O Grande Caderno Azul

O grande caderno azul – X eXI

X

Manhã do Segundo dia do ano – Bonjour, ma cherie vie! Comment ça ca?
Tive um belo sonho com Madame Rameaux, me esperava despida numa cama, como foi reconfortante vê-la, toca-la e acima de tudo ama-la como nos velhos tempos furtivos. Será que não terei mais ninguém para amar? Somente através dos sonhos? Quando não é ela, é a poetisa maior Dona Van, a eterna musa, as duas mulheres que mais amei na minha triste existência. O colega de Samuca, James tem 25 anos e gosta muito de literatura regionalista, de cinema – possui uma videoteca dos clássicos “O Vento Levou”, os filmes do mestre Chaplin e é fã de Marlon Brando.

 

O7 horas e alguns trocados – Dans l’atelier de la vie

Combinei com Seu Apolônio para iniciara o trabalho dele amanhã. Uma fomizinha chata corroí sistematicamente o meu vazio estômago. As nuvens se fecham. Seu Carlos, o borracheiro na luta com seus pneus. Ainda pouco lia algumas palavras em russo no Dictionnary Russian- Englisch. Umas coceirinhas chatas nas sobrancelhas. Não vou trabalhar, apenas marcar o terreno para no caso de alguém aparecer. Vou ler um pouco. Seu Sardinha sobe o morro com seus passos estilizados. A enfermeira Dona Eline, a que fazia os curativos nas escarras de Mama Grande durante o período negro de sua convalescência e a incessante luta nas feridas nas nadeguas, vai para o seu primeiro expediente no Posto de Saúde. Um cachorrinho esperto e ligeiro de pele marrom que cheirava ou melhor farejava alguma coisa, parou na porta, olhou e voltou a caminhar. Os miados dos gatos no cio. Confesso que a separação com Madame Rameaux foi sofrida, passei por situações que nunca imaginei que um dia passaria, desci aos infernos dos sofrimentos. Mas ano novo, novas esperanças. Não sei porque gosto de me torturar com pensamentos irreais. Seu Costa, o barbeiro meu vizinho de lado quebra novamente a calçada em busca de um cano quebrado.

10 e pouco – Recebendo os cumprimentos dos conhecidos pela passagem de ano. A ultima foi da irmã de Madame Rameaux como sempre me abraçou afetuosamente. Pra amainar a fomizinha chata bebo agua quente do litro. É bom saber que há pessoas que gostam de você. Ontem no Bar no canto da Rua São Feliz, onde eu bebia com Samuca e James, Seu Tri ou Amadeus, motorista da Taguatur e meu ex- mestre de solda, levantou-se do seu lugar e veio-me oferecer um pedaço suculento de uma coxa de frango assado, a principio quis relutar, mas depois de uma rápida reflexão aceitei e degustei sem piedade e nem pudor.Continuou achando-me adoentado. E as fofocas das vizinhas ou melhor, deixa pra lá – Cada um na sua, eu que não quero saber de nada Vivo como posso, dentro das minhas parcas possibilidades – sem luxo. Apenas com meus livros de bons autores, conhecendo pessoas  e lugares interessante: Saumur e Angouleme com Balzac; Petersburgo com Dostoievski; Os arredores de Londres e outros lugarejos pitorescos com Dickens; Os invernos rigorosos russo com Tolstói, Pasternak, Soljenitzin e Iuvietutchengo; Os lagos, as florestas e rios de Michigan com Hemingway; O Brooklyn de Miller:As estradas do meio-oeste americano com Kerouac; O velho Mississippi e suas barcaças com Twain; Salinas de Steinbeck ; o Midi com Daudet; a Mazerme de Borel – e assim  – Velha São Luis do século XIX de Aluísio Azevedo e Josué Montello; o sertão sofrível com sua seca de Graciliano Ramos; Salvador de Jorge Amado; a solidão dos Pampas com Veríssimo; a beleza das veredas mineiras de Guimarães  Rosas. Como posso negar a existência desses belos lugares tão bem descritos por esses senhores mestre do universo  sagrada literatura que tanto amo.
A minha preocupação é subir a ladeira e encontrar com a irascível Dona Jurema, proprietária de um bar a qual devo-lhe uma mínima importância de apenas cinco reais, que deve fazer um escarcéu porque ainda não lhe paguei. Uns peidos barulhentos.
11;25 – Bebendo a primeira dose de cachaça que Seu Carlos, o borracheiro pagou para mim no Bar das Morenas..

