Eventyr

Eventyr – Capítulo 15

Não conseguia entender o que meu sonho queria dizer, mas sabia que ele queria me mostrar alguma coisa. Tudo me intrigava: o homem alto, o cometa, a voz, o lobo, as pessoas de capas pretas, a mulher no espelho… Tudo era um mistério e nada parecia fazer sentido, eram como peças de um quebra-cabeça, apenas juntando todos os pedaços para descobrir a imagem que ele esconde.

Assim que todos levantaram, Nicardo nós acompanhou até um grande restaurante onde tomamos nosso café da manhã.

– E quando nós vamos sair? – Alexis estava ansioso para ir atrás do cristal.

– Eu acho melhor esperarmos o sol baixar um pouco. – Nicardo olhou para uma grande porta de vidro onde era possível ver o sol forte. – O dia em Padja começa muito quente. Vocês não estão acostumados e melhor esperar esfriar um pouco.

– Ah… – Alexis pareceu entender.

Olhei para fora e realmente parecia estar bem quente. A temperatura no albergue estava estável, mas do lado de fora parecia bem mais ameaçador.

– Eu vou subir um pouco. – Neandro saiu da mesa e foi para o seu quarto.

– Eu vou ficar um pouco lá fora. Estava sentindo falta das manhãs quentes de Padja. – Nicardo quem se retirava agora. Ficamos só eu e Alexis.

– Então… – tentei começar alguma coisa.

– E então! – ele sorriu parecendo não estar prestando atenção e depois ficou confuso – Hã… O quê? Estava falando alguma coisa?

Dei um tapa em minha própria testa e provavelmente fiquei vermelha com a estupidez. De repente eu não sabia o que falar com Alexis. Era como se… Sei lá… Eu simplesmente estava satisfeita em ficar olhando para ele – isso era um pouco estranho para mim.

– Você tem estado tão… Esquisita. – ele ainda estava comendo.

– Eu? – botei a mão no peito – Esquisita? Nada!

– Está sim! – ele sorriu – Fica me olhando de uma forma estranha.

– Estranha não! – dei um tapa em sua mão – Diferente talvez, mas não estranha!

– Tudo bem, diferente. – ele sorriu.

– Posso te confessar uma coisa? – perguntei olhando diretamente para ele.

– Pode. – ele me olhou desconfiado.

– Eu acho que estou me apaixonando por você! – desabafei.

No mesmo instante ele levou um baita susto e cuspiu todo o suco que estava bebendo na minha cara.

– Tudo bem… Isso não foi legal! – eu disse enxugando os olhos – Acho que não era bem esse o tipo de tratamento que esperava, mas… Tudo bem.

– Beatriz… Nossa! Desculpe-me! – Alexis pegou um guardanapo e correu para me ajudar a enxugar o rosto.

– Tudo bem. – peguei o guardanapo da mão dele

– Desculpe, mas é que… Você me pegou de surpresa! – Alexis pegou outro guardanapo. Ele realmente queria me ajudar a me enxugar.

– Acho que eu que me precipitei um pouco. – levantei constrangida – Ou melhor… Sonhei um pouco alto de mais. Talvez o que o Nicardo tenha… – engoli as palavras.

– O que o Nicardo falou? – Alexis ficou nervoso.

– Ah… Nada!… Esquece! – sai de perto dele.

– Espere… Beatriz… Espere um minuto! – ele correu atrás de mim.

– Não! – gritei. Muitas pessoas centraram suas atenções em nós dois – Me deixe um pouco sozinha!

Subi para o meu quarto e fiquei um bom tempo por lá. Estava me sentindo extremamente envergonhada por ter me aberto com Alexis e estava com raiva de mim mesma por estar assim.

Depois que o dia “esfriou” – mas ainda estava bem quente –, tratamos de sair imediatamente do albergue e ficar o mais longe possível – não queríamos mesmo que aquela bruxa da Elma soubesse da busca do cristal.

Alexis e eu evitamos falar sobre a nossa conversa. Na verdade eu evitei. Evitei até mesmo de falar com sobre qualquer outra coisa, não sabia se conseguiria falar com ele tão cedo.

– Então? – Neandro perguntou – Qual o nosso próximo destino?

– Vamos ver. – Alexis retirou as anotações – Sou extremamente alto, tome cuidado. Não chegue muito perto, posso te queimar. Não me deixe nervoso ou devoro tudo.

– Alto e quente? – Nicardo se assustou.

– Você sabe do que a pista está falando? – Alexis perguntou.

– O vulcão! – Nicardo apontou para o longe. Vimos uma imensa montanha bege – O Vulcão de Padja!

