O Último Ano

Capítulo 9 – O Último Ano

O ÚLTIMO ANO

O PLANO.

“Eu seria capaz de tudo para falar com Diego naquele dia. Sentia uma enorme saudade. Queria se possível ouvir a voz dele, alguma notícia ou ,ao menos, uma espécie de sinal de vida. Saber se ele estava bem. Enquanto eu esperava notícia de Eduarda, eu acabei por dormir… Não costumo dormir à tarde… Mas naquele dia excepcionalmente acabei por cochilar enquanto vigiava o celular esperando algum sinal… Foi nesse meio tempo que um sonho terrível povoou minha mente…”.

(Trecho do diário de Elvis Braga)

Elvis mais tarde saberia que aquilo era um sonho. Mas naquele momento não. Ele se via como se mergulhado em algo gelatinoso, mas límpido. Seus movimentos eram lentos por mais que fizesse esforço para agilizar sua saída dali. Parecia o fundo de uma piscina, mas bem muito mais profundo. De repente ele vê que Diego está do seu lado. O coração já batia forte, preocupado e com medo. Mas quando viu o sorriso de Diego de seu lado, logo o coração se acalmou. Ele tentou falar com Diego. Queria saber onde estavam e o que estava acontecendo. Mas palavra nenhuma saía de sua boca. Instantaneamente a feição de Diego mudou e um traço de pânico riscou o rosto do rapaz. Então gradativamente os dois foram se afastando involuntariamente um do outro. Ambos tentavam nadar naquele ambiente à procura de se aproximarem, mas quanto mais faziam isso, mais se afastavam… Então Diego sumiu no fundo azul. Elvis estava amedrontado. Mas de repente ele sentiu a presença de outras pessoas. Olhou para seu lado e havia um grupo de pessoas olhando caridosamente para ele….

O celular vibrou e Elvis acordou de súbito. Atordoado olhou para o visor e viu o nome de Eduarda na tela. Rapidamente ele atendeu.

EDUARDA: Amigo é a casa 27 né?

ELVIS: Sim. Tem um muro verde com trepadeiras e um portão preto.

EDUARDA: Então eu cheguei.

ELVIS: Ok, toque a campainha e faça tudo conforme nós combinamos.

EDUARDA: Certo.

Os dois encerram a ligação. Eduarda respirou fundo e tocou a campainha. Segundos depois uma voz forte no interfone ressoou estridente. Era Luciana.

LUCIANA: Quem é?

EDUARDA: Oi, é aqui é uma amiga de Diego. A gente marcou de fazer um trabalho da escola hoje, mas ele não apareceu. Então eu vim repassar o material para ele.

LUCIANA: Não vai precisar não minha filha.

EDUARDA: Mas é importante. Vale a nota do bimestre.

LUCIANA: O Diego não vai mais estudar nessa escola.

EDUARDA: Sério?

LUCIANA: Sim, o Diego vai embora para Suíça.

EDUARDA: Eu posso ver ele?

LUCIANA: Infelizmente não. Boa tarde.

Eduarda ficou surpresa com a forma grosseira que a mulher lhe tratou. Só não considerou uma perca de tempo porque agora ela estava de posse de uma informação valiosa.  Ao se preparar para sair, o portão deslizou. Um senhor calmo apareceu na frecha.

IVALDO: Minha filha venha cá.

Eduarda parou inerte. O velho se aproximou.

IVALDO: Como você se chama?

EDUARDA: Eduarda…

IVALDO: Diego não é um bom aluno. Ninguém nunca veio deixar nenhum trabalho de escola para ele. Eu sei que o motivo de você vir aqui não é esse!

EDUARDA: Sabe?

IVALDO: Sim, sei. Pelas rugas que você vê em meu rosto deve perceber que não nasci ontem. Você deve estar querendo falar com o Diego por um motivo superior. Certo?

EDUARDA: Tio na verdade sim. Sinceramente eu nem gosto do Diego. Só estou aqui porque um amigo dele me mandou entregar um recado. Na verdade esse amigo quer falar com ele.

IVALDO: Você quer dizer, o namorado dele né?

EDUARDA: Então…Quem é o senhor mesmo?

IVALDO: Me chame de Ivaldo. Sou avô dele.

