Sete Pecados

Episódio 01- Amor Com Amor Se Paga (Avareza).

OS SETE PECADOS  EPISÓDIO 01- AVAREZA
Amor Com Amor Se Paga  Roteiro: João De Oliveira.

Resumo: Desde que ficou viúva, Ângela tomou frente dos negócios do marido e adiou a maternidade. Mesmo com a carreira estabilizada, ela seguiu almejando um espaço maior no mercado. Porém, pestes a realizar uma cirurgia no útero em função de um câncer no órgão, precisa fazer um balanço de sua vida.

 Cena 01. Apartamento de Ângela – Quarto dela – Tarde

Chica entra pela porta já aberta: Eu acho que você devia sair, viajar, espairecer, mesmo. Tá muito estressada! E não culpe a doença, não, porque você já tava assim antes dela. Pra quando é que a cirurgia foi marcada? Não dá tempo de você viajar antes dela?

Ângela tira os brincos, em frente ao espelho: No próximo dia dez.

Chica a aperta os ombros: Então, você tem tempo pra passar no mínimo duas semanas fora. Europa, que tal? Você sempre quis visitar, sempre também se queixou da falta de tempo… Tá aí uma boa oportunidade, não é?

Ângela caminha até a cama, lentamente: Eu não posso, mãe, tive que adiantar uma reunião que eu teria na semana da cirurgia. E depois, o escritório não pode ficar sem mim.

Chica segue a filha: São duas semanas, só. Duas sem você, é verdade, mas com aquele seu sócio, com todos os funcionários trabalhando regularmente. Você viaja sim, nem que seja àquela casa de Petrópolis. Tem que respirar um pouco! Senão você não aguenta até o dia dez, senão você explode até lá!

Ângela passa as mãos no rosto, bufando: Ai, mãe, eu tô exausta, acabei de voltar de um consultório médico, de marcar a cirurgia pra me tirar o útero. Já é o bastante, você não acha? – e se deita, escorada na cabeceira – O que eu preciso agora é relaxar, descansar minimamente pro meu trabalho amanhã. É por ele que eu tô nesse tratamento, que eu vou me sujeitar a uma cirurgia, só pelo meu trabalho.

Chica se senta à beira da cama e acaricia as pernas da filha: É verdade, você precisa descansar, relaxar, mas não no trabalho, não pensando nele. Eu não vou desistir de te convencer da viagem, porque não vou desistir de você, minha filha, porque você não pode desistir de si mesma – ambas ficam em silêncio, até que Chica o quebra, desmanchando também o tom sério. E aperta os pés da filha – Você se lembra de quando era criança, de quando seu pai voltava do trabalho? Você adorava massagear os pés dele. Ele nunca falou nada, mas também amava, não só pela massagem, mas por ser aquele o único momento que vocês tinham juntos, sozinhos.

Ângela sorri: Eu dizia que queria trabalhar justamente como massagista, naquela clínica do centro, lembra?

Chica massageia os pés de Ângela: Então, você não se esqueceu. Deve se lembrar também do jeito dele, teimoso… E você é milimetricamente igual. Não só teimosa, mas sofre da mesma doença. Não esse câncer de útero, mas essa compulsão obsessiva por trabalho, trabalho, trabalho… Enfim, eu torço muito por você, Ângela. Torço demais, e não quero que você tenha o mesmo fim que o seu pai teve: sozinho, deixado por nós duas, depois de ter nos deixado pelo trabalho.

Ângela encara a mãe, pensativa.

Logo amanhece um novo dia na Urca…

Cena 02. Apartamento de Ângela – Sala de Jantar – Manhã

Chica toma seu café da manhã junto de Rejane. As duas estão sentadas à mesa, já posta. A mãe de Ângela se serve com chá.

Rejane come uma fatia de queijo: Sabe que quanto mais o tratamento avança, mais eu fico preocupada com a dona Ângela? Ela não jantou ontem, no almoço também comeu só uma salada. Vai acabar ficando ainda mais fraca.