– Que legal; mais fogo! – bufei lembrando do monstro no trem.

O caminho para o vulcão não foi nada fácil. Passamos por uma “calorosa” floresta. Ela era tão quente que parecia sufocar a cada tentativa de respiração. Era uma floresta muito estranha.

As árvores eram amarelas e as folhas vermelhas – algumas, cor vinho. As folhas eram secas, mas não pareciam querer cair tão cedo. Havia pedras de todos os tamanhos com cores amarronzadas em vários tons. O chão era marrom extremamente escuro, quase preto e era duro e muito quente – mesmo com um sapato era possível sentir a temperatura do chão. Uma névoa preta girava em torno da montanha. Era uma névoa grossa, espessa e parecia ficar maior a cada rotação, mas voltava a diminuir.

– Quando subirmos a montanha, tentem focar a sua visão em mim. – disse Nicardo. – Não prestem atenção em absolutamente nada além de mim!

Pensei em perguntar o motivo, mas estava tão sufocada com o calor da montanha que não consegui sequer abria a boca. Percebi que os outros estavam compartilhando da mesma dificuldade respiratória que eu.

Resolvi fazer o que ele mandou e foquei em Nicardo. Começamos a subi a montanha. Tentei não tirar os olhos de Nicardo, mas estava difícil. Olhei para Alexis e Neandro e percebi que eles também estavam tendo dificuldade em focar suas atenções em Nicardo. Olhei novamente para frente, mas não consegui encontrar Nicardo.

A principio fiquei assustada, mas depois uma sensação leve me invadiu e me fez ficar com sono.

– Alexis?… – disse bocejando – Você está sentindo o que eu estou sentindo?

– Sentindo? – ele falou com uma voz grogue. – O que eu estou sentindo?

– Vocês! – Neandro também pareceu afetado – Nós devíamos parar e dormir.

No começo não percebi, mas o cenário começou a mudar para um fundo de colorido psicodélico e parecia estar flutuando. Caiu na gargalhada e me joguei no chão. Neandro e Alexis fizeram o mesmo.

– Acho que deveria tentar levantar? – disse entre gargalhadas.

– Levantar para que? – Alexis também estava rindo.

– Acho que para andar. Eu sei andar? – Neandro parecia um bêbado.

– Ei! – Alexis olhou para alguma coisa – Que tal se… Segui… Se segui… Ai, não consigo completar a frase. Aquilo parece tão bonito!

Olhei para o que Alexis estava apontando. Era uma flor enorme. Deveria ter pelo menos 4 metros de altura e era de uma cor estranha, parecia dourado, marrom, vermelho e cinza ao mesmo tempo. Era como se a cada segundo a cor mudasse e depois voltava gradualmente para a cor inicial.

– Realmente, parece lindo! – Neandro se levantou, mas caiu novamente.

– Deixa… Deixa que… Arg… Eu vou! – Alexis parecia estar tendo problemas para falar – Deixa que eu vou!

Alexis se levantou, rodopiou em volta de si próprio e despencou no chão. Estávamos todos parecendo um bando de bêbados em uma praça desfrutando os últimos minutos de bebedeira antes de voltar a ficar sóbrio.

– Eu vou! – disse já em pé – Pode deixar que eu vou até lá por vocês!

Segui em direção a flor e uma sensação estranha tomou meu corpo. Algo parecia estar me avisando para parar, mas a tentação de chegar perto da flor era muito grande. Notei que Alexis e Neandro também estavam se levantando e seguindo para a flor.

– Ei, podem parar! – gritei – A flor é minha!

– Não, a flor é minha! – Alexis também gritou – Eu vi primeiro!

Quando formos olhar para Neandro, ele já estava a nossa frente, quase chegando a flor. Novamente algo queimou em mim, como se quisesse avisar que existe alguma coisa de muito errado nisto tudo.

– Pode parar Neandro! – gritei novamente – A flor é minha!

– Eu já estou a um passo de pegar a flor! – Neandro ainda estava com a voz grogue.

– Porcaria! – ouvi a voz de Nicardo – Eu disse para vocês não prestarem atenção em nada além de mim!

– Cale-se! – Alexis gritou. Estávamos todos gritando.

Nicardo pegou algo do chão. Era areia e tacou nós olhos de cada um de nós.

– Ai! – gritei e balancei a cabeça – Mas o que…

– O que eu estava…

– Fazendo?… – Neandro finalizou a minha frase e a de Alexis.

– Não tirem os olhos de mim! – Nicardo me pegou pelo braço. Alexis e Neandro vinheram atrás – Veja para onde estavam indo!

