Eventyr

Eventyr – Capítulo 20

Levamos o rapaz até a praça e o colocamos sentado em cima de um banco. Precisávamos saber exatamente o que aquele rapaz queria com Leone e – principalmente – se ele sabia algo sobre como encontrar-lo.

– Ei, acorde! – eu disse dando uns tapas de leve em seu rosto. – Será que ele está morto?

– Acho que não. – Neandro levantou uma sobrancelha – Ainda está respirando.

– Licençinha, por favor?! – Selena pedia para que nos afastássemos com as mãos.

– O que você vai fazer? – perguntei.

Ela ergueu as mãos e girou cada uma em sentidos diferentes. Aos poucos ela foi aumentando a velocidade e por fim afastou as mãos e um pequeno cilindro de água apareceu e ela atirou no rosto do rapaz.

– O que? Como? O que aconteceu? – o rapaz acordou assustado.

– Selena? – olhei desconfiada.

– O que foi? – ela olhou inocentemente – Ele precisava acordar. Eu aprendi uns truques com o tempo.

O rapaz abriu os olhos – castanhos claríssimos – e fitou cada um de nós como se estivesse imaginado que havia morrido e ido para o céu ou para o inferno – não sabia o que ele estava pensando de nós

– Quem são vocês? – ele perguntou.

– Nós somos de paz, não se preocupe. – Neandro respondeu.

– Mas isso não responde a minha pergunta. – ele continuou – Quem são vocês? Identifiquem-se!

– Você é bem mandão. – sorri.

– Acho que é realmente seu parente Alexis. – não sei o que se passava na cabeça de Nicardo, mas Alexis parecia estar pronto para esganar-lo a qualquer momento.

– Desculpe-nos – Neandro sorriu – Sou Neandro e esse é meu irmão Alexis, príncipe e futuro herdeiro do trono de Nebro e esse são nossos acompanhantes, Beatriz, Nicardo e Selena.

– E você? – Neandro perguntou.

– Eu sou Tales. E isso é tudo o que precisam saber. – ele respondeu. – Por que me ajudaram?

– Bem, Tales, você estava falando algo sobre Leone…

– Vocês sabem dele? Sabem onde posso encontrar-lo? – Tales se levantou desesperado.

– Esperávamos que você soubesse de algo. – Neandro parecia decepcionado. – Mas nós também estamos atrás de Leone.

– Ele também fez algo de ruim para vocês? – Tales perguntou voltando a se sentar.

– De certa forma ele está fazendo algo de ruim para todos que vivem em Monetrra. – Neandro respondeu.

– Mas meu caso com ele é extremamente pessoal. – Tales ficou serio – Eu preciso ver-lo morto!

Senti que Neandro queria perguntar o motivo, mas recuou. Talvez não fosse o caso de saber o que realmente Leone havia feito para aquele rapaz – pelo menos não agora.

– Se ao menos eu tivesse os cristais… – Tales deixou escapar.

– Você… – Neandro hesitou e fitou Nicardo, que fez um sinal positivo – Você está atrás dos cristais de Damaris?

– Não vão me dizer que vocês… Por acaso vocês tem alguma pista sobre onde os cristais podem estar? – Tales se animou.

– Não só temos pistas, como já temos três dos seis cristais. – Neandro falava baixo.

– Não acredito! – Tales se animou ainda mais – Sério?

– Sim, é sério! – Neandro respondeu.

– Neandro, por que você está contando tudo isso para ele? – Alexis perguntou irritado.

– Eu sinto que posso confiar nele – Neandro olhou para Tales – Posso confiar em você certo?

– S-s-sim! – ele se levantou – Podem confiar, se vocês estão contra Leone, então estão do mesmo lado que eu.

– Muito bem. – Alexis bateu palmas – Acreditar na palavra de um completo desconhecido.

– Sinto-me seguro quanto a minha decisão. – Neandro detonou Alexis com um olhar.

– Espero que esteja fazendo o certo. – Alexis bufou.

– Você tem para onde ir? – Neandro perguntou

– Não exatamente. – ele mexeu os longos cabelos.

– Gostaria de nos acompanhar? – Neandro perguntou.

– Está realmente falando sério? – Tales parecia desconfiado.

– Estou falando sério. – Neandro respondeu.

– Mas que maravilha, eu aceito com certeza! – Tales quase pulou para cima de nós.

– Mas será que você sabe um bom lugar para passarmos a noite? – perguntei.

– Sei sim!

