Eventyr

Eventyr – Capítulo 19

A noite havia sido a mais terrível que já passamos. Acabamos perdendo tanto tempo em busca do cristal de Zoira que nem tivemos tempo de arrumar um lugar para dormir. E as noites em Zoira não eram nada piedosas, pelo contrario, eram frias – literalmente.

– E-e-e-e ago-go-go-ra? O-o-o-nde va-va-mos fica-ca-car? – perguntei tremendo até o queixo.

– N-n-n-não se-se-sei. – Neandro não era nada reconfortante.

– E-e-eu esto-to-tou morrendo de fri-fri-fri-frio. – Alexis passava as mãos nos ombros.

– A-a-acho que to-to-todos nó-nó-nós! – Nicardo finalizava.

A única que estava bem com a temperatura baixa era a Selena, por motivos mais que óbvios. Ela parecia não gostar nada de nós ver passando tanto frio enquanto ela não sentia nada.

– Claro! – Selena gritou – Como não pensei nisto antes?

– Ni-ni-ni-nisto o que-que-que? – Alexis perguntou ainda passando as mãos nos ombros.

– Acho que sei de um lugar para ficarmos! – Selena socou sua mão esquerda.

– O-o-onde? – perguntei.

– Venham comigo!

Seguimos até um grande palácio abandonado. Andamos um bom pedaço até chegar lá e por isso não questionamos quando vimos o local.

– Esse é o primeiro palácio real de Zoira! Da época em que o reino ainda se chamava Neide. – ela sorriu. – Ele foi abandonado após o grande golpe que os antepassados da atual família real deu na antiga família real. Foi após esse golpe que os Aquas começaram a se esconder para sobreviver.

– Ma-ma-mas n-n-não há ri-ri-riscos de no-no-nos me-me-metermos em encre-cre-crencas? – perguntei ainda tremendo.

– Não! – ela sorriu – Ninguém pensaria que alguém se esconderia aqui!

– P-p-p-por q-q-q-quê? – assustei-me.

– Oras, vai me dizer que nunca ouviram falar do fantasma do Rei Pilágo? – ela perguntou como se a resposta fosse obvia.

– B-b-bem, e-e-eu n-n-não! – respondi.

– Vamos entrar! – ela sorriu.

Rodeamos um imenso muro até chagar ao portão. Não foi muito difícil de entrar, o portão estava com algumas de suas barras tortas ou quebradas. O castelo não estava em ruínas, apenas velho. Sua cor estava desbotada, suas janelas quebradas e parte da pintura estava descascando, fora isso, o castelo estava em perfeito estado.

Quando fechamos a porta o frio diminuiu quase que imediatamente. Ainda entrava ventos frios pelas janelas quebradas, mas a temperatura dentro do castelo era muito melhor do que do lado de fora.

O lado de dentro era ainda mais bem conservado do que o de fora. Estava quase novo, como se alguém viesse de tempos em tempos para limpar aquilo tudo. O salão central estava vazio e um pouco empoeirado, mas nada que pudesse incomodar.

A primeira coisa que vi foi uma longa escadaria, com seu tapete vermelho desbotado. Havia uma grande porta a esquerda e outra grande porta a direita, assim como na parte de cima do castelo. No meio, ao fim da escadaria, havia outra grande porta.

– Venham! – Selena sorriu – Eu conheço muito bem esse castelo!

– Quantos castelos você conhece? – Neandro perguntou.

– Apenas dois. – ela sorriu – Eu sempre vinha para cá quando queria ficar sozinha. Mas fazia tempo que eu não passava aqui.

Subimos as escadas e entramos na porta da direita. Havia um grande corredor e varias portas. Algumas estavam abertas, mas não olhei o que tinha dentro.

– Mas… Tem certeza que não é perigoso? – perguntei apreensiva.

– Perigo do que? – Selena achou graça.

– Do fantasma. – disse baixinho.

Ela olhou para mim e segurou o riso, mas acabou não aguentando e caiu na gargalhada que ecoou pelos corredores de forma extremamente tenebrosa e fantasmagórica.

– Você acredita em fantasmas? – ela tentava conter os risos.

– Eu não acreditava, mas desde que vim parar em Monetrra eu já não sei mais de nada. – respondi constrangida.

– Não se preocupe, não existe fantasma algum. – ela agora dava um sorriso reconfortante – Venho aqui desde meus 7 anos de idade e posso garantir que isso é invenção do povo.

Paramos entre algumas portas, quase no final do corredor. As portas dali em diante não estavam abertas.