Chica: Eu vou falar com ela. Falei ontem também, mas vou voltar a conversar, porque dá pra aceitar as justificativas dela! “Pelo meu trabalho é que eu vou me curar”, foi o que ela me disse, assim, naturalmente – diz, indignada – Ah, me deprime tanto ouvir isso da minha filha. Ela vive pro trabalho, só pra ele.

Rejane: Eu mesmo que tenha acompanhado tão de perto, também não me conformo. Foi o doutor morrer e ela assumir o lugar dele na empresa. O doutor morreu e… Ela também, porque deixou de viver. Me lembro bem quando ela me confessou que queria ser mãe. Foi a única vez que falamos sobre isso, logo depois que ficou viúva – Chica a encara – A dona Ângela, ela disse que era uma mulher comum, que também sonhava com isso. Todos esses sonhos ela deve ter enterrado junto do marido, junto de todo o trabalho que ela assumiu por medo de perder essa vida confortável que eles conquistaram.

Cena 03. Urca. Apartamento de Ângela – Quarto dela – Manhã

Ângela observa seu reflexo no espelho. Uma de suas mãos está posicionada na cabeça, com os cabelos já baixos. A outra, na barriga, na parte inferior dela, simbolizando o órgão que tem de operar.

Voz de Chica: Você não sabe, não tinha como saber, a Ângela não contou a ninguém, só nós duas sabemos, eu e ela. Mas não há mais porquê esconder… Essa história já tem tanto tempo.

Voz de Rejane, curiosa: O que já tem tanto tempo?

Voz de Chica: Há mais ou menos uns dezessete anos, é isso, você se lembra que a Ângela passou uns tempos na minha casa? Foi assim que o Edgar morreu – e respira fundo – Ela tava grávida, mas dizia não querer ter a criança, ao mesmo tempo em que não queria que soubessem da gravidez, ao mesmo tempo em que não quero atirar o bebê. Preferiu que fosse adotado.

Ainda em seu quarto, Ângela agora está em frente ao armário, à procura de uma caixa, que encontra e abre, revelando o que há dentro dela: uma troca de roupas, rosa, para recém-nascidas.

Voz de Rejane, perplexa: Que história maluca, meu Deus, vocês esconderam a gravidez, é isso?

Voz de Chica, embargada: É uma história maluca, confusa, mas foi isso o que aconteceu. A verdade é que a Ângela até queria ter tido essa filha… Era uma menina! Mas a vida dela não tinha mais espaço pra uma criança, não com tudo o que tava acontecendo. Até ela, até mesmo ela àquela altura já não tinha mais espaço. Tava ocupada demais com reuniões, relatórios, contratos.

Voz de Rejane, esperançosa: Então… Então ela tem uma filha – diz, ainda tentando assimilar a nova situação – Então ela é mãe de uma menina! Nós temos que encontrar ela, não sei, alguma coisa a gente consegue fazer. Vai ser tão bom que a Ângela tenha essa oportunidade, ainda mais numa situação dessas.

Voz de Chica: Eu sei onde ela está, como, com quem… O que eu não sei é onde encontrar coragem pra procurar por ela. Eu não sei como é que agiria diante dessa menina, dessa neta que eu desconheço. Não sei como ela agiria diante de mim, como agiria diante da mãe que a deixou… Não sei como a Ângela agiria diante desse menina, que, por bem ou por mal, representa todo o passado da minha filha, tudo o que ela foi, tudo o que ela quis ser, e que não pôde, seja por uma causa nobre ou mesquinha.

Rejane fica silenciosa, como se tivesse sido convencida. Chica, por sua vez, apenas suspira.

Voltando ao quarto de Ângela, a mulher chora, deitada na cama, abraçada às roupas que seriam de sua filha, as únicas lembranças que tinha dela.

Cena 04. Ipanema. Hospital Santa Maria – Consultório Médico – Dia

A filha de Chica bate na porta e a abre.

Nuno, o médico, atrás de sua mesa: Finalmente, Ângela! Quê que houve? Você não é de se atrasar.

Ângela entra na sala e se senta: Ai, desculpa, eu tive uma reunião assim, de última hora. E olha que eu ainda tenho outra semana que vem.

Nuno sugere: Você prefere marcar comigo outro dia?