Olhamos para baixo, onde deveria estar à belíssima flor e vimos uma imensa coisa vermelha com grandes dentes, feito tubarão.

– O que é isso?! – me assustei.

– E a devoradora! – Nicardo me soltou – Se não focarem seus pensamentos em um único objetivo, que no caso é chegar ao topo do vulcão, ela confunde os seus pensamentos e cria essa armadilha para devorar os desavisados.

– Que horror! – tapei a boca com a mão.

– Agora vamos! – Nicardo voltou a subir o vulcão – E não pensem em mais nada além de chegar ao topo!

Chegamos ao topo quase enfartando. O calor era cruel, ficando mais forte a cada vez que nos aproximávamos do topo. Achei que não iria consegui quando finalmente vi algo em cima de um tipo de pedestal de pedra. Era o cristal.

– Era só isso? – Neandro perguntou. – Que patético!

– Neandro… – o fitei – A última vez que você fez essa pergunta uma estátua de duas cabeças começou a nos atacar.

– Mas um raio não cai duas vezes no mesmo lugar! – Neandro sorriu.

– Não?! – Nicardo apontou para algo que estava escondido, se disfarçando de rocha.

Era um grande monstro de pedra. Ele se levantou e, assim que nós viu soltou uma baforada de fogo para o alto.

– Que ótimo. – Alexis tirava sua espada – Outro monstro de fogo!

Nicardo fez novamente sua espada de gelo e eu conclui que devia usar as bolas de água. Alexis e Nicardo atacaram primeiro, a intenção era distraí-lo. Neandro me mandou usar as bolas de água para evitar que ele jogasse chamas pela boca enquanto eles tentavam descobrir o ponto fraco do monstro.

– Será que teremos que enfrentar monstros para conseguir os cristais? – perguntei indignada.

– Acho que sim! – Neandro respondeu enquanto tentava atacar o monstro.

O monstro não era muito grande, mas parecia muito forte. Ele era redondo e andava sob quatro patas. Sua cabeça era em formato de losango e a única coisa que não era feita de pedra eram dentro de sua boca e os seus olhos.

– Neandro! – uma idéia me veio à mente – Tente atacar a boca ou os olhos!

Neandro pulou e o atacou na boca. O monstro rugiu e tentou jogar uma baforada de fogo, mas eu o impedi. Ele pareceu entender a nossa intenção e ficou o resto da luta de boca fechada, atacando apenas com as patas.

Os meninos tentavam alcançar os olhos, mas ele sempre conseguia impedir que isso acontecesse. Nicardo e Alexis tentavam distrair o monstro atacando-o nas pernas e na barriga, mas não pareceu surtir muito efeito.

Tentei fazer-lo abrir a boca jogando rajadas de água e fogo e experimentei usar algumas pedras para atacar-lo. Diferente dos outros monstros, esse pareceu entender o nosso plano e ignorava todas as nossas tentativas de fazer-lo abrir a boca e essa atitude só provava o que já sabia.

Voei e cheguei perto do monstro. Comecei a tacar bolas de fogo em sua cabeça, mas ele ignorou. Continuei tacando bolas de fogo e de água, mas ele estava restivo e continuou atacando os garotos. Tentei fazer algo diferente. Um surto de “sabedoria” me veio à mente e de repente eu sabia que poderia juntar o fogo e a água para criar uma bola de elementos cujo dano seria maior. Ter parte de uma das grandes magas ajuda muito nestas horas. Consegui fazer a grande bola de elementos e atirei no monstro. Finalmente consegui chamar sua atenção.

– Neandro – gritei – Ataque os olhos!

Neandro aproveitou que o monstro estava prestando atenção em mim e subiu até os olhos. O monstro percebeu o que Neandro queria fazer e começou a se sacudir, tentando derrubar-lo. Neandro manteve-se firme e cravou sua espada de gelo no olho esquerdo do monstro. O monstro não teve outra saída a não ser dar um berro de dor, abrindo completamente a boca.

– Neandro?! – Nicardo gritou subindo para perto da boca do monstro – Eu sei o que fazer!

– O que? – Neandro parecia ter ficado um pouco surdo com o grito do monstro.

– Eu sei o que fazer! – Nicardo gritou mais alto. O monstro se sacudia e atirava baforadas de fogo para todos os lados.

Nicardo conseguiu chegar até os olhos do monstro. Neandro estava flutuando, evitando que o monstro lhe acertasse, já Nicardo estava tendo dificuldades de se segurar com os sacolejos para todos os lados.