EDUARDA: Ah legal… O senhor já deve tá sabendo né? Afinal o babadinho aconteceu aqui. O namorado dele precisa falar urgentemente com ele.

IVALDO: Mas infelizmente a minha filha não vai permitir que ninguém fale com ele.

EDUARDA: Droga!

IVALDO: Mas eu posso ajudar.

EDUARDA: Sério?

IVALDO: Onde esse garoto mora?

Eduarda deu o endereço para Ivaldo. E em seguida o senhor despediu Eduarda. Imediatamente ela ligou para Elvis. Ele atendeu.

ELVIS: Duda?

EDUARDA: Babado! Amigo nem pude entrar na casa. Uma mulher, eu acho que era a mãe dele, não me deixou entrar. Mas ela liberou uma informação.

ELVIS: Que informação?

EDUARDA: O Diego vai embora para a Suíça!

ELVIS: O que?!

EDUARDA: Isso mesmo. Ele nem vai mais para a escola. Não vai mais estudar lá por conta disso.

ELVIS: Preciso muito falar com ele amiga. Agora mais que nunca!

EDUARDA: Mas tem outra coisa…

ELVIS: Fala logo!

EDUARDA: Apareceu um velhinho bacana e disse que vai ajudar. Era o avô dele. Ele pediu o endereço da sua casa.

ELVIS: E você deu?!

EDUARDA: Sim.

ELVIS: Você tá louca amiga? E se for um plano da mãe dele, sei lá!

EDUARDA: Acho que não amigo. Ele pareceu muito legal. E é como se estivesse do lado de Diego nessa história.

ELVIS: Será?

EDUARDA: Não sei. É só esperar agora. Acho que ele vai levar Diego aí na sua casa.

 

 

Na casa de Diego… Ivaldo entra pela porta da cozinha chamando Diego.

IVALDO: Diego!

Diego aparece.

DIEGO: Oi vovô!

IVALDO: Se vista. Iremos dar uma volta.

Luciana surge quase que farejando.

LUCIANA: Para onde vocês vão?

IVALDO: Diego vai dar uma volta comigo na praia. Não pode?

LUCIANA: E porque não vamos todos juntos?

IVALDO: Eu quero conversar com Diego a sós. Precisamos ter uma conversa de homem para homem.

LUCIANA: Como se a essa altura do campeonato fosse servir de alguma coisa. Mas podem ir. Espero que essa conversa dê em algum resultado.

Luciana sai da presença deles. Ivaldo acompanha Diego até o quarto.

IVALDO: Uma garota esteve aqui agora pouco. Disse que esse garoto, o seu namorado, quer falar com você urgentemente. Vou levar você lá. E fique de bico calado. Que sua mãe nem sonhe com isso!

Diego nem consegue falar nada. Apenas corre para se vestir.

IVALDO: Ah e procure não ficar muito alegrinho para sua mãe não desconfiar de nada!

DIEGO: Obrigado vovô!

Praticamente um minuto depois os dois já estavam prontos e saindo de casa. Diego estava com um sorriso imenso.

 

A essas alturas Elvis estava tenso. A todo instante olhava pela janela da varanda à espera de ver Diego… Em uma dessas “olhadas”, um carro se aproximou da guarita. Um senhor baixou o vidro do veículo e se inclinou para fora conversando com o porteiro. Parecia pedir informação. Um instante depois o telefone do apartamento toca. Elvis correu para atender…

ELVIS: Alô?

PORTEIRO: Aqui é da portaria.

ELVIS: Sim…

PORTEIRO: Tem um senhor aqui que deseja entrar para vê-lo… Como vocês não deixaram nenhum aviso aqui na portaria estou ligando para saber se está esperando alguém?

ELVIS: Como se chama esse senhor?

Elvis ouve o porteiro perguntar para o senhor como ele se chamava. Mas o senhor responde outra coisa.

PORTEIRO: Ele disse que está trazendo o senhor Diego Costa para vê-lo.

O coração de Elvis disparou a mil por hora.

ELVIS: Deixe que entrem, por gentileza.

Elvis não podia esperar que eles subissem. Por isso desceu o apartamento até a entrada do prédio. Quando avistou o carro parando uma onda de alegria lhe invadiu. Diego desceu do carro e imediatamente correu. Os dois correram em direção ao outro como se um imã o atraísse… E o abraço mais forte de suas vidas aconteceu. Um abraço forte. Sincero. De amor. De saudades.