Ângela: Não, acho que não vai ser preciso. O melhor seria não ter que vir aqui uma vez por semana…

Nuno: Não reclama, não, hein, há quem venha aqui todos os dias. Mas, então não vamos perder tempo, pode ser? Você tá há poucos dias da cirurgia, é melhor que a gente deixe tudo certo.

Ângela assente, embora bufe.

No apartamento de Ângela

Na cozinha, Rejane lava às louças da pia. Ela cantarola.

Chica aparece, afoita: Rejane, Rejane!

Rejane pula: Que susto, dona Chica! Alguma coisa com a Ângela?

Chica: Não, não… Quer dizer, médio. Lembra da conversa que nós tivemos na semana passada? – e pausa – Sobre a minha neta?

Rejane: Como é que eu ia me esquecer de uma história como essas…

Chica: Enfim, acontece que eu recebi um telefonema. Lá do Sul, da minha cidade. Maringá, onde minha neta tá morando. A questão é que a mãe dela, a mãe adotiva, ela morreu. E a garota não tem a ninguém, senão a mim e a Ângela.

Rejane se impressiona.

E anoitece

Cena 05, Urca. Apartamento de Ângela – Sala de Jantar – Noite

Ângela, Chica e Rejane estão jantando. Esta última se levanta.

Rejane tira seu prato da mesa, fazendo sinal a Chica: Eu vou ao meu quarto, tomo banho, assisto um pouco de tevê, e logo volto.

Ângela estranha: Mas você já terminou, Rejane? Quase não tocou no seu peixe.

Rejane: É, hoje eu fui pega por essa falta de apetite. Mas não se preocupa, não, amanhã eu me esbaldo no café da manhã. Dá licença – e sai.

Chica pega mais da salada: Você se lembra daquele irmão do seu pai, lá do Sul?

Ângela solta o garfo: Antônio, não é? Acho que nos vimos poucas vezes, só consigo me lembrar de três.

Chica inventa: Pois é, ele morreu. Nós não éramos muito íntimas dele, mas eu vou pra representar a família, vou amanhã e volto no dia seguinte. Como você tá presa ao tratamento e não abre mão do trabalho, comprei uma só passagem.

Ângela: Tá bem, eu não posso ir mesmo, nem de um jeito, nem de outro. Mas você me promete uma coisa, mãe?

Chica segura nas mãos dela: Claro, claro que prometo, minha filha. É só você dizer o que você quer, eu faço.

Ângela: Eu só quero pedir que você volte antes da cirurgia. Você pode aproveitar pra ver suas irmãs, seus amigos que você deixou, aquele seu vizinho, aquele que gosta de você, mas volta antes da cirurgia, mãe. Por favor. Ela tá se aproximando e… Tô me sentindo cada vez mais vulnerável. Não sei se vou aguentar sem você.

Chica: Eu prometo, tá bem? Eu volto antes da cirurgia, pra estar do seu lado.

Dias depois, em Maringá

Cena 06. Vila Bosque. Casa de Isaura – Manhã.

Chica é recepcionada dona da casa.

Isaura, sentada: Você não quer aceita mesmo um café, suco, não quer beber nada?

Chica se aconchega no sofá: Obrigada, não precisa, mesmo. Agradeço mais uma vez, também, por ter ligado. Como eu te contei pelo telefone, vai ser muito importante pra Ângela saber dessa filha num momento como esse.

Isaura é simpática: Minha irmã, que criou a Olívia, antes mesmo de morrer já queria contar pra ela. Mas… Parece que não pôde, não é? Bem, eu vou chamar a Olívia. Ela não é de demorar no banho, não sei mesmo o que aconteceu.

Chica: Será que ela não tá sentindo confortável com essa minha visita? Se não é fácil pra mim, que já conhecia essa história, que fiz parte dela, imagina como é que não tá sendo pra ela, que de repente se viu no meio disso tudo.

Olívia as cala, assim que aparece no fim da escada: Então, é essa a mulher que você falou?

Isaura se levanta: É ela, sua avó… Avó biológica. Eu vou sair, assim vocês podem conversar em paz.

Olívia é direta: Eu não acredito que você vai me deixar aqui sozinha! Eu não tenho nada pra falar com ela!