Assim como no porto, a cidade de Monaya era bem parecida com a cidade de Nebro. As ruas com suas pedras azuis, as pessoas de um lado para o outro, as casas todas brancas de telhados vermelhos e com pelo menos dois andares. Por um breve momento quase achei que estava na Capital, se não fosse pelo excesso de seres errantes.

Tales nos levou até uma casa razoavelmente grande, feita de madeira marrom bem escura e um telhado amarelo claro, quase bege. Aparentemente não parecia ter muito luxo e depois que entrei descobri que não havia luxo nenhum.

– Mas o que é isso? – perguntei assustada para Tales.

– Desculpe, acredito que as senhoritas não estão acostumadas a esse tipo de ambiente, mas é o único lugar onde vão conseguir ficar até o final deste mês. – ele sorriu – Os hotéis estão todos lotados, muitos viajantes chegaram a Monaya depois da primeira batalha e muitos não têm previsão de volta.

– E teremos que ficar aqui? – eu realmente estava assustada.

– Receio que sim. – Tales parecia decepcionado.

– Era só o que me faltava. – Selena parecia tão assustada e indignada quanto eu. – Eu nunca imaginei que um dia entraria em um lugar desses.

– Posso te confessar uma coisa? – disse olhando ao redor – Este lugar está começado a me dar náuseas.

– A mim também Beatriz! – Selena tentava não ficar olhando – A mim também.

– Você realmente tem certeza que não tem outro lugar? – perguntei novamente.

– Eu devia imaginar que isso não daria certo – Tales se entristeceu – Mas não. Não há outro lugar.

Era um salão com varias cadeiras e vários rapazes que dividiam as atenções entre as estripes cantoras e as garçonetes seminuas – e pelo jeito que alguns deles olhavam para mim e para a Selena, deviam estar pensando que fazíamos parte da lista de funcionários. Estávamos em nada mais, nada menos do que um cabaré.

O palco estava com cinco dançarinas ainda vestidas e duas – no centro – apenas com peças intimas. A música fazia lembrar as tocadas em filmes do velho oeste, aquelas bem animadinhas dos bares.

Eu e Selena não sabíamos onde colocar a cara quando as dançarinas começaram a tirar a roupa de verdade.

– Ei, Tales, não está muito cedo para as garotas começarem com esses shows? – perguntei.

– Bem… Aqui qualquer hora e hora. – ele ficou vermelho – Mas, ainda bem, qualquer lugar não é lugar.

– Como assim? – perguntei, mas não precisei de resposta.

Assim que olhei para o lado vi alguns rapazes colocando algumas notas de crímatos nas peças intimas de algumas garçonetes e essas os levando para dentro de uma porta cujo que se esconde atrás, eu prefiro nem imaginar.

– Eu vou tentar agilizar as coisas – Tales viu minha cara de constrangimento – Vou procurar o Giles, aquele bastardo cervo da campina.

– Ele é um cervo? – fiquei com medo.

– Não! – ele sorriu – Você é meio esquisitinha.

– Esquisitinha? – o fuzilei com o olhar.

– Vou atrás do Giles! – Tales pareceu não se importar com minha cara feia.

– Será que posso esperar lá fora, acho que a coisa está começando a esquentar por aqui. – perguntei.

– Eu te acompanho! – Selena se levantou no mesmo instante.

– Ótimo, vou tentar chamar o… Alexis? – me assustei – O que você está fazendo?

– Assistindo ao show. – ele respondeu sério.

– Que show criatura? – fiquei nervosa. – Essas p… Essas estripes de baixo nível?

– Baixo nível? – ele sorriu maliciosamente – Pois para mim elas são de altíssimo nível. Principalmente aquela ali. – prefiro me manter calada quanto à descrição da cena que presenciei neste momento.

– Eu… – acabei não aguentando e dei um tapa na cara de Alexis.

– Você está maluca? – ele falou alto.

– Eu te odeio! – fiquei nervosa.

– Achei que me amasse. – ele abusou.

– Rrrrr! – sai bufando.

– Espere, eu faço companhia a vocês duas! – Nicardo não estava prestando atenção no “show”.

– Você viu? – estava quase chorando.

– Calma, calma! – Nicardo me abraço.

– Ele foi um cretino. – reclamei.

– Talvez… Olha, eu não queria mesmo te contar isso – Nicardo segurava meu rosto – Mas ele está decepcionado com você.

– Comigo? – enxugava as lágrimas – O que eu fiz?

– Você não percebeu que ele está com ciúmes de você comigo? – ele sorriu constrangido.

– Ciúmes? – estranhei – Ele disse que me odeia.