ELVIS: Eu ia morrer de saudades!

DIEGO: Elvis mil desculpas por ter te metido nessa. Me perdoa.

Elvis não conteve as lágrimas.

ELVIS: Ninguém teve culpa.

DIEGO: Sim, eu tive culpa. Eu deveria ter…

ELVIS: Não Diego. Não teve culpa nenhuma…

Elvis então calou Diego com um beijo. Mesmo debaixo dos olhares de algumas pessoas que passavam pelo local. Não houve medo. Não houve preocupação. Não houve nada senão amor.

Ivaldo saiu do carro e Diego fez as devidas apresentações.

ELVIS: Vamos subir para o apartamento?

IVALDO: Vocês podem subir. Devem ter muito a conversar. Tenho um velho amigo que trabalha aqui perto em um quiosque na praia que há tempos não o vejo. Irei visitar ele. Enquanto isso vocês podem conversar. Em uma hora venho buscar você Diego, sua mãe não pode nem desconfiar.

ELVIS: Porque o senhor está fazendo isso por nós dois?

Ivaldo lançou um olhar longo para o alto e suspirou abstraído em lembranças. As maçãs do rosto enrugadas tremeram e o que falou em seguida estava atravessado de emoção.

IVALDO: Eu tive um amigo no passado. Ele era assim como vocês… Ele que gostava de homens. Isso há muito tempo, quando até parecia ser crime. Ele era um grande amigo. Para ser sincero, o melhor amigo que já tive. Antes de vocês sequer sonharem em nascer. E aquela época era tudo mais complicado. Um tempo realmente ruim. Apenas eu sabia que Haroldo gostava de meninos. E Haroldo viveu e morreu sem poder ser feliz ao lado de quem ele amava. Eu não pude fazer muita coisa por ele naquele tempo… Por isso quero fazer por vocês. E de algum lugar, do imenso mistério do além, Haroldo, o meu melhor amigo, deve estar contente comigo.

E Ivaldo entrou no quarto sob o silencio pensativo dos dois jovens. O velho estava imensamente emocionado.

 

No quarto de Elvis os dois conversavam. Haviam matado a saudade um do outro, mas depois a conversa entrou em um tom sério…

ELVIS: Sua mãe vai levar você embora não é?

DIEGO: Ela que vá pensando nisso. Eu não vou embora daqui.

ELVIS: Mas você já me falou que ela comprou as passagens…

DIEGO: Perca de tempo e dinheiro dela. Quero ver quem vai me obrigar a ir embora.

ELVIS: Você vai bater de frente com sua mãe? Acho que isso vai dar em problema Diego.

DIEGO: Elvis eu vou fugir.

ELVIS: Como é que é?

DIEGO: É isso mesmo. Eu estava pensando nisso desde ontem.

ELVIS: E você vai fugir para onde?

DIEGO: Eu estou vendo isso ainda. Mas eu não vou para Suíça!

ELVIS: Cara isso não vai dar certo. Pelo que percebi sua mãe é fogo. Já pensou na confusão que isso vai causar?

DIEGO: Mas Elvis é a única maneira.

ELVIS: Fora que ela vai pensar que eu estou metido nisso!

DIEGO: Tá, então você quer que eu vá realmente embora com ela? Se é isso que você quer Elvis eu vou. Pronto.

ELVIS: Calma Diego. Não era essa impressão que eu queria te passar. Eu apenas tenho medo do que isso pode causar.

DIEGO: Elvis eu te amo e preciso fazer alguma coisa. Não posso ficar parado enquanto isso.

Elvis respirou fundo. Baixou a cabeça e depois olhou profundamente para Diego.

ELVIS: Ok amor. Eu vou ajudar você nisso.

DIEGO: Você está falando sério?

ELVIS: Muito sério. Eu não vou te perder assim. Hoje eu tive um sonho muito estranho…

DIEGO: E…?

ELVIS: No sonho a gente estava se distanciando. Na verdade, sendo separado involuntariamente. Eu vi você indo para longe até sumir…

DIEGO: Estranho… Acha que isso tem haver com o que está acontecendo?