Isaura: Olívia, querida, nós já falamos sobre/…

Olívia a interrompe: Não falamos nada! Você falou, mas eu só ouvi, fiquei quieta, porque não tenho mesmo nada pra falar sobre isso.

Isaura sai mesmo assim: Tenta ser minimamente educada com ela, viu, Olívia. Qualquer você me chama, ela só quer conversar, só isso. Nem que seja pra você só ouvir.

E desaparece. Chica fica sozinha na sala com Olívia, que se senta, calada. Muda.

Chica quebra o silêncio: Eu sou Francisca. Pode me chamar de Chica, se quiser. A Ângela, na sua idade, preferia Chica. Desde aquela época os jovens já eram assim, práticos, gostavam de abreviar tudo. Hoje é “vc”, é assim que se diz? – mas a garota permanece quieta – Olha, eu não quero forçar nada. Você é Olívia, não é?

Olívia é rude: Você não sabe nem o meu nome direito, e quer ser a minha avó? Não é porque a minha mãe, a Virgínia, minha mãe de verdade, morreu, que eu preciso de alguém no lugar dela. Já tem alguns meses, eu amava muito ela, pensei que também fosse acabar morrendo, mas agora eu já tô bem. Aqui, com a minha tia, que gosta de mim de verdade, que é minha família de verdade. Eu não preciso de você, da sua filha, de mais ninguém.

Chica suspira: Quem é que falou em substituir? Eu não quero substituir ninguém, não quero ocupar o lugar de ninguém, tenho certeza que minha filha também/…

Olívia a corta: Então você não é bem vinda, porque não tem lugar pra mais ninguém na minha vida.

Chica não dá ouvidos: O que eu quero é conquistar um espaço novo, fazer parte da sua vida, assim como eu quero que você faça parte da minha.

Olívia se levanta: Eu não quero ficar apertando várias vezes a mesma tecla, mas eu vou ser obrigada a me repetir. Eu não quero, nem preciso de você. Tenho certeza que você também não. Nunca me procurou durante todos esses anos, não é depois de tanto tempo, de uma vida inteira que tive, mesmo que ainda seja curta, que vai fazer alguma diferença. Eu não tenho mais o que falar. Também nada que eu queira ouvir… Então, desculpa, tá, mas eu vou subir – e sai.

Chica passa as mãos sobre o rosto.

No Rio de Janeiro…

Cena 07. Ipanema. Hospital Santa Maria – Consultório de Nuno – Manhã

Ângela pega a bolsa na cadeira: Gente, eu vou embora, tá bem? Esse tratamento tem me cansado tanto. Não sei nem com que cara é que eu vou aparecer no escritório.

Nuno a acompanha: É só não aparecer! Mas você não tá só cansada, não. Você tá diferente dos outros dias. Também tá triste – mas Ângela o encara – Desculpa se eu te invadi, não foi minha intenção, mas você não pode negar que tá triste, deprimida… Nos conhecemos há meses, e você realiza ainda essa semana a cirurgia… É esse o problema?

Ângela confessa: É a minha mãe. Ela viajou a alguns dias, ainda não chegou. Pedi tanto pra ela não me deixar sozinha num momento desses.

Nuno: Sabia que tinha alguma coisa. Mas tenho certeza que sua mãe não te abandonou, não. Por que você não reza?

Ângela, surpresa: Rezar?

Nuno dá de ombros: É, você se ajoelha, pede pela volta da sua mãe, pela cirurgia de amanhã, pela sua recuperação. Pelo que você sentir que é preciso, pelo que der na cabeça, melhor: pelo que der no coração, porque é ele que importa nessas horas.

Ângela sorri: Eu não acredito nessas coisas. E depois, eu não sei rezar.

Nuno retruca: Ninguém sabe. E depois, dona Ângela, não precisa acreditar, não. Não vai te fazer mal algum. Ao contrário, pode até fazer bem. Aproveita a capela aqui do hospital, faz esse descarrego emocional.

Ângela nega: Obrigada, mas… Eu não tô com clima pra isso.

Nuno: Pelo menos, então, liga pra tua mãe. Pergunta quando é que ela vem, assim você fica menos preocupada, menos ansiosa, não é?

