Mente Incondicional

Mente Incondicional – Episódio 08

– PENÚLTIMO –

de Pedro Paulo Gondim

Episódio 08 | SENHORITA FUROR

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Participação especial: Wallyson Collins

Participação estrelar: Manuela R. Carbonny

NOS EPISÓDIOS ANTERIORES…

[…] Liliane: Nós? Marido? [olhar curioso]

Ivanna: Filho, “Lili”, FILHO!

[…] Manão: Ela jamais ficará satisfeita com a volta de um ex-drogado. A gente aprende na marra o quanto dói para uma mãe, que quer o melhor a todos, levar um tapa de seu próprio filho.

[…] Jonathan: Se eu entrar aí, quero um beijo seu!

Não era novidade seu comportamento neandertal. Só percebi o que tinha feito quando o vi, enfurecido, vindo em minha direção. Eu sabia que ia apanhar. Fui xingado e ofendido diversas vezes… No dia que apanhei, estava com o coração apertado. Quando vi, já levei um, dois socos. Depois de chutes e mais chutes, eu apaguei. E tudo isso por ser homossexual.

[…] Mariano: Manuela?

Manuela: Tudo bem, querido? Não quero parecer mal-educada, mas… O que faz aqui?

Mariano: Santiago me chamou pra vir aqui.  Ele está?

Manuela: Não… [cabisbaixa] Mas vamos! [sorri] Entre!

[…] Manuela: ‘João Miguel Augusto Nandalo de Valuj’ e sua esposa, ‘Cassandra Maria Carbony de Lázaro’, sua avó, tiveram dezessete filhos. [folheia o álbum] E acho que reconhece o nome de dois desses filhos…

Os nomes de ‘Manuela Rebecca Carbonny de Valuj’ e ‘Douglas Bartolomeu Lázaro Valuj’, pai de Mariano, estavam lá.

Mariano: Você é minha tia?

Manuela: Pois é, sou! [risinhos desconfortáveis] Mas se pensar bem…

Então, pegando o álbum em suas mãos, Mariano folheia mais. O nome sem “Valuj” de um pesadelo sem fim. ‘Wallyson Collins Carbonny de Melo’. Do outro lado, ‘Mariano Ayalla Valuj’. E na última página escrita, os nomes de ‘Cindy Nardelli Carbonny’ e ‘Santiago Nardelli de Valuj’. O jovem desmaia.

[Voz de Ivanna – em off] Quando levantei-me, lá estava a srta. Furor! Os olhos de um cão e o brado adormecido… Amigo meu, querido amigo. Furor está contente, não seja inconveniente. Querido amigo, amigo meu. Esquece-te tua vida! Fuja enquanto ainda não desmereceu. Foge daqui, amigo querido. Srta. Furor acordou.

[Voz de Jonathan – em off] Desculpe-a, srta. Furor. Você não tem amigos, pelo menos nos dê valor! Um dia, sorrirá com a gente. Se tornará humana, quem sabe, por seu pai presente. Desculpe-me, srta. Furor. Um crime não tem perdão. Furor, eu não me importo com seu ódio. É de rir-se, srta., que ainda mereça minha escravidão.

Calmo. Passo a passo. O tablado amadeirado ecoava esse momento. As marcas da rejeição deixadas como pegadas ao vento. A débil reflexão do luar permite uma relutante sombra. Ela para, tremelicando um revólver, marcado sem desvios rumo ao coração. Um sorriso. Uma frase. Dois disparos.

Acabou… Para sempre!

17 horas antes…

19 de Maio de 2016. Sul Real (MG) – Brasil

Casa dos “Ayalla”/ 2º andar/ Quarto de Mariano [Início da Manhã/Pouca Luz]

UUUHHHUUUUU!!!!!

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!

A mãe, tão sorridente. O filho, aterrorizado.

Mariano: [sob a coberta] O que está fazendo?

Ivanna: Feliz aniversário, querido!

‘Collins’ (tecelagem)/ 1º andar/ Subgerência [Manhã]

Jonathan: [batendo na porta] Hey, girl!

Liliane: Hey, Maninho… [coçando a cabeça] Hoje estou com muita papelada!

Jonathan: Juro que não vou ficar aqui muito tempo.

