/ Int./ Noite.

Leoni está sentado no chão de cabeça baixa, enquanto outros presos dormem. Um carcereiro vem com um molho de chaves e abre a cela.

Carcereiro – Leoni Rosso, quem é?

Leoni (se levantando) – Oi, sou eu.

Carcereiro – Pode sair playboy, seu pai tá aí?

Leoni sai rapidamente.

Corta para:

Cena 05. Delegacia/ Saída/ Int./ Noite.

Close em dois policiais tirando do carro um homem algemado e entrado para a delegacia com ele. Nesse mesmo instante Juca e Leoni saem do local.

Leoni – Valeu pai.

Juca – Eu já tô cansado de livrar a sua barra Leoni. Sabia que eu estava dormindo quando seus amiguinhos apareceram lá em casa?

Leoni – Mandei malzão pai, mas sabe o que o policial queria fazer comigo?

Juca – Ele me contou. Mas ele também me falou que te pegou cheirando muito no carro.

Leoni – Você sabe que eu nem faço isso.

Juca – Então o que é isso branco no seu nariz? Pó de giz? Tava na escola? Cria emenda garoto. Enquanto você vai com a farinha, eu já estou comendo meu croissant.

Leoni segue limpando seu nariz.

Corta para:

Cena 06. Mansão Rosso/ Fachada/ Ext./ Noite.

Uma enorme mansão, que mais parece um palacete do período romano, em tom pastel e com luzes que mudam, sempre em tons terrosos.

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Cena 07. Mansão Rosso/ Sala de Estar/ Int./ Noite.

Leoni está sentado em uma poltrona, enquanto seu pai está andando, atônito, de um lado para o outro.

Juca – Definitivamente, eu não sei o que faço com você Leoni. Já desisti de tentar melhorar esse seu comportamento. Quanto mais a gente fala, mais você apronta.

Leoni levanta sua cabeça e passa a olhar para Juca.

Juca – Não adianta ficar me olhando com essa cara de cachorro que caiu da mudança, dessa vez eu não vou ser maleável, não vou. Já fiz muito em pagar a fiança e tirar você daquele inferno, mas agora acabou Leoni. A sua vida de playboy inconsequente da zona sul acabou.

Leoni (manso) – O que você vai fazer comigo?

Juca – A minha vontade era te dar um soco na cara. Era te quebrar todinho. Mas como eu , infelizmente, não posso, eu vou te deixar sem mesada, um longo tempo sem mesada.

Leoni (indignado) – Poxa pai, assim não dá, eu preciso…/

Juca (corta) – Você precisa criar juízo. Precisa virar homem e aprender a trilhar seu próprio caminho. Chega de ficar fazendo asneiras. Você é adulto e deve se portar como tal.

Leoni – O que você quer com isso?

Juca – A partir de amanhã, você vai trabalhar na empresa junto comigo, será meu estagiário.

Leoni – Mas pai.

Juca – Não tem pai, não tem mãe, nem Jesus Cristo que tire essa ideia da minha cabeça. Ou você toma rumo, ou vai caçar o seu rumo bem longe daqui. A escolha é sua. Amanhã as sete aqui, ou as oito na sarjeta.

Juca sai e Leoni fica pensativo.

Corta para:

Cena 08. Praia/ ext./ Dia.

(Música “Sou dela” – Nando Reis). Imagens do dia amanhecendo, pessoas caminhando pela orla da praia.

Corta para:

Cena 09. Empresa Rosso/ Fachada/ Ext./ Dia.

Imagens de um enorme prédio, com um letreiro espelhado: “Rosso Comunicações”.

Corta para:

Cena 10. Empresa Rosso/ Sala da Presidência/ Int./ Dia.

Juca está entregando várias pastas para Leoni.

Leoni – Pra que tudo isso, pai?

Juca – Eu vou a uma reunião e preciso que você separe para mim, as licitações da companhia que quer vender algumas ações pra nossa empresa.

Leoni – Mas pai, eu não sei nada disso.

Juca – Eu não sabia nem falar e hoje sei correr. Você aprende rápido. Vou trazer a Lícia pra te ajudar.

Juca sai e Leoni fica lendo toda a papelada. Até que entra uma mulher alta, negra, cabelos cacheados e médios, aparentando ter 28 anos. Leoni fica embasbacado.

Lícia – Olá, eu sou a Lícia e vim te ajudar.

Leoni – Meu pai falou mesmo de você. Só esqueceu-se de dizer que é linda, bela demais.

Lícia (sem jeito) – Obrigada.

Lícia e Leoni se sentam e começam a analisar a papelada, até que Leoni para e começa a admirar a beleza da moça.

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Cena 11. : Praia deserta/ Ext./ Dia.

Mesma imagem da cena 01.

Leoni – Eu nunca imaginei que aquela mulher tão linda, possuísse um veneno tão letal. Eu fui errado, fui inconsequente, mas eu não esperava me tornar a pessoa que sou hoje.

Leoni se levanta da cadeira e fica admirando as ondas.

Corta para:

Cena 12. Empresa Rosso/ Rua/ Ext./ Noite.