Noite – Estou fedendo a urina de gato, um deles urinou aqui no sofá onde gosto de me ditara para ler. Relendo pela quarta vez “Crime e Castigo” – acompanhando
os delírios de Raskolnikov pelas ruas frias de Petersburgo.

21;45 – Assistindo “O Tempo e o Vento” do mestre Veríssimo, já li o romance e gostei muito. Para me sacanear um gato filho duma égua urina no meio da cama. Os dedos inchados. Todos dormindo.Preocupado com a minha saúde, minha vida – parece plano político do PT – as vezes penso que uma boa morte imediata seria bem vinda, já que nada esta dando certo, somente problemas – então para que viver uma vida dessa sem nenhum futuro, as pragas perturbando, os gatos urinando nas coisas e cagando por todos os lados. Então eu me pergunto “Vale a pena viver assim/” – Onde já foi comprovado nesses 53 anos que nasci assim e vou morrer na mesma. Caramba, o único talvez ou não sentisse tristeza era o meu amado filho. Mas ter um pai assim, com uma vida como essa, onde não posso fazer na casa, tudo arrelia minha cunhada. daqui a pouco, vai mandar eu apagara a luz do quarto. Já chamou Larissa pensando que era no aposento dela que a lâmpada estava acesa. E assim vai – sem perspectiva de melhora, só problema e nada mais que problemas.  SE me deito não durmo bem fico girando na cama.

XI

Manhã na oficina do terceiro dia do ano – Esperando Nha Pu com a chapa para fazer a tampa da cisterna. Um belo sol de inverno. Pela manhã cedo quando vinha para cá,uma ponta de inveja me abateu ao ver os casais felizes abraçados depois de uma boa  noite de amor caminhando pra as paradas. Eu infeliz em tudo andando só, sem ninguém e nem esperança. Oswaldo, o sapateiro vem da casa da amante e assim caminha a vida dos outros. E eu sempre nessa, com um caderno na mão ou um livro para amenizar a minha triste solidão. Não há felicidade sem amor. Coço a cabeça, penso nos sortudos que ganharam no super-premio da Mega-Sena no final do ano. Seis números mágicos que  mudaram a vida de 23 pessoas – sendo três individuais que ficarão cada um com cinquenta e pouco milhões ( dois do Paraná e um de Alagoas) e um grupo de vinte funcionários municipais lotados num hospital no interior da Bahia.Cada um vai levar dois milhões. Que beleza! Desta vez Deus foi justo. Um pai fardado com a roupa de uma empreiteira, arrastando o filhinho pelo braço. A minha vizinha gostosa da frente chegando da academia num shortinho colado deixando amostra os seus belos predicados. Assobio uma velha canção que ouvia na Boate Maracanã que ficava bem em frente lá em casa na Rua Afonso Pena no Desterro quando criança. A bela da manhã distribuindo charme ao passar, ou melhor, desfilar pela calçada da avenida de shortinho de malha indo pra academia. O que me falta é dinheiro e saúde.

09:30 – (Acredito  que seja). O sol desapareceu, escondeu-se por trás das espessas nuvens plúmbeas que encobrem o céu. Virei as bordas da tampa de cisterna de Na Pu ou Seu Apolônio. A irmãzinha maluquinha apareceu e conversou muito contando as suas agruras.O corpo, a velha dor ciática. Sem um tostão para um remédio, vou ver se Seu Apolo me arranja dois reais para tomar uma ‘pura’, no final do expediente. O dedo de vez enquanto lateja, o outro duro – é u sofrimento só. A garganta também dar a sua parcela de culpa. O vendedor de redes com elas nos ombros oferecendo de porta em porta. Vou ler Zola “Naná’ em francês

Quase onze  – A filha de Seu Azul passa  discretamente, vem dizer-me que dará o dinheiro no dia 15. Ok! – Minha esperança é Nha Pu, vou ferra-lo, mas como já o conheço, vai dizer que não tem. Lembrando-me  de Dickens e os arredores  londrinos,as atrapalhadas de Sr. Pickwick e seus atrapalhados parceiros, o engraçado Sr. Weller e o seu pai cocheiro.. Acho que lerei eles – Perdi a chance de adquirir ‘Dave Copperfield’ – e o drama de Raskolnikov, o matador da velhinha usurária e da irmã feia dela Lisavieta. Não me canso de relê-lo. E a triste historia da pequena judia holandesa Anne trancada com sete pessoas de índoles diferente, sem poder sair para lugar nenhum. – Livros divinos livros, os salvadores da minha conturbada e triste alma, a parceira para os meus desencantos existenciais – Ai de mim sem vocês, como seria o meu triste mundo?

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