– Mas ele te ama! – ele ficou triste – E pelo jeito você está sendo o primeiro grande amor da vida dele.

– Por que é tão difícil de acreditar? – queria chorar outra vez.

– Medo, insegurança – ele suspirou – Vocês dois estão vivendo o primeiro grande amor, isso é muito normal.

– Como você… Ah, esquece. – sorri – Às vezes penso que você é um simples humano.

Eu não sabia exatamente o que pensar e nem como agir. Eu estava apaixonada por Alexis, isso eu já sabia. Fiquei um pouco balançada por Nicardo na noite em que passamos em Zoira, mas acho que isso é normal. Agora, Alexis apaixonado por mim? Por mais que eu tentasse, algo dentro de mim parecia dizer que era mentira e para não seguirem frente caso eu não quisesse sofrer outra vez.

Tales saiu sorridente de dentro daquele “inferninho”. Tinha até esquecido que ele havia prometido dar um jeito na nossa situação. Pelo seu rosto, a conversa com o “cervo” foi bem positiva.

– Consegui! – ele dava pulos – Garotos e garotas – Tales fazia voz de locutor de radio – vocês irão dormir hoje nos melhores quartos deste belíssimo hotel cinco estrelas inteiramente de graça. Vocês ainda terão direito a quartos com suíte, janta, café da manhã e, se precisar, vocês terão direito a um belíssimo almoço. E tudo isso sem precisar passar pela repartição das dançarinas!

Tales estava com um longo sorriso, mas acabou desfazendo e se mostrando preocupado quando viu que meu rosto não estava muito contente.

– O que foi? – ele perguntou – Não gostou da notícia?

– Não, não é isso! – tentei desfazer a cara de choro – São coisas minas, mas vai passar.

– Tem certeza? – ele perguntou.

– Sim! – respondi – Nicardo?

– Diga.

– Você disse que Alexis tinha ciúmes de mim com você. – o fitei – Isso tem algum fundamento da sua parte?

Nicardo olhou seriamente para mim. Depois levantou a sobrancelha e saiu em seguida.

Tales nos levou até um pequeno corredor – do lado de fora da casa mesmo, entre um grande muro e a casa em si. Passamos por algumas janelas fechadas e, finalmente, chegamos até outro grande muro. Tales empurrou um tipo de portão de madeira e nos deparamos com uma verdadeira mansão escondida atrás dele.

A mansão eram completamente banhada em vários tons de cinza e – principalmente – branco. Era muito elegante e bem construida, o que me fez pensar que esse velho “cervo” deveria ser um cafetão muito famoso.

– Então são esses? – um homem gordo e baixinho falava. Neandro estava ao seu lado.

– Sim, são esses. – Neandro respondeu.

– Se vocês são amigos do Tales, então são meus amigos! – o homem gordo falou.

– Vocês já se conhecem? – perguntei assustada.

– Não. – Neandro respondeu – Nos conhecemos agora.

– Neandro, vem aqui um minutinho? – disse. – Esta fazendo amizade com um cafetão?

– Beatriz, nos precisamos de todos os contatos possíveis. – ele ficou sério – Você está vendo o que um bom contato pode fazer, nunca sabemos o dia de amanhã.

Lembrando de nossa viajem até agora, realmente, Neandro conhecia sempre alguém. Seja nos portos ou em lojas de roupas, sempre havia alguém que acabava nos ajudando.

A mansão era a coisa mais lida que já havia visto. Logo na entrada nos deparamos com um belíssimo tapete de cor lilás bem claro, próximo a uma lareira central que ficava exatamente no meio de duas longas escadas. Começava a entender o motivo de Tales ter dito que ficaríamos em um cinco estrelas.

Havia duas portas não muito longe da lareira e dois longo corredores pouco antes das escadas, que iam fazendo um tipo de circulo.

Subimos as escadas e entramos na porta central, ao lado de outros dois grandes corredores circulares. Dentro desta sala, havia outra escada, desta vez bem menor, que levava para um corredor de portas.

– Podem escolher os seus quartos. – o homem gordo abria algumas portas – Todos tem suítes e roupas limpas. E não se preocupem, nenhum cliente ou funcionário meu entra nesta casa.

Eu já estava entrando em um dos quartos e o homem baixinho e gordo já havia descido alguns degraus da escada quando ele voltou.

– Acabei me esquecendo. – ele fez uma singela reverencia – Eu sou Giles, qualquer coisa podem me chamar. Tenho estalado em todos os quartos comunicadores mágicos, um presentinho de uma cliente famosa. Está em cima do criado mudo.