Liliane: Vamos, entre! [Jon fecha a porta; senta-se numa das cadeiras à frente; Lili com olhar cansado] Os funcionários ficaram loucos com a parada da fábrica por três semanas. [sorri] Acho que a ‘Collins’ não sobrevive sem você.

Jonathan: E pode ser que continue sem mim por um tempo. [expressão infeliz] Lili, eu preciso de um tempo pro mundo. Desde que eu mantenha meu aneurisma sob controle, talvez espairecer me faça bem. Mariano conversará com “minha cunhadinha” hoje. Pretendo levá-lo também!

Liliane: Jon, está apaixonado por Mariano? [aproximando-se] Como se não bastasse a festa que dará pra ele hoje a noite…

Jonathan: Já disse que não estou! [nervoso; soca a mesa] Lili, eu perdi um filho. Wallyson está morto! Só que… Demorei tempo demais pra perceber isso. [virando-se; cobrindo o rosto com as mãos] Sim, já o vi com “outros olhos”, mas mantemos somente uma amizade ‘pai-filho’. Não seja pessimista, por favor. Quero retribuir esse erro que cometi. Eu não sou um criminoso ou algo assim… Ainda vou encontrar um homão pra mim, e o jovem encontrará o dele.

Liliane: Ei… [Jon volta-se para ela; Lili sorri] Recorde que não somos perfeitos. Hello? Somos membros da família ‘Collins’! Apenas gostaria de mais explicações.

Jonathan: [lhe entregando um papel] E eu gostaria que a ‘Collins’ tivesse uma nova capitã. [gargalha; segura as mãos de Lili] Estaria preparada para assumir o “navio”?

Liliane: Seriously? E-eu… Claro!

Por fim, eles se abraçam. A alegria de muitas interpretações. Para alguns, amor familiar. Para outros, a veracidade de uma luta. Irmãos que ainda merecem muito, por confrontar uma sociedade que lhes destroça.

Manuela: Eh… Oi! Estou atrapalhando?

Tão mansa quanto intimidativa. O elo entre famílias, sorrindo, acompanhada de seu precioso fruto, de olhar preocupado.

Santiago: Precisamos conversar contigo, Jon.

‘Collins’ (tecelagem)/2º andar/ Cafeteria [Manhã]

Mofino estava o grande homem. Santiago não sabia o que fazer além de olhar para o horizonte à fora. Manuela, bebericando um ilustre cappuccino, disfarçando sua agonia pelos fatos.

Jonathan: E eu com isso? [ri rapidamente] Manu, o João Miguel, ou como passaram a chamá-lo, “Manão”, não é da minha conta! Ele é SEU SOBRINHO! Se os irmãos não aceitam o menino, então não posso fazer nada.

Manuela: Ele precisa de ajuda, Jon. [gesto de imploração] Por favor!

Santiago: Mãe, calma! [olhando para Jon] Manão estava desaparecido desde o fim do ano passado, mas só agora foi “sorrir” lá na porta de casa. Todos sabemos o quanto minha tia era conservadora. Drogas, sexualidade, religião… Ninguém ousava conversar esses assuntos com ela. Quando ela morreu, não deixou absolutamente nada para o Manão.

Manuela: Verdade. [suspira alto; olhar cansado] Se lembra quando nos conhecemos na faculdade, Jon?

Jonathan: Sim… [eles gargalham] Foi uma época horrorosa! [dá tapinhas nas costas de Santi; olha desconfiadamente para o jovem] Sua mãe ficou interessada em mim e, como eu tinha medo de ser gay, corri para os braços dela. Ela surtou quando ficou grávida, mas jurei em proteger nosso filho. Quando Wallyson nasceu… Eu chorei bastante e disse à Manu que eu gostava de “um bom macho”. Ela decidiu se separar, embora com visitas semanais ao menino.

Manuela: Isso até… Aquele “acidente” com Wallyson.

Flashback: Março de 2016. Casa dos “Collins”/Sala de estar [Tarde]

Mariano escondido atrás do sofá, Wallyson afobado e Manuela prestes a chegar à casa. Ela abre a porta.

Manuela: Filho, cheguei!

Wallyson: Oi mãe. [sorri]

Manuela: [animada] Trouxe uma ótima notícia pra você! Se lembra daquela viagem para São Francisco que queria?