Ângela: E você acha que eu já não fiz isso? Liguei, ela diz que volta amanhã.

Nuno: Mas você liga pra dizer que tá com saudades, pra ela perceber a falta que tá te fazendo. Pode ser?

Voltando à Maringá…

Cena 08. Vila Bosque. Casa de Isaura – Sala – Manhã

Isaura: Não, não, você não pode ter vindo aqui, viajado de tão longe, à toa. Eu vou falar com a Olívia.

A menina, porém, está escondida atrás do umbral, ouvindo à conversa.

Chica: O pior é que ela tem um pouco de razão. Eu chego aqui, como uma desconhecida, e de repente quero me tornar familiar dela…

Isaura: Não, nós tínhamos acertado dela ir falar com a sua filha, Ângela, não é, que tá doente. A Olívia pode parecer irredutível, mas ela é tão alegre, tão aberta, tão entregue, mesmo, sabe? Ela tá assim, impenetrável, desde que a mãe morreu. No estado normal ficaria tão contente em poder visitar outra cidade, viajar, conhecer gente nova. Talvez ela ache que é errado ir conhecer essa mãe biológica agora que a Virgínia morreu, deve achar que a vida nova pode acabar massacrando a antiga, e não é isso o que ela quer, mas é o que ela acha que pode acontecer.

Olívia reflete.

Chica: Seria tão bom que uma animasse à outra. A minha filha, a sua sobrinha e ela, a minha filha. Precisam da força uma da outra.

Isaura: Por isso eu vou falar com a Olívia, vou convencer ela a ir contigo ao Rio, passar poucos dias lá. Depois, quando ela já ter como e por que reprovar ou gostar disso tudo, a gente vê o que é que faz.

E são interrompidas pelo celular de Chica, que toca.

Chica se explica: Desculpa, é a Ângela, eu vou ter que atender. Eu não devia ter deixado ela sozinha… – e atende – Ângela, minha filha… Eu tava bem, mas agora fiquei tão preocupado. Que houve? Eu volto amanhã, prometi que chegava a tempo pra sua cirurgia, não prometi? Não fica assim, não, que eu fico pior! – e ri – Tá tudo bem com a família do seu tio Antônio, ele já tava internado há meses… Outro, minha filha. Fica com Deus.

Olívia aparece: Era ela no telefone? A mulher que você diz que é minha mãe?

Chica, cheia de expectativas: Era! Era sim, você quer falar com ela?

Olívia: Não, eu só ouvi você falar em cirurgia… Ela tá doente?

Chica, séria: Eu não queria falar nada pra que você não se sentisse pressionada, mas ela tá, sim. Um câncer, justamente no útero. O tumor cresceu bastante, por isso tiveram de apelar pra cirurgia. Ela não vai mais poder ter filhos… Nem filhas, Olívia. Mas eu pensei que isso não precisasse ser tão importante, porque ela talvez pudesse ter a você.

Olívia reconsidera: Bom, se é assim… Eu vou com você. Mas fico poucos dias, até o fim da semana, no máximo. Não vou pra morar.

Chica se emociona: Claro – diz, empolgada – Você pode ir, pode ficar o tempo que quiser. Eu fico aliviado, fico feliz por vocês duas… Melhor, por nós três. Será que… Será que eu posso te dar um abraço?

Olívia morde o lábio e, aos poucos, abre o braço, como se estivesse, assim, representando também a abertura às novas mulheres que aceitara conhecer.

No dia seguinte

Chica e Olívia embarcam no avião. Isaura se despede, feliz pela sobrinha. Durante o trajeto aéreo, Chica pode enfim conversar com Olívia. Com o tempo, Olívia sente sono, e acaba dormindo no colo da “nova” avó.

Cena 09. Ipanema. Hospital Santa Maria – Recepção – Tarde

Rejane levanta as mãos ao alto, assim que vê a mãe de Ângela e Olívia: Graças à Deus, dona Chica, assim que você me ligou eu vim correndo aqui à recepção. A Ângela tava desolada, pensou que você não viesse.

