Cantiga de Amor

Capítulo 54 – Cantiga de Amor (Último Capítulo) – Parte III

Um ano depois…

Cena 18: Beira do Rio dos Campos. Manhã.

Agnella chegou à beira do rio, com um balde e uma bolsa com moedas. Dessa vez, está a pé. Ela enche o balde de água, e, como tem sido seu costume diário, volta para olhar a nova planta, que já não está mais pequena. Dessa vez, algo chama a sua atenção.

Agnella – (Sorri) Uma flor… Tão pequenina, tão delicada… (“Fala” com a planta) Você já está florescendo, menina… Você já está florescendo… E está querendo me dar um sinal, não é? Se você já está pronta para gerar frutos… Então deve ser a hora de eu ir em busca de meu amor.

Cena 19: Povoado das Hortaliças. Noite.

Agnella foi até o quarto da mãe, que estava deitada sobre sua nova cama.

Prudência – Veio me dar boa noite, filha?

Agnella – Sim, mãe. E eu vim também dizer que… Que eu já estou preparada.

Prudência – Como assim? Preparada para o quê?

Agnella – Para ser feliz, minha mãe. Para ser feliz.

Agnella abraça a mãe, que retribui-lhe com um beijo.

Prudência – Boa noite, querida. Que Deus lhe proteja e lhe abençoe.

Agnella – Boa noite. E obrigada. Eu precisarei de sua bênção.

Agnella sai e vai até o seu quarto, sentando-se sobre sua própria cama. Quando julga não ouvir mais nenhum barulho, ela pega uma trouxa que estava escondida embaixo da cama, e sai do quarto. Silenciosamente, atravessa a casa, e passa pela porta de entrada. Olha para trás, enquanto lágrimas descem de seus olhos.

Agnella – (Sussurrando) Adeus, minha mãe. Adeus, meu pai. Mais uma vez, eu deixo suas asas para buscar minha história… E dessa vez eu espero ser para sempre.

Cena 20: Dia seguinte. Estrada. Final da tarde.

Agnella está andando em uma estrada que aparenta ser deserta. Parece estar fraca, mas continua caminhando.

Agnella – (Ofegante e cansada) Eu não desistirei. Eu não desistirei… Eu só preciso… De alguém que me ajude… Que me dê abrigo… Água… Comida… Mas onde eu encontrarei?

Ela segue andando. Então, avista uma grande casa.

Agnella – Graças a Deus! Só pode… Ter sido uma providência… Divina.

Agnella chega à casa, bate na porta. Uma mulher abre.

Agnella – Senhora, por favor… A senhora pode me ajudar?… Eu preciso de água… De pão… De abrigo…

Donana – Queres um abrigo, moça? Vem, podes entrar.

Ela puxa Agnella para o interior da casa. Chegam a uma espécie de sala, que é ocupada no momento por mulheres, todas vestidas de modo simples, mas bonito.

Donana – Tu não precisas te incomodar. Todas essas meninas são assim como tu. Precisam de uma ajuda, de um acolhimento, de alguém que lhes ofereça um lar, que lhes ofereça comida e bebida… Tu chegaste ao lugar certo.

Agnella – Eu nem sei como posso agradecer à senhora.

Donana – Senhora não! Trata-me por tu. Eu serei tua amiga. E tu encontrarás aqui grandes amigas.

Agnella – Eu não vejo a hora de poder descansar… Amanhã precisarei retomar minha caminhada. Não sei bem qual caminho tomar para chegar aonde quero, mas descobrirei aos poucos.

Donana – Ah, não, que é isso… Podes ficar despreocupada. Aqui, tu terás uma ótima vida. Conhecerás pessoas muito boas e muito generosas. (Sussurra em seu ouvido) E muito ricas. (Volta ao tom normal.) Verás como vale a pena ficar aqui. Tu podes perguntar a qualquer uma das meninas que moram aqui conosco. Elas devem ter histórias semelhantes à tua, seja qual for a tua biografia, mas nenhuma se arrependeu de ter optado por viver aqui. Tu irás descobrir, menina, como a vida aqui, mesmo que às vezes seja um pouco sofrida, é uma vida de satisfações. Agora, vem, há um quarto que estava apenas à tua espera.