– Daqui em diante podem escolher qualquer um dos quartos, estão todos com colchões inteiros e estão bem limpos. – Selena fazia gestos parecidos com de aeromoças – Deve ter lençóis limpos guardados nas gavetas de alguns quartos, eu mesma trousse, mas qual são os quartos… Bem, isso eu já não me lembro, mas qualquer coisa é só procurar nos outros quartos que vocês acham. Eu ficarei no último quarto à esquerda, têm algumas coisas minhas lá, então… Qualquer coisa é só chamar.

Ela entrou e eu comecei a procurar um quarto que pudesse me agradar. Entrei no quinto quarto dos dez que havia em cada lado do corredor. Realmente estava bem limpo e o colchão estava inteiro, diferentes de alguns que consegui reparar no caminho. Havia uma penteadeira com um espelho levemente rachado, e com o vidro um pouco embaçado e descascando, com pequenas manchinhas pretas.

No quarto havia um banheiro que – obviamente – estava inutilizável, mas parecia ser muito bonito quando era novo. Não havia cortinas, por isso podia ver a paisagem da cidade pela janela fechada. O vidro da janela também estava um pouco embaçado, mas pude ver varias luzes se apagando e as três belas luas. O céu em Zoira era mais estrelado do que nos outros reinos que estive e aquilo me deu uma sensação de paz e tranquilidade que eu não sentia há muito tempo.

Resolvi explorar um pouco o castelo. Desci para o andar de baixo e segui para a porta da esquerda. Parecia ser a cozinha. Estava imunda, mas ainda tinha um charme, como se nunca tivesse perdido a elegância que um dia já teve. Andei até outra porta, no final da cozinha, passando para um grande e largo corredor. Havia três grandes portas, uma era onde eles provavelmente guardavam as louças, talheres e coisas de cozinha e a outra era a dispensa – ou parecia ser. A porta do meio era muito fria e logo presumi que deveria ser algo como uma geladeira. Provavelmente uma sala encantada, pois ainda estava muito fria.

Voltei e segui pela porta da direita e havia uma grande sala, com uma grande porta que dava para um tipo de quintal dos fundos. Era um jardim belíssimo, mesmo estando congelado. Havia varias árvores, sem folhas, e vários canteiros que deveriam ser repletos de flores. Havia também um pequeno chafariz, com um cavalo marinho esculpido e havia pedras azuis fazendo um caminho circular por todo o jardim. Por um instante senti como se o jardim estivesse vivo e gritando para que eu o salvasse, foi quando aconteceu.

Não sei explicar exatamente como, mas de repente uma energia estranha passava sobre minhas mãos e eu sabia como ajudar aquele jardim. Uma paz imensa entrou pelo meu nariz e invadiu meus pulmões e eu estava caminhando pelo jardim, fazendo com que tudo renascesse outra vez.

A água que congelava as árvores derretia e entrava dentro do chafariz, enquanto as folhas brotavam secas do chão e voltavam para os galhos das árvores novas e fortes. As flores apareciam como pequenos brotos, e em um piscar de olhos elas já eram grandes e belíssimas. O jardim começava a ganhar cor e vida e um cheiro diferente, de praia, invadiu o local e quando voltei a mim, o jardim estava de volta, como se nunca tivesse morrido.

– Fez um belo trabalho. – era a voz de Nicardo.

– Que susto! – me virei.

– A cada dia que passa o seu nível de magia aumenta. – ele se aproximou – Isso é muito bom. Quem sabe você não avance tanto ou até mais que a rainha de Nebro e não aprenda a se transportar para seu mundo, apesar de que eu sentiria muito a sua falta.

– Pare de dizer besteiras! – sorri – Você também deve estar louco para me ver fora de sua vida.

– Você nunca esteve tão enganada sobre mim desde que nos conhecemos. – ele sorriu e se sentou em um banco que estava escondido atrás de galhos secos – A última coisa que quero e te tirar da minha vida, mas isso não é uma decisão minha.

– Você está falando serio? – tentei dar uma descontraída na conversa.

– Nunca estive falando tão serio. – ele bateu a palma da mão no banco pedindo para eu sentar.

– Para falar a verdade, eu também detesto a idéia de deixar vocês. – sentei-me ao lado dele. – Eu não sei dizer o que é pior, ficar aqui neste mundo tão estranho ou voltar pra casa e perder vocês para sempre.

– Você está confusa? – ele perguntou.