ELVIS: Talvez.

Diego segura as mãos de Elvis e lhe diz firmemente.

DIEGO: Nada vai separar nós dois cara. Nada. Tá ouvindo?

ELVIS: Nada. Absolutamente nada.

Alguns minutos depois, o telefone do apartamento tocou. Elvis atendeu a chamada. Era da portaria. Senhor Ivaldo estava esperando Diego lá embaixo. Diego e Elvis já haviam combinado tudo a respeito dessa fuga. Tudo aconteceria no aeroporto. Despediram-se com um forte abraço e um longo beijo. Estavam apreensivos para o dia seguinte. Era o grande dia. Seria tudo ou nada. Assim que Diego partiu, Elvis voltou para o quarto e continuava a escrever a história deles em um diário. No último mês havia sido assim. A cada acontecimento no namoro Elvis registrava nesse diário. E apesar do pouco tempo o caderno já estava bem volumoso.

 

 

Na casa de Diego… Ivaldo acabara de chegar em casa com Diego, que esteve pensativo durante toda a viagem. Ele pensou em contar o plano para o avô, mas resolveu ficar calado.

LUCIANA: Esse passeio demorou né?

IVALDO: Demorou o tempo que foi necessário.

DIEGO: Não perde tempo respondendo ela vô!

LUCIANA: Olha o respeito moleque! Eu sou tua mãe.

DIEGO: Só biologicamente. Que fique claro!

Diego caminha para o quarto sob os insultos de Luciana. Do quarto ele a escuta falando da viagem para seus avós. E para sua surpresa já havia uma mala cheia de roupas no canto de seu quarto. Diego sentiu a garganta dar um nó. Quis chorar, mas engoliu o choro. Afinal ele já tinha um plano de fuga. Agora era só questão de tempo. Deitando na cama ligou o aparelho de som onde um pendrive já estava conectado. Então o quarto foi invadido com as musicas de Clarice Falcão.

 

 

Elvis estava pendurado no telefone com Eduarda. Contou-lhe as últimas informações , inclusive…

EDUARDA: Fugir?!

ELVIS: Isso mesmo.

EDUARDA: Ele é louco? E se a mãe dele colocar a polícia atrás?

ELVIS: Se? É Claro que ela vai. Mas pelo menos a viagem será cancelada até surgir alternativa.

EDUARDA: Como isso vai acontecer?

ELVIS: Diego vai pedir para usar o banheiro no aeroporto. Mas nessa hora ele vai sair as escondidas e eu estarei com um taxista esperando ele do lado de fora. Primeiramente ele vai para a casa do João Pedro. Depois ele vai arranjar outro esconderijo.

EDUARDA: Vocês não tem medo disso dar errado?

ELVIS: O que pode dar errado?

EDUARDA: Ah não sei. Fico preocupada.

ELVIS: Vai dar tudo certo boba. Eu já estou aqui arrumando uma mochila com algumas roupas já que ele vai sair do aeroporto sem mala alguma. Não estou preocupado, somente nervoso.

EDUARDA: Amigo, boa sorte. Qualquer coisa me liga.

ELVIS: Ok. Agora preciso dormir. Só mais uma coisa Duda.

EDUARDA: Fala.

ELVIS: Obrigado por tudo que você fez. Obrigado pela tua amizade.

EDUARDA: Nem precisa agradecer. Eu queria te dizer uma coisa, mas tenho medo.

ELVIS: Fala.

EDUARDA: Eu te amo amigo.

ELVIS: Eu te amo também. Olha, mas é bom que Diego não saiba disso viu?

EDUARDA: Bobo. Boa noite.

ELVIS: Boa noite magricela!

Diego e Elvis, cada um em sua casa, tentavam dormir. Mas nenhum dos dois conseguiu sequer cochilar. E os viram o dia amanhecer. E o dia chegou. A hora chegou. Agora ou nunca.

 

“Eu não sei bem como traduzir em palavras o que sinto. Me parece ir além da ansiedade. Embora eu saiba que irei encontrar Diego, mas o que sinto me parece uma ausência, saudade, sei lá… Noite estranha. Mas o que me interessa é o dia.”

(Essa é a penúltima página do diário de Elvis Braga)

 

 

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