Cena 21: Casa na estrada. Quarto de Agnella. Noite.

Agnella está deitada na cama.

Agnella – Eu não sei que lugar é esse, Gustavo… Mas que valor tem isso? Amanhã eu partirei ao teu encontro, meu amor. Nem que seja apenas para rever-te por um dia…

Anos depois…

Cena 22: Campania. Feudo de Gustavo. Casa de Gustavo. Quarto de Gustavo. Manhã.

Gustavo acorda. Ao abrir os olhos, a primeira coisa que vê é o rosto de uma mulher, jovem, que está ao seu lado, já acordada.

Gustavo – Me pregando um susto a essa hora da manhã, Estela?

Estela – Desculpe-me, meu pai, se eu o incomodei. Eu trouxe comida para o senhor, para comemorar seu aniversário…

Gustavo – Mas não já haverá a festa hoje…

Estela – Mas eu achei que isso fosse um bom presente… Um belo café da manhã, assim que acordasse… Porém se o senhor acha que eu não devia ter feito isso…

Gustavo – Não, filha, claro que não. Eu gostei, sim. Eu só não estou tão acostumado a isso. Somente uma ou outra vez que tua mãe fazia isso para mim…

Estela – Eu sei, pai… Não era muito do seu feitio isso, mas eu tenho certeza de que todo dia ela buscou presentear o senhor de outras formas. Cuidando de mim e de meu irmão, cuidando da casa… É uma pena que ela não esteja mais…

Gustavo – Não penses nisso, minha filha. É melhor tu ocupares tua mente com outra coisa. Podes voltar para tuas atividades. Agora, deixe-me logo comer essa comida que tu trouxeste, porque eu ainda tenho muito trabalho a fazer hoje. Até porque terei que encerrar o trabalho mais cedo, por causa da festa. Sabe, filha, por mim nem haveria festa, mas tu e teu irmão insististes tanto…

Estela – Nós já discutimos isso tanto, não foi? É melhor eu voltar logo. (Suspira) Tenha um bom dia, pai.

Cena 23: Feudo de Gustavo. Casa de Gustavo. Sala. Manhã.

Um garoto de aproximadamente quinze anos se aproxima de Gustavo, trazendo um chapéu. Cecília vem chegando à sala.

Gustavo – Menino, quantas vezes eu já te falei para não me trazeres esse chapéu quando eu for ao trabalho?

Garoto – Desculpe-me, senhor. Eu pensei que o senhor não fosse trabalhar hoje.

Gustavo – Pensaste errado! Aliás! Tu não tens que pensar nada! Tens que me obedecer! Agora, traga o chapéu correto!

Um homem de 20 anos se aproxima de Gustavo.

Marconi – Pai, o senhor irá me perdoar, mas… Quanto tempo mais o senhor será assim?

Gustavo – Como? Eu não estou entendendo o tom que estás usando comigo, meu filho.

Marconi – Sabe, pai, desde que eu sou criança que eu não vejo no senhor o que meus avós diziam que o senhor era… O senhor sempre foi distante conosco, com nossa mãe. Sempre pensou apenas em trabalho! Minha avó e ela sempre tentaram dizer para mim e para Estela que não, que era somente o jeito do senhor… Mas será mesmo? Acho que não. (Respira) Eu vejo o senhor cada dia mais grosseiro com os seus servos, mas o senhor mesmo contou que um dia foi a favor da fuga de uma serva, e do seu casamento com um amigo seu!

Gustavo – Marconi, tu estás sendo muito incompreensivo. Tudo o que eu fiz e faço sempre foi para o bem dessa casa, para a manutenção da ordem desse lugar!

Marconi – Pois eu preferia que o senhor desse mais atenção a nós do que ao seu trabalho! (Ele ri, debochado) Olha só, e meu avô dizia que o senhor era uma pessoa sonhadora! Minha mãe disse que o senhor até já cantou algumas cantigas para ela… Mas eu mesmo nunca vi o senhor cantando uma palavra que fosse a ninguém… O senhor nem mesmo disse, uma vez sequer, que nos amava! E ainda fala em manter a ordem da casa!

Gustavo – (Bravo) Chega! Quem és tu, Marconi, para me julgares? Por acaso conheces algo do mundo? Não conheces a palavra responsabilidade! Sequer te interessas pelo trabalho de seu pai! Preferes ficar andando por aí, em vez de se preocupar com coisas sérias!