– Você que deveria me responder essa pergunta – sorri – Não é você quem pode ver os sentimentos das pessoas?

– Mas agora eu não consigo mais ler os seus sentimentos. – ele fitou os pés – E nem sei se gostaria de saber o que você realmente está sentido. Seria doloroso demais saber sobre o… Deixa pra lá.

– Fale, agora estou curiosa. – segurei em sua mão.

– Está ouvindo isso? – ele se levantou.

– Eu não estou ouvindo nada!

– Venha! – ele seguiu até a porta. Fui atrás dele.

Quando chegamos à escada, comecei a ouvir um piano tocando uma melodia triste e dramática, mas ao mesmo tempo romântica e arrebatadora. Era uma melodia belíssima, da qual eu nunca havia ouvido igual. Estava vindo da sala central, que fica no meio, ao fim da escada. Abrimos a porta devagar, mas o piano parou. Era Selena.

 – Desculpe se os acordei. – ela sorriu constrangida.

– Não estávamos dormindo. – entramos.

A sala era um imenso e vazio salão, com enormes janelas e cortinas velhas. Provavelmente era onde o rei e a rainha ficavam. Não havia absolutamente nada no salão, apenas o piano e um banco.

– O que estava tocando? – perguntei.

– O Oceano – ela se virou para nós – É uma composição minha, estava muito ruim?

– Não! – me espantei com a pergunta – Muitíssimo pelo contrario, era linda!

– Sério mesmo? – ela parecia não acreditar.

– Sério! – respondi.

– Era realmente uma bela canção. – Nicardo também concordava – Toque-a outra vez?

– Se vocês gostaram… Vamos lá.

– Você me concede a honra? – Nicardo estendia a mão.

– Está me convidando para dançar? – perguntei.

– É o que parece? – ele sorriu – Sim, estou te convidando para dançar.

– Mas eu não sou boa em dança. – tentei escapar.

– Tudo bem, eu também não sou. – ele sorriu.

– Já que insiste tanto… – me rendi.

As mãos dele era de uma delicadeza extremamente controversa a sua aparência. Ele tinha uma leveza, um carinho, um cheiro que o fazia parecer tão… Humano. Dançamos entre o reflexo da lua nas janelas e a cada nota eu me arrepiava até a alma, enquanto minha respiração ficava frágil e quase parava. Eu já não sabia mais o que estava sentindo. E não queria imaginar que pudesse estar sentindo o que achava que estava sentindo. Mas uma coisa era inegável: aquela dança mexeu muito comigo.

– Você dança muito bem. Mentiroso! – disse abraçada aos seus ombros.

– Era a única forma de fazer você dançar comigo. – ele sussurrou em meu ouvido.

– Mas você também mentiu.

– Eu? – fiquei surpresa.

– Você também dança muito bem! – ele me abraçou um pouco mais forte.

Não sabia o que dizer. Estava realmente me saindo muito bem. A canção devia estar tocando profundamente em minha alma, por que além de me fazer dançar bem, eu estava chorando. Aquele momento estava sendo mágico. Se eu o estivesse vivendo com o Alexis…

Assim que amanheceu, corri para o jardim para poder conferir se o que havia acontecido ontem era realmente verdade. O jardim não estava mais lá, estava exatamente como havia encontrado antes de fazer – ou sonhar – aquela… Magia?

– Parece que ainda não se fortaleceu o suficiente. – Nicardo apareceu na porta.

– Então não foi um sonho? – perguntei.

– Não! – ele se aproximou – Claro que não!

– Então realmente aconteceu? – fiquei apavorada – Aquilo… Ontem à noite… A dança… Tudo realmente aconteceu?

– Eu estava lá e para mim foi bem real! – ele sorriu.

– Eu não devia ter feito aquilo ontem! – corri para fora do jardim.

– Espere! – ele segurou meu braço – Por que acha que não deveríamos ter dançando?

– Por que foi errado! – disse fazendo-o soltar meu braço.

– Foi errado por quê? – ele veio atrás de mim.

– Eu não devia… Eu… Eu…

– E por causa do Alexis? – ele ficou serio. – Você não tem compromisso nenhum com o Alexis!

– Mas eu gosto dele! – respirei fundo – E não me senti bem ontem.

– Não se sentiu bem por que ficou balançada. – ele apelou – Eu senti que você ficou confusa e se ficou confusa e porque não tem certeza do que realmente quer.

– Não coloque palavras na minha boca e nem sentimentos em meu coração. – parei – Você não pode saber o que eu estou sentindo.

