O anjo com asas de papel

O Anjo Com Asas de Papel – Capítulo 07

Capítulo 07

Velho Hábito Não Se Perde

 

 

   Cena 01 – Orfanato Coração de Mãe. Banheiro.

Felipe: Espera aí, espera aí, repete porque eu não entendi.

Gabriel:Entendeu sim, eu preciso que você corte as minhas asas.

Felipe: Tá, mas pra quê?

Gabriel: Felipe, você sabe muito bem que a gente tem que esconder algumas coisas sobre nós, eu não acho que seja uma boa ideia que todos aqui saibam que eu tenho asas, você não imagina quantas vezes eu tive que ficar explicando e ouvindo comentários estranhos de ontem pra hoje por causa da minha corcova.

Felipe: Gabriel, você sabe que eu não sou muito bom em coisas desse tipo, é melhor chamar a Maria.

Gabriel: O que você acha que vamos dizer se uma das freiras vir a Malu entrando e saindo do banheiro dos meninos?

Felipe: É, tem razão. Então, como eu faço isso?

Gabriel entrega a tesoura: É só ir cortando as minhas penas, não se preocupa que depois eu pego uma vassoura, varro todas as penas, coloco num saco e jogo no lixo.

Gabriel tira a camisa e fica de costas para o amigo. Felipe então começa delicadamente a cortas as penas das asas de Gabriel.

 

   Cena 02 – Escola. Pátio.

Ângelo está sentado no pátio do colégio conversando com um garoto. O menino não é do orfanato, mas já foi e agora vive com uma família que o adotou. O garoto se chama Miguel.

Ângelo: Ontem chegou gente nova no orfanato, dois garotos e uma garota.

Miguel:Puxa, novos amigos?

Ângelo:Amigos é um pouco demais, de cara não nos demos muito bem.

Miguel:Por falar nisso me diz uma coisa, por que sempre que eu te vejo você só tá conversando comigo?

Ângelo: Você sabe porque Miguel, desde que você foi adotado mais ninguém no orfanato fala comigo.

Miguel: Fala sério Ângelo?! Eu já fui adotado há mais de três anos, não é possível que depois de tanto tempo você não tenha se enturmado com ninguém.

Ângelo: Pois acredite, é verdade! Mas e você, como anda?

Miguel: Tô indo né cara? Às vezes a gente pede muito pra ser adotado, mas não sabe que isso não garante uma vida realmente boa.

Ângelo: Fala dos seus pais?

Miguel: É, o Gilberto e a Laura até que agora são legais, mas não dá pra dizer que eu os amo como pai e mãe de verdade, quer dizer, tem certas coisas que não se esquece.

Ângelo: Imagino. Mas eu ouvi boatos de que você tá namorando.

Miguel: Mais ou menos, eu tô meio que na expectativa.

Ângelo: E quem é a candidata?

Miguel: Clara, minha vizinha. A garota que eu te contei que conheci no acampamento nas férias.

 

   Cena 03 – Banheiro.

Felipe termina de cortar as asas de Gabriel.

Felipe: Pronto.

Gabriel se levanta e vai até o espelho do banheiro. O garoto abre suas asas que estão magras e sem penas como as de um pássaro que acabara de sair do ovo. Ele faz uma expressão de tristeza.

Felipe: O que foi Gabriel, eu fiz algo errado?

Gabriel, respirando fundo: Não, nada! É que eu nunca imaginei que fosse precisar ver minhas asas assim de novo, faz eu me lembrar de como as coisas eram há alguns meses.

Gabriel pega sua camisa no chão e a veste.

Gabriel: Mas tudo bem, é por uma boa causa. Felipe, olha ali se não tem nenhuma freira no corredor.

Felipe vai até a porta e abre uma brecha para dar uma espiada.

Felipe: Não, ninguém.

Gabriel: Ótimo, fica por aqui que eu vou buscar uma vassoura.

 

   Cena 04 – Escola. Pátio.

Ângelo e Miguel continuam conversando. João Pedro, o irmão mais novo de Miguel vem andando de muletas para junto dos dois.

Ângelo, estendendo a mão: E aí João?!

João Pedro, cumprimentando Ângelo: Oi Ângelo. Miguel, você tá com o meu caderno?

Miguel, abrindo a mochila: Ah sim, eu resolvi trazer porque achei que ficava pesando na sua mochila e ia ser ruim pra você andar.

João Pedro, pegando o caderno: Obrigado pela preocupação. Bem, eu vou indo pra sala, até mais.

João Pedro sai.