Marconi – Que eu saiba, o senhor gostava de viajar, e não era pouco. Gostava muito de viajar. Agora quer me recriminar? Pois eu prefiro não me preocupar com o que o senhor diz que é sério, e tentar ser feliz em minha vida, a ter que seguir o seu exemplo e me tornar essa pessoa grosseira que o senhor é!

Gustavo – Marconi, eu exijo respeito! Eu sou teu pai!

Marconi – Eu me pergunto se ter-me como filho significa realmente algo para o senhor.

Ele vai saindo.

Gustavo – Aonde vais, Marconi? Volta aqui!

Marconi – Eu irei esfriar a cabeça.

Gustavo – Ai, meu Deus… Mas onde está o meu chapéu?

Cena 24: Campania. Estrada próxima ao feudo de Gustavo. Final da tarde.

Marconi está em seu cavalo, e está voltando para casa. A claridade é pouca. Marconi vai cavalgando tranquilamente, quando sente um baque. Ele desce do cavalo. Havia atropelado uma mulher, loira, que devia possuir em torno de quarenta anos. Ela caiu com o rosto virado para o outro lado. Marconi se ajoelha ao lado dela.

Marconi – Senhora? Tudo bem com a senhora? Se machucou?

Mulher – Eu estou bem, sim. Tu podes me informar uma coisa…

A mulher olha para ele. Marconi pode ver seus olhos arregalarem.

Agnella – Tu… Tu és… Só podes ser… Filho de Gustavo, não é?

Ela tosse.

Marconi – Como? Como a senhora me conhece? Quem é a senhora?

Agnella – Tu és a cara de teu pai… És belo como ele era… Como ele estava no dia em que nos encontramos pela primeira vez, na vez em que fui eu quem esbarrei nele… Por favor, leva-me até ele… Eu estou há tantos anos procurando por Gustavo… Eu preciso vê-lo…

Marconi – Perdoa-me, senhora, mas a senhora é uma completa desconhecida para mim. Eu não posso levá-la até meu pai. Até porque está acontecendo uma festa agora, e, como a senhora não foi convidada, podem estranhar.

Agnella tosse novamente.

Agnella – Por favor, moço… Leva-me até teu pai… Eu passei mais de vinte anos procurando por ele… Só que agora estou muito mal… Eu preciso ver Gustavo… Ele me conhece. Muito bem. Ele saberá quem eu sou.

Marconi – E como a senhora se chama mesmo?

Agnella – Meu nome é Agnella. Eu tenho certeza de que Gustavo gostará de me ver. Por favor, leva-me até ele…

Cena 25: Feudo de Gustavo. Exterior. Noite.

Marconi se dirige a Gustavo. Está sozinho.

Gustavo – Até que enfim, hein, Marconi! Por que demoraste tanto? Não vês que temos uma festa importante agora, que não pode se atrasar?

Marconi – Pai, o senhor precisa vir comigo. Tem uma mulher lá na sala esperando pelo senhor.

Gustavo – Ah, Marconi, poupa-me! A essa hora, recebendo visitas? Se for convidada, mande-a vir para cá! Se não for, diga que me espere. Temos que iniciar a festa.

Marconi – Ela disse que precisava conversar urgentemente com o senhor. O nome dela é Agnella.

A expressão facial de Gustavo muda completamente. De uma expressão indignada e impaciente, passa para uma expressão grave e emocionada. Sem dizer nada, ele desponta na direção da casa. Marconi o segue.

Cena 26: Feudo de Gustavo. Casa de Gustavo. Sala. Noite.

Agnella está sentada em um banco, na sala. Gustavo entra no recinto, apressado. Ao ver Agnella, para. Ela se levanta, e fica parada. Os rostos de ambos demonstram emoção, mas nenhum deles chora.

Gustavo – Agnella…

Agnella – Gustavo…

Então, eles correm um ao encontro do outro, se abraçando. Aí as lágrimas caem, aos poucos. Marconi entra, mas não é percebido.

Gustavo – Agnella, eu não esperava ver-te aqui… Estás sozinha?

Agnella tosse, uma tosse mais fraca.