– E ai que você se engana! – ele passou a minha frente – Eu sei exatamente o que você está sentindo e estou lutando por uma chance!

– Que chance? – perguntei.

– Uma chance de mostrar para você que posso ser bem melhor que o Alexis. – ele quase gritou.

– Está acontecendo alguma coisa? – Neandro apareceu.

– Vocês sabiam que tem um piano na… O que está acontecendo aqui? – Alexis apareceu para piorar a situação.

– Não está acontecendo nada! – respondi e sai da sala.

– Nada que possa ser da sua conta! – Nicardo provocou e seguiu atrás de mim.

– Espere um pouco! – Alexis gritou e veio correndo atrás de nós dois – Como assim “nada da sua conta”?

– Estou sentindo o cheiro de confusão? – ouvi Neandro rindo de longe.

Fomos ao porto de Zoira. Neandro realmente conhecia todas as pessoas de todos os portos de navios de Monterra e não demorou muito para conseguir alugar um navio para seguirmos para Monaya.

Esse havia sido o maior navio que viajamos desde que iniciamos essa aventura, e sem dúvida foi o maior navio que já viajei na vida. Ao que parece, estávamos dando a volta ao mundo de Monterra. Fiquei em um lado isolado, perto da proa, onde quase ninguém estava passando. Queria pensar sobre tudo o que estava acontecendo comigo.

– Posso sentar ao seu lado? – era a voz de Alexis. A penúltima pessoa que queria ver no momento.

– Senta. – disse sem muita animação.

– Beatriz… Eu queria dizer que, aquele beijo, bem…

– Alexis – interrompi – Eu realmente queria falar sobre isso!

– E que eu…

– Mas não agora! – o interrompi novamente.

– Tudo bem, eu entendo. – ele baixou a cabeça.

– Olha, se quiser apagar aquilo e fingir que nunca aconte…

– Não! – agora ele quem me interrompia – Não era isso que eu ia dizer!

– Não? – fiquei confusa.

– Eu queria…

– Beatriz? – era a voz de Nicardo, a última pessoa que queria ver no momento. – Estou… Atrapalhando?

– Na verdade você es…

– Pode sentar! – interrompi Alexis mais uma vez.

– Eu estava querendo conversar com você sobre a Selena. – Nicardo se sentou.

– Sobre a Selena? – perguntei – O que você quer conversar sobre ela?

– Nós estávamos conversando primeiro! – Alexis se irritou.

– Então termine de falar com ela! – Nicardo se levantou.

– Com você olhando? – Alexis disse entre os dentes.

– Desculpe, não sabia que era assunto íntimo. – Nicardo já ia se afastando quanto Alexis o fez parar.

– Vai, vai! – Alexis começou a gritar – Fale logo o que você tem para dizer!

– Calma Alexis! – tentei pará-lo.

– Calma nada! – ele começou a gritar mais alto – Se você prefere ficar com ele do que comigo, faça bom proveito.

– O que você está dizendo? – perguntei realmente confusa.

– Para com isso Beatriz! – ele se aproximou de mim – Eu sei que você está gostando do Nicardo.

– Alexis…

– Por isso não faça o erro de ficar insistindo em evitar isso. – ele começou a se afastar.

– Mas eu quero ficar com você! – gritei – Alexis!

Por um instante ele parou e não pude ler as suas feições. Parecia um misto de felicidade ao extremo e de medo infinito. Parecia que tudo o que ele mais queria ouvir de mim acabara de ser dito, mas por algum motivo ele não ficou completamente feliz. Depois seus feições se tornaram bem claras: Ódio absoluto.

– Não me escolha Beatriz! – ele ficou serio – Eu nunca serei seu. Eu não posso…

– Não pode?…

– Esquece! – ele jogou as mãos para o alto – Eu nunca poderia ser seu, por que… Por que… Por que eu não gosto de você!

Algo me soou extremamente falso e mentiroso nesta última afirmação de Alexis, mas não entendo por que acabei acreditando nela. Realmente não sei.

Alexis saiu de perto de nós e eu acabei saindo de lá também e fui para outro canto qualquer do navio. Algo realmente estava mudado entre nós. E isso não era nada bom.

– Beatriz, você está bem? – Neandro havia me achado.

– Está tudo bem. – disse enxugando os olhos.

– Você está chorando? – ele perguntou.

– Não – respondi tentando parecer bem – Não é nada.

– “Não é nada, não é nada” – ele remendou uma voz qualquer – Essa frase está sendo repetida demais neste navio.