Chica, alegre: Mas vim! Vim e trouxe comigo a… Me deixa fazer as apresentações! Essa é Olívia, a menina de quem eu falava – e a abraça – Minha neta! E Olívia, essa é a Rejane, trabalha pra Ângela, é muito amiga da família, convive com a gente há muito tempo, desde antes mesmo de você nascer.

Olívia, um pouco sem graça: Prazer… Mas… E a Ângela? Confesso que eu tô ansiosa pra finalmente conhecer ela.

Rejane: Eu levo vocês até lá. Aliás, dona Chica, você não vai acreditar se eu te contar onde é que ela tá!

Na capela do hospital

Ângela é a única dentro da pequena capela. Está ajoelhada perto do altar. Rejane, assim como Chica e Olívia, estão à porta do santuário. Chica aponta a filha para a neta e, quando está vai, cochicha no ouvido de Rejane.

Olívia toca no ombro de Ângela, para chamá-la: Desculpa… Eu não queria atrapalhar, mas…

Ângela, impressionada: Eu não acredito! Eu não acredito… É você a menina que a Rejane disse que vinha? É você a…

Olívia se ajoelha também: Sua filha… Olívia, me chamo Olívia, mas já sei o seu nome. Sua mãe, ela me contou algumas coisas sobre você e… Não sei, eu não sei o que falar, é tão estranho encontrar a pessoa que te gerou pela primeira vez, depois de tanto tempo…

Ângela, genuinamente, a abraça: Minha filha – e ri – Se é que eu posso te chamar assim… Mas, você não precisa falar nada. Eu não tenho direito de te cobrar nada, também não quero impor nada, só queria fazer uma promessa, eu… Eu não sabia que minha mãe viajou a sua procura, soube ainda hoje que você vinha, mas… Eu também tô à procura dessa mãe, dessa mãe que eu acabei não sendo, mas que tô disposta a me tornar – e desfazem o abraço. Ficam em silêncio, por certo tempo, analisando uma a outra, talvez buscando suas semelhanças. Ângela volta a falar – Eu imagino que você tenha um milhão de perguntas e, desculpa, mas eu provavelmente não vou ter todas essas respostas/…

Olívia a interrompe: Não importa. Eu posso descobrir elas junto com você… Mãe.

Estão todas sensibilizadas. Ângela, Olívia, mas Chica e Rejane, também. Até que Nuno aparece, e faz um sinal a sua paciente.

Cena 10, Ipanema. Hospital Santa Maria – Centro Cirúrgico – Tarde

Ângela já está trajada com a camisola para a cirurgia. Numa maca, ele é acompanhada por um enfermeiro até a sala onde realizará a operação no útero, e também por Chica, Rejane e Olívia, que se despedem de Ângela ainda no corredor, unidas por um abraço.

Na sala da cirurgia, Ângela já não se assusta com o número de médicos. É logo anestesiada, mas é como se não precisasse: ela apenas pensa no abraço e reencontro com a filha, Olívia, como se o tivesse sentindo novamente.

Fim.

 

João de Oliveira

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16 thoughts on “Episódio 01- Amor Com Amor Se Paga (Avareza).

  • C**ralho…
    Eu estou impressionado com o que eu li. Uma historia linda, sutil e delicada. Uma escrita impressionante.
    Parabéns de verdade.

  • Que história incrível, João! Adorei do começo ao fim, um episódio bastante emocionante… deixou um grande gosto de quero mais.
    A sua escrita também foi algo espetacular, pois consegui sentir a emoção depositada aos diálogos das personagens.
    Continue sempre assim, ou continue melhorando cada vez mais!
    Parabéns!!!

    • Muito feliz que tenha se emocionado, Rodrigo, a comoção era meu foco. Agradeço a leitura sensível aos diálogos, me preocupo muito com eles. Sobre melhorar, meu maior objetivo! Obrigado pelo comentário.