Agnella – Eu nunca estive sozinha, Gustavo… Nem nos últimos vinte e tantos anos de minha vida, em que nunca desisti de te encontrar… Mas hoje eu estou aqui… E a única coisa que quero é ver-te, meu amor, e ficar ao teu lado…

Eles cessam o abraço, e ficam um olhando para o outro.

Gustavo – Mas o que aconteceu?

Agnella tosse novamente, dessa vez forte.

Agnella – Eu larguei tudo, meu amor… Larguei tudo, porque eu nunca desisti de ti… Nunca desisti de nós…

Gustavo – Então… Tem mais de vinte anos que tu me procuras? Mas, mas… Por que demoraste tanto tempo?

Agnella – Eu… Prefiro não tocar nesse assunto…

Tosse de novo, duas vezes.

Agnella – Eu quero esquecer, Gustavo, todo o sofrimento e humilhação que eu passei… Mas foi tudo por causa de ti… Eu…

Tosse.

Agnella – Fui enganada… Fui presa… Errei o caminho… Errei os caminhos… Mas uma boa alma me ajudou um dia… E eu estou aqui…

Gustavo – Agnella, tu… Tu passaste tudo isso, mesmo sabendo que eu poderia ter casado, ter construído outra família? Mas por quê? Seria melhor para ti, se tivesses ficado em casa… Seria mais seguro.

Outra tosse volta a incomodar Agnella.

Agnella – Não, meu amor. Eu te amo, e nada mais importa. Na ânsia de ser apenas tua, acabei sendo de outros… Mas eu não desisti… Nem que fosse para ficar contigo por um momento. Por um único e derradeiro momento.

Gustavo – Agnella, hoje é o meu aniversário. Vem comigo para a minha festa. Eu explico tudo para meus filhos. Eles irão compreender.

Agnella – Eu não posso… Está frio essa noite… E o frio tem me causado tanta dor… É por isso que eu estou…

Tosse mais uma vez.

Agnella – Tossindo tanto…

Gustavo – Tu tens certeza, Agnella, de que não queres vir? Bem, se não quiseres, eu pedirei para meus criados cuidarem de ti.

Agnella – Eu não quero. Não quero mais nada. Eu só te peço uma única coisa, meu amor, uma última coisa… Algo que há tanto, mas tanto, mas tanto tempo eu espero… E tu nunca mais me deste. Por favor, Gustavo… Beija-me… Essa noite é… A última vez…

Ela tosse de novo.

Gustavo – Como assim? Não, não! Não fales em última vez…

Agnella – Não me negues isso, Gustavo… Eu viajei por tantos dias, tantos meses, tantos anos… E eu só quero isso… Como uma recordação… Para quando eu me for…

Gustavo – Eu…

Gustavo fecha os olhos. Suspira. Agnella tosse. Ele toma Agnella em seus braços, e a beija. De início, um beijo simples, mas a emoção os toma, e eles as transmitem em seu beijo. Até que Agnella começa a tossir, e eles param. Agnella ainda permanece em seus braços.

Agnella – Muito obrigada, Gustavo… Isso foi… Lindo… Foi… O melhor beijo… O melhor beijo que tu me deste… Em toda a minha vida…

Agnella vai esmorecendo, e caindo. Gustavo percebe e, aos poucos, a deita no chão. Abaixa-se sobre seu corpo, e checa a respiração.

Gustavo – (Grita) Criados, por favor, acudam!

Uma mulher e um homem aparecem.

Gustavo – Levem-na para um quarto, por favor. Ela precisa descansar…

Eles pegam Agnella, e levam-na nos braços para o interior da casa. Gustavo os observa. Então, vira-se, e se depara com Marconi e Estela na porta da sala. Eles o encaram, e, com uma expressão de raiva, saem correndo da casa. Gustavo os segue.

Cena 27: Feudo de Gustavo. Exterior. Campo aberto atrás da casa. Noite.

Gustavo vem correndo. Olha para os lados, mas não vê os filhos. Olha para a frente, e vê, ao longe, uma figura feminina e uma masculina de costas, sentadas sobre uma pedra. Gustavo corre até eles. Quando está chegando perto, Estela levanta o braço, sem olhar para trás.