– Como assim? – perguntei.

– Nicardo, Alexis e Selena deram a mesma resposta para mim.

– A Selena? – sussurrei para mim mesma – Ela não estava no meio da confusão?!

– Confusão? – Neandro ouviu.

– Não, nada. – sorri – Estava só pensando alto.

– Tem alguma coisa de muito estranho acontecendo neste navio! – Neandro bufou.

– Talvez… – sussurrei novamente.

Fiquei andando pelo convés durante um tempo. Alexis estava sentado perto da popa do navio e assim que me viu virou o rosto. Ignorei a grosseria e continuei caminhando.

Desci para os quartos, sem absolutamente nada o que fazer e fiquei perambulando por eles. Estava muito confusa e não conseguia pensar, até que ouvi algo vindo de um dos quartos.

– Você precisa contar! – era a voz de Nicardo.

– Não! – outra voz respondeu. Era Selena – Pelo menos não agora.

– Mas isso é muito grave, você precisa contar! – Nicardo insistia.

– Eu sei que não é certo esconder deles, mas acho melhor continuar mantendo isso em segredo. – Selena continuava insistindo em não contar seja lá o que for.

– Tudo bem, não digo nada, desde que você prometa que irá contar a verdade! – Nicardo parecia ter se levantado.

– Obrigada! – Selena agradeceu e eu corri de volta para o convés.

Fiquei tentando de todas as formas não pensar no que ouvi e evitei Nicardo o resto da viagem até quando pude. Não foi difícil, aquele navio era realmente muito grande.

A primeira coisa que notei quando cheguei em Monaya foi a grande quantidade de criaturas errantes. Havia varias espécies, tanto aquáticas quanto terrenas. Não havia encontrado muitas criaturas errantes fora de Nebro, por isso estranhei no principio.

– Olá! – um lobo que andava de duas patas nos cumprimentou.

– Ola! – respondi sem jeito.

Havia mais seres errantes do que monaynos ali no porto. Era algo realmente impressionante.

– Por que há tantos seres errantes aqui? – fui obrigada a perguntar.

– Monaya é um reino muito hospitaleiro e sem preconceitos. – Neandro respondeu – Os seres errantes se sentem mais livres aqui do que em qualquer outro lugar de Monterra. Se você não cometer nenhum crime por aqui, será eternamente bem vinda a Monaya.

Realmente, um lugar assim deveria atrair as atenções de criaturas como os seres errantes. Imagino o tamanho do preconceito que as pessoas devem ter com eles. Infelizmente eu também não seria muito amável com uma criatura destas, mas estava começando a me acostumar com as bizarrices de Monterra. Continuamos andando sem muitas surpresas, até sairmos do porto de Monaya.

Minha má sorte havia deixado os tombos e arranhões para se tornar brigas e mal entendidos, mas de vez em outra ela sempre volta as suas raízes.

Saído do porto, tropecei em algo e quase cai de cara no chão. Nicardo me segurou e evitou a tragédia. Olhei para ver em que tinha tropeçado e me deparei com uma perna – melhor dizendo, duas pernas.

Era um jovem rapaz de longuíssimos cabelos ruivos – batia em sua cintura – uma fita lilás amarrada em sua cabeça, uma jaqueta roxa sem manga e uma calça preta. Ele não usava camisa por debaixo da jaqueta, por isso deu para reparar que o jovem rapaz era bem provido de dotes físicos – sua barriga era a mais bem definida que já havia visto.

Seu rosto gritava a frase “Olá, eu sou um vagabundo”. Ele estava dormindo na calçada, visivelmente bêbado e com um cigarro na boca. Seu rosto estava um pouco sujo, assim como sua roupa, mas ele deveria ser muito bonito quando se arrumava.

– Esse deve ter tido uma noite e tanto! – Alexis caçoou do rapaz. Seguimos em frente.

Estávamos quase nos afastando do rapaz quando o vimos se levantar e vir cambaleando em nossa direção. Tentamos fingir que não o vimos, mas ele começou a gritar.

– Vocês! – sua voz ainda estava afetada da bebida – Estou ordenado…

– Acho que é seu parente Alexis! – Nicardo provocou.

– Me levem até Le.. – ele arrotou – Me levem até Leone!

– Ele falou Leone? – Neandro perguntou.

– Eu… Eu tenho que – ele soluçou e arrotou novamente – Eu tenho que matar… Tenho que matar… Tenho que matar aquele desgraçado do Leone! – e o rapaz caiu no chão novamente.

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