A Ilha

Capítulo 8 – A Ilha

Tentei não ficar pensando demais no Richard. Não queria deixar que nada tirasse o meu foco em achar a Lila. Mas cada vez que olhava para ele… Que tipo de mistério o Richard esconde?
Minha perna ainda doía, mas já estava bem melhor. Assim que consegui ficar de pé não quis esperar nenhum segundo para seguir em frente. Não sabia exatamente para onde estávamos indo, só sabia que precisávamos continuar.  Mas algo começou a me incomodar.
– Richard? – parei um pouco – Você também está com essa sensação?
– Que sensação? – ele franziu a sobrancelha.
– Essa sensação de estarmos caminhando, caminhando e não sairmos do lugar.
– Acho que não. – ele respondeu sem muito entusiasmo – Deve ser impressão sua.
– Não sei não. – continuei a caminhada – Esse lugar é muito estranho. E essa sensação de não estar indo para lugar nenhum…
– De fato tudo aqui está ficando muito parecido. – Richard começou a observar em volta.
– Acha que estamos perdidos? – perguntei.
– Espero que não. – Richard continuava analisando o local – Já se passaram quantas horas desde que entramos neste lugar? Duas?
– Você acha mesmo que estou contando? – gritei sem motivo. Estava nervosa com a situação. Mas acho que Richard já estava se acostumando com esse meu jeito.
– É melhor seguirmos em frente e ficarmos atentos.
– Já que não temos muito que fazer. – tive que concordar.
Continuamos a caminhada. Desta vez fiquei mais atenta. Tentei reparar em cada detalhe, mas estava difícil. Depois que saímos do “rio de sangue” seguimos por um tipo de deserto, porém ao invés de ter areia para todo o lado, era um matagal que nos cercava. Um matagal de folhas secas. Já estava tendo certeza que estávamos andando em círculos quando Richard me parou.
– Susi? – ele parecia feliz – A sua sensação de estarmos perdidos ainda existe.
– Sim. – respondi tentando achar o caminho que havíamos trilhado.
– Bem – Richard parou – Acho que essa sensação vai acabar agora.
Definitivamente eu já não estava entendendo mais nada. O que eu estava vendo não fazia sentido algum.
– Mas que lugar é esse? – perguntei para mim mesma.
– Não sei, só sei que é lindo! – Richard estava admirado.
– Mas como? – ainda estava sem entender – Como não vimos isso antes? Um lugar assim era para ser percebido de longe.
– E olhe para trás! – agora Richard parecia um pouco assustado.
Já não víamos mais nada do que havia ficado para trás. Estávamos totalmente dentro da nova paisagem e isso era apavorante.
Apesar de tudo esta parte da ilha era mais bonita que as anteriores. Mais bonita até que a parte onde morávamos. Era um local repleto de árvores de todo tipo. Elas estavam cobertas pela vegetação e em algumas delas nasciam flores coloridas. Existia também um caminho de pedra que parecia ter sido feito a mão. E um belo riacho, sem nenhuma anormalidade aparente. Até o céu parecia mais azul nesta parte da ilha. E soprava um vento tão gostoso e que me fez sentir tão bem. Podíamos ouvir sons de aves e da água batendo nas pedras. Se fechasse os olhos e me concentrasse apenas nos sons poderia até relaxar e esquecer de tudo.
– Será que dá pra beber? – Richard se aproximou do riacho.
– Você está maluco? – quase dei um salto – Olha como esse lugar apareceu para nós. Tem alguma coisa muito errada nisso aqui.
– Mas estou morrendo de sede! – Richard realmente parecia com sede. E eu também.
– Não sei se teria coragem. – falei com a boca rachando de sede.
– Pode ser um oásis! – Richard tentava me convencer.
– Pela forma como isso surgiu e mais fácil ser uma miragem.
– Se você não quer, eu não posso fazer nada! – Richard se agachou para pegar água.
Antes mesmo que Richard pudesse tocar na água uma flecha caiu bem no meio de suas pernas. Richard tombou para trás assustado e conferindo se estava inteiro. Poderia ter rido da situação se não estivesse tão apavorada.
– Não faça isso! – uma voz masculina surgiu do meio da mata – A não ser que esteja querendo ser comido de dentro para fora.
– Quem está aí? – perguntei.
Richard ainda estava apavorado com a flechada que quase levou. Não sei se notou a voz, mas eu estava detestando cada vez mais tudo o que estava acontecendo desde que amanheceu o dia.
– Seja quem for, apareça! – tentava não demonstrar medo. Estava difícil.
– Não se preocupe! – percebi que a voz vinha do alto – Não vou lhes fazer nenhum mal.
– Quem me garante isso? – tudo o que vivi já me dava o direito de duvidar.
– Terão que confiar em mim! – a voz agora estava mais próxima.
No mesmo instante ouvi o som de algo caindo das árvores e a nítida sensação de que alguém estava atrás de mim. Com muita coragem me virei e levei um susto grande o suficiente para me fazer cair no chão.