Estela – Por favor, pai! Pare! Não se aproxime!

Gustavo para. Eles conversam sem se olhar.

Gustavo – Filha, eu preciso me explicar…

Estela – O senhor não precisa me explicar nada…

Gustavo – Essa mulher, Agnella, ela foi um grande amor de minha juventude…

Estela – Eu falei que o senhor não precisa explicar nada! A vida é do senhor, o senhor faz dela o que quiser. Eu só fiquei um pouco surpresa.

Marconi – Pai, deixe-me aqui com minha irmã. Olha lá, estão vindo chamar o senhor. Deve estar na hora das comemorações.

Gustavo – Vocês não virão?

Marconi – Daqui a pouco eu irei, e levarei Estela. Agora é melhor o senhor nos deixar sozinhos.

Gustavo – Claro, meu filho. Mas não demorem, tudo bem? Não demorem.

Cena 28: Campania. Feudo de Gustavo. Exterior. Noite.

Gustavo foi levado ao local da festa. Ao redor de uma fogueira, estão sentados vários senhores e senhoras feudais da região. Há uma mesa com alimentos. As pessoas, então, começam a gritar em uníssono.

Todos – Discurso! Discurso!

Gustavo abaixa a cabeça, um pouco envergonhado. Respira fundo.

Gustavo – Tudo bem, tudo bem, eu falo algumas coisas… Mas só um pouco, porque eu não tenho a habilidade dos padres para sermões.

Algumas pessoas riem.

Gustavo – Bom, eu acho que eu devo, em primeiro lugar, agradecer. A Deus, por ter me dado mais um ano de vida, e a vocês, por terem comparecido a essa festa.

Gustavo, então, vê os seus filhos se aproximando.

Gustavo – Mas eu queria fazer um agradecimento especial. E ele vai para a minha família. Meus filhos, Marconi e Estela, são tudo o que de mais precioso eu recebi de Deus, e olha que nem era meu aniversário… E eu queria que eles viessem aqui, ficassem ao meu lado.

Marconi e Estela caminham e se posicionam ao lado do pai.

Gustavo – Eu confesso que, por um bom tempo, eu não me dei conta do quanto eu os amava. Fico até um pouco envergonhado de dizer isso, mas eu creio que vocês me entenderão. Porque eu sempre acreditei que, ao trabalhar dia e noite para cuidar dessas grandes terras, e assim poder sustentar a minha família, eu estava sendo um pai exemplar… Mas hoje eu vi que era preciso mais do que isso.

Seus olhos marejam.

Gustavo – Hoje eu recebi um presente inesperado. Ou melhor, esse presente veio até mim. Só que para chegar aqui, ele precisou enfrentar várias adversidades, e até esperar anos, até que eu o pudesse receber. E foi esse presente que me abriu os olhos para o real sentido do amor… O amor, o verdadeiro, sempre busca fazer mais do que o que achamos que é suficiente, ou do que achamos ser possível. Quem ama não se conforma… Mas luta, luta por aquilo ou aquele que quer alcançar. E quer sempre o melhor. Por isso, aqui, na frente de todos vocês, eu quero declarar, como poucas vezes fiz em minha vida, o quanto eu os amo, meus filhos.

Algumas lágrimas descem dos olhos de Gustavo e dos seus dois filhos. Algumas pessoas ameaçam aplaudir.

Gustavo – Eu ainda não terminei. Tenho algumas palavras para dizer. Ou melhor, alguns versos para cantar. Os senhores e as senhoras podem não saber, mas, em um determinado momento de minha vida, eu cheguei a compor cantigas… E eu gostaria de terminar assim essa minha espécie de discurso. Ah, e perdoem-se se não sair tão bonito, mas é que eu estou um pouco enferrujado.

Ele ri.

Gustavo –

Não sei se falei demais,

Se meu discurso estendi.

Porém eu só terei paz

Se a todos fizer ouvir

Uma simples declaração,

Que sai do meu coração

Para meus filhos, aqui.

 

Saibam, Marconi e Estela,

que eu os amo. Sempre amei!

Se tão pequena parcela,

Da minha atenção lhes doei,

Foi somente por ser falho…

Só que agora meu trabalho

Será, por todos os anos,

Seguidor d’uma nova lei.