Wallyson: [sentando-se no sofá; cabisbaixo] Claro que me lembro. Mas, não vou poder ir agora…

Manuela: [cruzando os braços] Como assim? E sua maior vontade de conhecer o país?

Wallyson: Me diga o que devo fazer para não ir! [olhar enfurecido]

Manuela: Eu não entendo…

Wallyson: Eu tenho namorado, mamãe! E não vou deixá-lo sozinho!

Manuela: Eu sinto muito por você, meu filho, mas a última coisa que poderia ocorrer com esta “humilde senhora”, seria ter um filho gay! Desculpe-me, então, se a partir de hoje você ser apenas um conhecido pra mim.

Wallyson: [chorando] Mas você nem…

Manuela: Já basta! [extremamente furiosa] Vá pro seu quarto… agora!

— FIM DE FLASHBACK

Manuela: Depois eu me arrependi muito! [lágrimas caem em suas mãos] Já fui muito homofóbica sem saber o porquê. E, realmente, não vale a pena.

Santiago beija as mãos de Manuela. Jonathan, entristecido, observa o espaço em torno de si.

Jonathan: Bom… Pelo menos assim você pôde ter outros filhos lindos. [eles riem] Manu, vou te ajudar com Manão. Não hoje, porque tenho que supervisionar a festa do Maro, mas… o que precisar…

Manuela: Sem problemas. [olhar alegre] É um adulto perdido, Jonathan. Manão estava atordoado, mas tenho certeza que estará melhor na sua casa.

(…) ‘Infinity’ (Eventos)/ Salão secundário [Noite]

O jovem galhardo, recostado sobre o bar, segura um copo gordo com uma mistura de refrigerante e energético. Um blazer de tom azul-marinho sobre uma social de tom lua nova, calça social e sapato, são suas vestimentas.

A agitação começava a deixá-lo eufórico! Muitos cumprimentos, abraços, presentes, elogios, carinhos, palavras, olhares, gestos e brincadeiras. Depois das primeiras horas de sua festa, Mariano começa a comemorar em paz.

A decoração varia dos tons mais claros aos mais escuros de azul. No centro, um enorme “17” pendurado.

O bolo, de 9 andares, com uma avultada estrela ao topo. Muitos membros da família ‘Valuj’ e dos ‘Ayalla’ se misturam com alguns ‘Collins’, ‘Nardelli’, imprensa e outros amigos.

Santiago: [abeirando-se] Eaê primão! “de buenas”?

Mariano: Lógico que não, Santi! [sorri desconfortavelmente] Você sabe como eu fico com tanta gente assim. Da vontade de mandar todo mundo sair daqui!

Santiago: Calminha aí… [abraça-o de lado] É só uma festa! Não precisa entrar em pânico. Eu, hein?!

Mariano: Acho que eu vou me distrair um pouco por aí… [lhe mandando beijos] Até depois!

Santiago: Be careful! (*tenha cuidado)

(…) ‘Infinity’ (Eventos)/ Recreação 3/ Deck da piscina [Noite]

O fluxo da água decai por entre os degraus rochosos, aramando-se sutilmente na piscina. Mariano de olhar atento à gigante bola branca no céu. As árvores quase não sentiam sua presença. Ele aproveitou, assim, para se sentir em paz.

Ajoelhando-se à borda, o jovem roça suas mãos sobre a água, ainda erguendo a felicidade que a Lua traz em seu reflexo. E o sorriso torna-se, afinal, covarde. O estalo de um corpo sem perdão sendo recarregado.

A mira certeira lhe impede de mover qualquer músculo. E lá estava, abaixo da Lua, o reflexo de sua própria morte. A jovem, de cabelos ruivos e olhos azulados, enroupada com o melhor vestido branco que pôde se colocar. Para ela, era símbolo de paz. Para Mariano, morte.

Raquel: Feliz aniversário, “amigo”.

Mariano: Pra você também, “amiga”.

Raquel: Insano que fazemos aniversário no mesmo dia… [lhe agarrando o pescoço] Vamos!

Perturbado demais para correr ou gritar, ele concorda em acompanhá-la. Eles sobem as escadas e as lágrimas de Mariano também aramam-se sutilmente na piscina. Raquel gargalha.

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Pedro Paulo Gondim

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