A julgar pelo timbre da voz e pelos fortes braços, eu estava diante de um homem. Não pude ter a total certeza devido à máscara que ele usava, cobrindo seu corpo da cintura para cima por inteiro. Era uma máscara apavorante, não só pelo tamanho.
Feita de madeira, a máscara tinha vários desenhos esculpidos. Na testa podíamos notar uma pessoa tocando uma flauta ou qualquer coisa do tipo e uma serpente sendo hipnotizada. Do lado esquerdo havia um sol, enquanto do lado direito havia um lagarto verde cujo rabo contornava o olho e a cabeça tomava quase todo o queixo. Dos lados havia um par de brincos que se apoiavam nos ombros. Provavelmente o local escolhido para amarra a máscara ao corpo e deixar os braços livres. Reparando melhor notei dois buracos próximos ao que seria o nariz, de onde podia se enxergar – bem escondido – os olhos da pessoa mascarada. Olhos selvagens, de um verde exuberante.
Da parte de baixo da cintura não havia muito que falar além de que o sujeito usava uma tanga que ia até o joelho. Nos pés havia um tipo de tornozeleira feita de folhas e círculos brancos pintados em todos os dedos.
– Quem é você? – Richard finalmente notou a presença do ser mascarado.
– Que forma estranha de agradecer quem acaba de lhe salvar a vida! – ele parecia estar sendo sarcástico. Mas não tinha certeza.
– Do que está falando? – Richard estava ficando irritado.
– Deixe-me demonstrar! – o mascarado seguiu em direção ao riacho, arrancou um fruto estranho, parecido com um abacaxi sem espinhos, e molhou parte dele na água.
– E daí? – Richard perguntou – Não aconteceu nada.
– Tem certeza? – senti que o mascarado havia dado um leve sorriso. Ou pelo menos achei ter ouvido isso.
O ser mascarado retirou um punhal de sua grande máscara e cortou o fruto ao meio. Nos aproximamos para ver o que estava acontecendo e ficamos sem ação. Pequenas gotículas de água se movimentando dentro do fruto, que aos poucos estava desaparecendo.
– Que merda é essa? – Richard se afastou uns três passos.
– São aquoraes! – o mascarado falava de uma forma como se tudo aquilo fosse muito natural para ele.
– E o que são esses aquaraes? – perguntei.
– Quo! – o mascarado me corrigiu – Aquoraes! São seres carnívoros que se aproveitam de sua aparência semelhante à água para se alimentar. Geralmente suas presas são animais que acabam se perdendo do seu caminho natural. Já vi muitos morrerem assim, mas nunca pensei que encontraria humanos por aqui.
– Como assim humanos? – me assustei – Você não é humano?
– Até que provem o contrario, sou tão humano quanto vocês! – esse mascarado parecia ter bom humor – Agora me contem o que estavam fazendo aqui?
– Espere! – Richard interrompeu – Antes me responda quem é você?
Assim que Richard terminou de falar o mascarado deu um salto incrivelmente alto. Quase não pude notar devido à velocidade. Quando olhei de volta ele já estava nos galhos de uma árvore.
– Vocês são os estranhos aqui! – o mascarado ficou pendurado de cabeça para baixo bem ao meu lado, quase me matando de susto – Eu faço as perguntas!
Por sorte tinha mais pano enrolado naquela tanga do que imaginei. Tudo o que deveria estar coberto estava coberto.
– Olha aqui nós já passamos por muitas coisas… – Richard tentou falar, mas foi interrompido.
– O que é isso? – o mascarado analisava a minha perna arrancando o pedaço de pano que Richard tinha amarrado – Vocês passaram pelo Rio Rubro? Isso é péssimo! Quanto tempo?
– Que diferença isso faz? – Richard estava ficando nervoso. Ou melhor, mais nervoso.
– Toda! – o mascarado desceu da árvore – Se passar doze horas sem esse ferimento ser tratado você pode perder sua perna!
– O que? – gritei – Era só o que me faltava!
– Vamos! – o mascarado mais uma vez me assustou me tomando no colo.
– Espere! – Richard o segurou pelo ombro – Vamos pra onde?
– Para a minha casa! – o mascarado respondeu um pouco apressado – Tenho exatamente o que ela precisa. E não vou hesitar em dar a ela.
– Do que você está falando? – perguntei assustada.
– O remédio! – ele continuava a falar em um tom acelerado. Só então notei que seus pés ainda estavam fazendo o movimento de corrida – Agora vamos que o tempo está correndo! Ou você quer amputar sua perna?
– Não sei se devo confiar em você! – estava com medo.
– Pode confiar! – o mascarado respondeu mais firme desta vez.
Neste momento seus olhos me encaravam de uma forma que me fez querer confiar. Era um jeito diferente. Um olhar forte, mas doce. Estava ficando confusa. Tudo começou a se apagar. A escuridão tomou conta e tudo o que eu conseguia enxergar eram os olhos verdes do mascarado e a sua voz dizendo:
– Savite! Meu nome é Savite!

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