  • João Santos

    Parabéns João! Eu gostei muito do episódio escrito por você. Amei a cena do abraço entre avó e neta mesmo que não a tenha visto! Enfim, gostei de tudo mesmo! O episódio foi impecável! 👏👏

  • Um ótimo episodio e uma ótima história, João, parabéns. É uma história cativante e que nos prende pude sentir a cada cena o que a personagem estava vivendo, o clima leve do enredo nos da um conforto muito legal. Parabéns amigo! Arrasou! 😉

    • Que bom que gostou do enredo, Wagner. Agradeço pelo comentário e, sobretudo, pelos elogios. Fico muito contente que, ainda que mais branda e leve, a narrativa não tenha se tornado desinteressante. Obrigado, até seu episódio, amanhã!

  • Parabéns pelo episódio, João, tem toques sutis e é agradável de se ler. Cenas lindas e bem escritas, seu modo de nos mostrar a história é único. Gostei do final meio que aberto pois nos permite imaginar e refletir bastante!! Ângela é uma personagem humana, densa, sofrida, arrependida…Que belíssima construção.
    E hoje, as 20h30, tem o segundo episódio de Sete Pecados, “Consequências de Um Vício”. Espero que os leitores gostem também, esse é só o começo 😀

    • Muito obrigado, Victor, tento sempre usar essas ferramentas que citou, nesse caso a favor da redenção de Ângela. Contente que ela tenha conquistado a compaixão de todos! Obrigado também pelo comentário e, claro, o convite para o escrever o episódio, foi mesmo tudo muito feliz. Não deixarei de acompanhar os demais episódios, ansioso por eles!

  • Bem, posso dizer que foi uma história fascinante e que nos faz refletir bastante sobre nossa vida. Ângela que sempre se dedicou exclusivamente às coisas materiais, deixando sua felicidade em segundo plano, no momento mais crítico de sua vida viu a chance de consertar tudo. O reencontro entre mãe e filha foi lindo. Meus parabéns!

    • Feliz que tenha causado tal reflexão, Léo! Como Ângela, podemos também ter nossa segunda chance, mas importante contar com alguém como Chica para ela.
      Agradeço a leitura e o comentário, Léo, até a próxima.

  • João, toda a história foi apresentada com uma sensibilidade incrível. O texto se demonstrou muito bem escrito e roteirizado. Posso destacar aqui que a gente faz uma leitura imaginando as cenas, as expressões e ações dos personagens mesmo que você não tenha utilizado uma narrativa bem pesada. Ao mesmo tempo em que emociona, seu texto é leve e permite um acompanhamento sem cansaço – o que permite também que o leitor possa se transportar às cenas e ficar cativado por seus personagens, principalmente a Ângela. Você conseguiu uma grande façanha escrevendo uma história tão densa e em poucas linhas, isso sem deixar de ser coeso e coerente em todos os sentidos do texto: emoção, continuidade, personagens.
    E o final é algo que merece todo o respeito. Apesar a cena de reencontro de Ângela com a filha ser um pouco clichê, você conseguiu ter um domínio de texto que não o tornasse tão irritante. E os momentos finais foram espetaculares. Não precisou (e não precisa) de mais nada para dizer que foi uma grande história.

    Parabéns por esta construção e também ao Victor por esta iniciativa. 🙂

    • Muito contente que tenha gostado, Domingos, e ainda mais com sua análise. Realmente optei por uma narrativa leve, já que além de preferir histórias assim, não são tão cansativas quando lidas. Agradeço e fico muito feliz com o que disse.
      Devemos muito a Victor pela proposta e dedicação ao projeto, que, sem ele, não teria sido o mesmo.
      Mais uma vez, obrigado!

  • Que historia linda João, Ângela em meio a uma vida conturbada com negócios havia perdido tudo até mesmo sua saúde, embora na verdade isso jamais tivesse acontecido afinal o segredo de Chica escondia uma nova chance para Ângela, uma oportunidade de viver a vida através de um novo sentimento que era ser mãe. Mas o final é melancólico e intrigante, o que aconteceu com Ângela e a cirurgia? :l

    • Que bom que gostou, Vinicius! O segredo escondido por Chica e Ângela durante tanto tempo de fato pôde livrar nossa protagonista de uma perda total.
      Sobre o final, acredito que tenha sido feliz; não pelo que vem depois da cirurgia, mas pelos momentos de Ângela antes dela.
      Muito obrigado, mesmo, por ler e comentar! Nos reencontramos no seu episódio!

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