O quarto que eu escolhi era tão belíssimo quanto toda a mansão. A cama era de casal e estava forrada com uma cocha bege de veludo. Havia dois banquinhos – ou algo que se parecia com dois banquinho – no pé da cama, também forrados com tecidos bege, mas com detalhes vermelhos.

Havia três janelas, todas com cortinas vermelhas com detalhes dourados. Havia um quadro pendurado ao lado de uma das janelas, mas ao invés de uma pintura comum com tintas e telas, era um bordado de um vaso de flores, extremamente detalhado e que deve ter custado uma fortuna.

Havia uma pequena mesa, com duas cadeiras e havia vários tapetes pelo quarto, dois deles, pequenos, em cada lado da cama, um o centro três ao lado das janelas.

A noite chegou bem rápido. Não tive tempo de conhecer nem a metade da mansão. Enquanto Neandro se preocupava com o próximo cristal – sendo contra a gente descansar um pouco –, eu estava pensando no que o Nicardo tinha me dito.

Como se eu estivesse o chamando por pensamento, Nicardo acabou entrando no meu quarto. Diferente das outras vezes, ele não bateu, o que me deixou um pouco chateada.

– Você sabe que fez uma pergunta rídicula, não sabe. – Nicardo começou.

– Do que está falando. – Me fiz de besta.

– Se o ciúme de Alexis tinha fundamento. – ele se aproximou.

– Como vou saber se o que falou era verdade – estava confusa – Você poderia muito bem estar brincando comigo naquela noite.

– Por favor Beatriz! – Nicardo ficou bem nervoso – Você me conhece a tempo o suficiente para saber que não sou esse tipo de garoto.

– Mas não é isso que sempre acontece? – estava realmente confusa – Vocês nos conquistam para depois nos abandonar. Você realmente está apaixonado por mim?

– Desde o dia em que te dei aquela maça na praça de Nebro! – ele segurou minha mão.

– Vai me dizer que foi amor a primeira vista? – puxei minha mão e me afastei dele.

– Sim! Desde aquele dia eu venho te seguindo, mas de longe. – ele começou a confessar – Minha entrada para essa aventura não foi apenas por causa da minha irmã. Claro, ainda quero muito encontrar o esconderijo de Leone, achar minha irmã ainda é meu maior objetivo, mas eu precisava estar ao seu lado.

– Nica…

– Deixa eu terminar. – ele colocou o dedo indicador na minha boca – Eu sei que você está apaixonada pelo Alexis e que talvez eu não tenha nenhuma chance com você, mas eu precisava falar. Precisava desabafar isso com você, mesmo sabendo que minhas chances são mínimas. Eu só espero que eu não acabei estragando tudo com isso, mas eu precisava fazer!

Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, os lábios de Nicardo já estavam grudados nos meus.

Diferente do beijo de Alexis, o beijo de Nicardo tinha um desejo desumano. Nunca alguém havia me beijado com tanta vontade. A impressão que tinha era de que se ele não me beijasse, provavelmente morreria. Era um beijo explosivo, que começava amargo e parecia cheirar a terra, mas depois ficou doce e perfumado, quase irresistível. Tive que afastar-lo de mim ou algo de grave iria acontecer ali.

– Desculpe, eu não… Alexis? – Nicardo se assustou.

Não havia reparado que a porta estava aberta. Alexis havia visto o beijo. E a cena que vi cortou meu coração: Alexis estava chorando.

Alexis correu e fechou a porta. Levante-me e tentei ir atrás dele, para me explicar, mas Nicardo me segurou e me fez sentar novamente.

– Deixe-o ir. – ele segurava pelo meu braço – Ele não vai ouvir nada que você disser agora.

– Me solta! – gritei.

– Apenas se me prometer…

– Cala a boca! – eu estava chorando – Vá embora, saia do meu quarto!

– Beatriz?…

– Saia! – berrei.

Nicardo se levantou e saiu do meu quarto. Fechei a porta com chave e me joguei na cama. Um dos motivos para eu não querer mais me apaixonar era esse: é impossível não se machucar quando se ama demais alguém. E quando esse alguém que você tanto ama se machuca por sua causa, a dor chega a ser insuportável.

Nesta noite eu acabei ficando acordada. Não consegui dormir. Pensei várias vezes em ir ao quarto de Alexis, mas o medo do que poderia ouvir dele foi maior. Esperava que ele estivesse dormindo e descansando, mas – desta vez – eu não conseguia acreditar que ele não estivesse sofrendo como eu.

Eu havia me tornado um monstro.

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