Ângelo: Esse seu irmão parece bem melhorado.

Miguel:É, ele tá quase deixando as muletas, ele diz que tá ansioso pra gente bater uma bola.

Ângelo: Sei, quando vocês forem jogar uma partida me chamem.

Miguel: Engraçado pensar que há poucos meses ele estava numa cadeira de rodas literalmente inválido!

Ângelo: Imagino como era a convivência de vocês.

Miguel: O João era a cruz que eu tinha que carregar, às vezes eu era responsável por ele, às vezes se me aproximasse dele corria o risco de ser arrebentado, mas fazer o quê? Acontece nas melhores famílias (risos).

Ângelo: Às vezes eu queria ter sido adotado com você, sinto tanta falta de um amigo no orfanato.

Miguel: Eu pedi isso, mas a madre Luiza não queria deixar o Gilberto e a Laura te adotarem.

Ângelo, abatido e ao mesmo tempo irônico: É, eu nem imagino porque…

Miguel se levanta: Mas não importa, nós sempre vamos ser como irmãos!

Ângelo, com a mão no ombro do amigo: Amigos até depois do fim!

O sinal toca. Os dois seguem cada um para a sua sala.

 

   Cena 05 – Fazenda.

Antônio e Laura estão sentados no sofá da sala de estar enquanto Paulo está no telefone.

Paulo: Atende… atende… droga!

Laura: E então seu Paulo?

Paulo: Nada! O celular do Gabriel chama, chama, chama, mas ele não atende.

Laura: Oh meu Deus, o que terá acontecido?

Paulo: Calma Laura, calma que a gente vai dar um jeito.

Antônio: Com todo o respeito senhor, mas a gente não pode simplesmente ficar sentado esperando os garotos aparecerem, temos que tomar uma atitude.

Paulo: Do que você está falando?

Antônio: Temos que comunicar a polícia.

Paulo: O quê? A polícia?

Antônio: Claro, já faz mais de 24h que eles fugiram e o seu filho disse que eles estão na cidade, a polícia vai encontrá-los.

Paulo: Olha Antônio, eu entendo a dor de vocês dois, mas eu não sei se essa é uma boa ideia.

Laura: Seu Paulo, pelo amor de Deus, os nossos filhos podem estar correndo perigo, você sabe o quando é perigoso pra crianças ficarem vagando pela cidade nos dias de hoje.

Paulo: Eu não sei. Eu não quero expor a nossa dor, não quero expor o meu filho, a minha imagem…

Antônio, nervoso: Seu Paulo, por favor! Da última vez que seu filho sumiu o senhor não quis chamar a polícia por ter medo de expor a sua imagem, será possível que o senhor se preocupe mais com isso do que com ele?

Paulo fica mudo.

Antônio: O senhor é que sabe seu Paulo, eu e minha esposa vamos até a cidade dar queixa na delegacia do sumiço dos nossos filhos.

Antônio e Laura estão de saída.

Paulo:Esperem, eu vou também!

 

   Cena 06 – Rio de Janeiro. Orfanato. Jardim. Horas depois.

Gabriel, Felipe e Maria estão conversando.

Felipe: É Gabriel, até que o corte deu mesmo pra disfarçar a sua corcova.

Maria: É. Mas você tem certeza que não ficou nenhuma pena no banheiro?

Gabriel: Tenho sim, ou pelo menos eu espero.

Maria: Por mim eu ia dar uma olhada, mas seria muito constrangedor entrar no banheiro dos meninos.

Gabriel: Eu sei. Gente, vocês sabem se tá perto do pessoal do orfanato voltar da escola?

Maria: Não tenho certeza, a Irmã Isabel disse que eles voltam daqui a mais ou menos uma meia-hora.

Gabriel: Ótimo, é tempo suficiente.

Felipe: Suficiente pra o quê?

Gabriel: Chega mais gente. Eu acho que já tá na hora de eu começar a investigação pra saber quem é o meu irmão.

Maria: Como assim?

Gabriel:Olha, eu já vi em filmes e novelas que em um orfanato, sempre que uma criança é adotada eles guardam o registro na diretoria, certo?

Felipe: E daí?

Gabriel: E daí que eu já notei que essas freiras aqui são bem organizadas, eu não duvido que junto desses registros a madre Luiza guarde um caderninho em que estão anotadas as datas em que cada criança chegou aqui.

Maria: Isso quer dizer que…

Gabriel: Vamos até a diretoria e procurar esses registros, em algum deles deve estar anotado o nome do meu irmão.

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