 

Gustavo – A lei de viver para a nossa família. De verdade, por inteiro. E que eu possa ser assim até o final dos meus dias.

Os três se abraçam, e a “plateia” aplaude.

Cena 29: Campania. Feudo de Gustavo. Casa. Dia seguinte. Manhã.

Gustavo caminha por um corredor da casa. Seus filhos o acompanham.

Estela – Então quer dizer que essa mulher passou anos procurando pelo senhor, meu pai?

Gustavo – Sim, Estela. E ela nunca desistiu de chegar aqui.

Marconi – Mas que curioso, não é, meu pai? O senhor se apaixonou por uma camponesa… Até imagino que só não casaram porque meus avós foram contra.

Gustavo – Ah, meu filho, tanta coisa aconteceu depois que eu conheci Agnella… Eu quase me casei com outra mulher, inclusive. Cecília era o nome dela. E eu também a amei…

Marconi – Outra mulher? E por que nós nunca soubemos disso antes, pai?

Gustavo – Eu nunca comentei com vocês porque… Porque eu havia me machucado muito, porque foram muitas separações pelas quais eu tive que passar, e eu preferi esquecê-las. Mas essa aparição dela… Para mim tem um significado, sabe? Eu… Eu estou motivado, eu quero resgatar aquela pessoa que eu era, e que esses anos de trabalho me fizeram deixar para trás…

Eles param em frente a uma porta. Gustavo a abre. É um quarto. Sobre uma cama, eles veem Agnella, e, ao seu lado, uma serva.

Gustavo – E então? Como ela está?

Serva – Ela ainda está respirando. Mas parece dormir um sono tão profundo…

Gustavo – Será que eu e meus filhos podemos ficar a sós com ela?

Serva – Claro, senhor. Estou às suas ordens.

Gustavo – Muito obrigado.

A serva sai. Gustavo senta ao lado de Agnella, e segura sua mão. Algo em seu rosto lhe chama a atenção.

Gustavo – Ela… Está sorrindo…

Marconi – Será que ela irá…  Morrer, pai?

Gustavo – Deus queira que não, meu filho. Deus há de ajuda-la. Mas… Se isso acontecer… Ela partirá feliz. Terá morrido no lugar onde sempre desejou. Ao meu lado. Perto de mim.

Estela – Pai, eu queria fazer uma pergunta ao senhor. E, por favor, não me entendas mal. O senhor… Amava a minha mãe?

Gustavo se levanta, vai até uma janela que estava fechada, e a abre.

Gustavo – Sendo sincero, minha filha… Talvez eu não a amasse. Pelo menos não como eu amei Cecília e como eu amei Agnella. Mas, com o tempo, eu aprendi a gostar dela. Claro, confesso que não dei a ela a atenção que merecia, e tenho medo de que tenha sido por tristeza que ela se foi…

Ele suspira.

Gustavo – Mas ela sempre foi uma grande mulher. E sem ela vocês dois não teriam vindo ao mundo.

Marconi – Pai… E se essa Agnella se recuperar… O senhor…

Gustavo – Eu entendo a sua pergunta, meu filho. E eu não sei responder. Porque eu ainda não sei se tenho forças para amá-la como antes, para amá-la como ela merece… Mas ela, ela sempre me amou. E eu não preciso repetir que foi o seu ato de amor que me ressuscitou desse estado de leniência para com vocês…

Ele senta novamente ao lado de Agnella.

Gustavo – De qualquer forma, eu não quero que ela parta…

Uma lágrima cai de seu rosto e molha o rosto de Agnella.

Gustavo – (Fala calmamente, pausando a cada frase, e com expressão de felicidade) Mas… Querem que eu lhes diga uma coisa? A vida está aí porque Deus nos permite vivê-la. E enquanto Ele nos deixa fazer isso, nosso dever é cumprir Sua vontade, e ser feliz com isso. E viver, do jeito que der. E agradecer, porque a vida é uma dádiva. E amar. Não importa a quem ou o quê. Não importam as circunstâncias. Não importam as consequências. O amor é o nosso maior mandamento.

Gustavo deita seu rosto ao lado do de Agnella. Ele sorri. Ela continua sorrindo. Da janela, vê-se o sol brilhando, cada vez mais forte.

Fim!

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