Várias imagens de Lícia e Leoni saindo da empresa e caminhando pelas ruas, com diferentes roupas, sinalizando que isso acontecia várias vezes.

Leoni (narrando/off) – E virou uma constância as nossas saídas após o trabalho. Happy Hour, e só queríamos saber um do outro.

Leoni para de andar, puxa Lícia e lhe tasca um beijo.

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Cena 13. Mansão Rosso/ Quarto de Leoni/ Int./ Dia.

Leoni e Lícia estão deitados na cama, desnudos. Quando Juca abre a porta do quarto com força, acordando-os.

Lícia (envergonhada/assustada) – Doutor Juca, me desculpe.

Juca (sério) – Vá pro banheiro se vestir para tomarmos café.

Lícia se levanta enrolada em um lençol e vai para o banheiro.

Leoni (sem graça) – Vai me dar esporro?

Juca – Não acho certo você trazer cada dia uma mulher pra cá. Ainda mais a Lícia, que é funcionária da empresa.

Leoni – Pai, eu quero traçar tudo quanto for piranha. Se essa daí me deu mole, eu levo mesmo pra cama.

Juca – Agora você vai namorar a Lícia?

Leoni começa a rir de deboche.

Leoni – Essa daí só me deu um pouquinho de trabalho, mas trouxe pra cama fácil. Agora quero outras.

Juca – Um dia você ainda vai se dar muito mal com isso.

Corta para:

Cena 14. Empresa Rosso/ Porta de Saída/ Ext./ Noite.

Lícia está na porta, ansiosa e de pé esperando alguém. Até que Leoni aparece.

Lícia – Aonde vamos hoje?

Leoni – Você eu não sei, mas eu vou para a minha casa.

Lícia – Você está estranho. Passou o dia sem falar comigo, sequer me olhou na cara no café da manhã. O que tá acontecendo com o nosso namoro?

Leoni – Que namoro?

Lícia – Não venha bancar o engraçadinho para cima de mim, pois comigo a banda toca diferente.

Leoni – Que banda? Você não toca aqui, não toca em lugar nenhum, quem dirá numa banda. Garota, a gente nunca namorou e nunca vai namorar. Você só foi mais uma pra minha coleção, entende?

Lícia começa a chorar.

Leoni – Choro de mulher não prende homem, pelo contrário, afasta ainda mais. Caça outro que te coma do mesmo jeito que eu. Sei que você gamou, mas pra mim, chega!

Lícia se ajoelha na frente de Leoni.

Lícia (ajoelhada) – Eu te suplico, pelo amor de Deus, não me deixe aqui. Não larga de mim. Eu aceito você ter outra mulher, outra relação, mas não largue de mim, por favor.

Leoni – Tenha dignidade, se levante e saia da minha vida. Suma daqui sua piranha. Nem boa de cama você é.

Lícia se levanta.

Lícia (ódio) – Você vai se arrepender do que está dizendo, aliás, vai pagar um preço muito caro. Nunca mais vai se esquecer de mim.

Leoni – Do que você tá falando?

Lícia – Eu tenho doce.

Leoni – Como assim? O que você está balbuciando sua maluca?

Lícia – Eu sou portadora da AIDS, e nesse exato momento, você deve ter contraído também. O vírus que me consome, está te consumindo também.

Leoni – Você só pode estar desatinando. Sua mentirosa.

Lícia – Pura lei da reciprocidade. A mesma mão que consola, às vezes também bate.

Lícia sai e Leoni fica em estado de choque.

Corta para:

Cena 15. Mansão Rosso/ quarto de Leoni/ Int./ Dia.

Leoni está deitado, coberto.

Leoni (narrando/off) – Os dias foram se passando e eu ali naquela dúvida. Não saí mais de casa. E o medo de sair? Medo de ser apontado como um aidético. Ali eu aprendi que sexo sem proteção pode arruinar com planos.

Corta para:

Cena 16. Posto de Saúde/ Consultório médico/ Int./ Dia.

Leoni (narrando/off) – Fui no posto de saúde mais longe da minha cidade, lá fiz o teste e esperei por quinze minutos. Quinze amargos minutos. Até que o médico veio e me deu o veredito.

Leoni está sentado de frente para o médico. Close em Leoni muito nervoso.

Médico – Sem rodeios eu vou lhe dizer, você está contaminado pelo vírus HIV.

Leoni cai no choro.

Médico – Se acalme, podemos iniciar o tratamento com um coquetel de remédios específico, o que acha?

Leoni – Eu quero a morte. Só a morte me dará paz.

Corta para:

Cena 17. Praia Deserta/ Ext./ Dia.

Leoni continua olhando para o mar.

Leoni – E foi assim que a minha vida inconsequente me avisou quando eu começaria a pagar. Hoje eu faço parte de uma clínica que ajuda pessoas com o vírus, mas espero de verdade que um dia eu consiga sorrir e consiga viver em paz, sem culpa. A Lícia morreu tem poucos meses. Não sei de que e também nem fiz questão de saber, já eu, eu vou seguindo a vida. Vivendo um dia de cada vez.

Leoni entra no mar e vai andando, até que a água o cobre por completo. A imagem congela.

FIM

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