– Sua espada poderia transformar pedra em gelo?

– Sim! – Neandro disse – Mas apenas eu posso fazer isso!

– Então venha comigo! – Nicardo puxou Neandro. – Beatriz – ele gritou – Não deixe o monstro jogar baforada de fogo. Se ele tentar, impeça imediatamente!

– Entendi! – respondi temendo o que eles pudesse fazer.

– Alexis, pegue o cristal e siga em frente! – Nicardo gritou para Alexis.

– Mas eu vou fazer isso porque preciso do cristal, não porque está mandando! – Alexis tinha que fazer uma das dele.

– Que seja! – ouvi Nicardo resmungar – Só pegue o cristal!

– Mas o que pretende fazer? – Neandro perguntou.

– Você vai entrar dentro do monstro! – Nicardo colocava as mãos nos ombros de Neandro.

– O que? – Neandro gritou.

– Você precisa acertar o coração dele e transformar em gelo! – Nicardo explicava.

– Está louco? – Neandro gritou.

– Mas você precisa sair antes do corpo congelar por inteiro, caso contrario ficará preso dentro do corpo do monstro. – Nicardo parecia ignorar. – Está pronto?

– Não! – Neandro estava assustado.

– Ótimo! – Nicardo continuava ignorando – Vou acertar-lo no outro olho e você entra pela boca!

– Mas…

Antes de Neandro terminar de dizer qualquer coisa, Nicardo correu – com um pouco de dificuldade – e acertou o outro olho do monstro. Novamente um berro de dor ecoou por todo o vulcão.

– Agora Neandro vai! – Nicardo quase empurrou Neandro para dentro do monstro.

Imediatamente Nicardo tentou atrair o monstro para a boca do vulcão. Era uma imensa cratera, borbulhando larva, bem no meio de toda a confusão.

As intenções de Nicardo não haviam sido claras, mas esperava que funcionasse. Não gostaria nem de imaginar caso Neandro não conseguisse acertar o coração do monstro ou ficasse preso lá dentro.

Alexis aproveitou e pegou o cristal, mas não seguiu em frente. Ele parecia preocupado com o irmão e também não sairia dali sem ver-lo de novo.

De repente o monstro para e fecha a boca, caindo no chão e fazendo um tremendo barulho. Fiquei desesperada, Neandro não havia saído.

– Neandro! – gritei.

– Droga, droga, droga! – Alexis guardou o cristal e correu para perto do monstro. Fiz o mesmo.

Ao poucos o monstro foi virando uma grande pedra de gelo. Eu e Alexis tentamos abrir a boca do monstro para libertar Neandro, mas não conseguimos. Nicardo estava perplexo. Provavelmente acreditou que Neandro sairia a tempo. Foi quando a boca do monstro começou a ficar quente.

– Saiam todos de perto! – Nicardo gritou.

Na mesma hora uma explosão de pedra de gelo tomou conta do vulcão. A boca do monstro estava completamente destruída e Neandro estava de volta, ofegante e coberto por um tipo de gosma transparente e pequenos pedaços de carne vermelha que ainda pulsavam.

– Nunca… Mais… Faça… Isso! – Neandro falava com um pouco de dificuldade.

– Neandro! – corri e fui abraçar-lo. Parei no meio do caminho – Eca!

– E… Eu sei – Neandro parecia furioso – Eu estou fedendo pra caramba!

Seguimos de volta para o albergue. Achei engraçado, mas o tempo não estava mais tão sufocante e cansativo. Provavelmente porque já estava começando a entardecer.

– Credo! – Dona Elma assim que viu Neandro – Foi engolido por um bicho?

– Fui! – Neandro subiu irritado – Preciso urgentemente de um banho!

– Mas que arrogante! – Dona Elma bufou.

– Olha quem fala. – sussurrei.

– O que disse menina? – ela me fuzilou com os olhos.

– Nada! – sorri desanimada – Só estava pensando alto. Nicardo, eu vou para o meu quarto!

– Tudo bem. – ele sorriu.

– Eu vou com você! – Alexis quase tropeçou. Minha má sorte estava sendo transferida para Alexis?

– Espero não ter tanto trabalho assim com os outros cristais! – Alexis deixou escapar. – Opa! – ouvi sussurrar.

Dona Elma olhou para nós dois com uma cara feia e depois falou alguma coisa com Nicardo. Ele pareceu confuso, mas provavelmente estava inventando alguma coisa para explicar os “cristais”. Algo me dizia que isso seria péssimo para todos nós e que muita confusão seria gerada por conta dessa “escapulida” de Alexis. Isso não era nada bom.

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