Cantiga de Amor

Capítulo 53 – Cantiga de Amor (Penúltimo Capítulo)

Cena 01: Igreja del Fiume. Sala de recepções.

Agnella – Eu e Gustavo, padre, cometemos esse pecado uma vez. Nós dois… E, por isso, nós deveremos nos casar. Não foi isso que o senhor acabou de dizer?

Gustavo fica petrificado. Enzo e Prudência se olham, apreensivos. Santorini e Ricardo ficam embasbacados. Adelmo corre até Agnella.

Adelmo – Agnella, meu amor, essa tua obsessão já foi longe demais… Agora estás até inventando coisas…

Santorini – Isso é mesmo uma invenção, Agnella? Gustavo, você confirma o que ela disse? Essa foi uma denúncia grave, que mexe com muitas coisas. Inclusive com os planos que ambos traçaram para suas vidas.

Gustavo – Padre, isso… (Abaixa a cabeça) Isso é verdade.

Cena 02: Igreja del Fiume. Quarto de Giancarlo.

Cecília – Roubaram os dois colares? Mas por quê? Qual a importância desses colares? Não são valiosos! Não são joias! Para que tudo isso?

Giancarlo – Realmente, eles não são valiosos. Mas têm relação com algo muito valioso, que é o tesouro. E quem pegou os colares deve ter alguma ideia sobre essa relação.

Cecília – Mas será que eles não foram levados por aquele povo que invadiu a igreja? Talvez…

Giancarlo – Não, Cecília. O primeiro sumiu antes da invasão. Além disso, mais nada foi levado daqui. Eu admito que desconfio de uma pessoa…

Cecília – De Marlete?

Giancarlo – Sim, minha filha. Mas foi ela quem nos levou ontem até Brás para impedir que ele fugisse… Só que ela também já deu outras provas de que pode não ser de confiança.

Marlete entra no quarto.

Marlete – Falavas de mim, titio?

Giancarlo – Por que a pergunta?

Marlete – Não, tudo bem. Não me interessa saber o que o senhor falava. Mas eu estava passeando pela igreja, e ouvi uma coisa que é de interesse do senhor. E teu também, priminha. Diz respeito a teu amado.

Cecília – Gustavo? O que houve com ele?

Marlete – Parece… Que ele já deflorou aquela garota aqui do povoado… A Agnella.

Marlete sorri disfarçadamente.

Cecília – Isso é verdade, Marlete? Ou tu estás falando isso apenas para intrigar a mim e a meu pai com ele?

Marlete – Que razão eu teria para mentir? Se tu quiseres, podes conferir a história. O padre, o bispo e o próprio Gustavo estavam na sala de recepções quando Agnella contou tudo.

Cecília – Eu irei lá.

Giancarlo – Não, Cecília! Tu ficas! Eu mesmo irei tirar isso a limpo. Agora eu deixo algo bem claro. Se Gustavo e a tal menina já se conheceram, no sentido bíblico, aí é que eu não permitirei casamento nenhum!

Cecília – O senhor não pode me obrigar a ficar aqui. Essa história diz respeito a mim, também. E eu faço total questão de saber se eu ainda posso confiar no homem que eu penso ser Gustavo. Portanto, pai, não te preocupes, eu sei decidir sobre minha vida, e saberei se ainda terei condições de me casar com ele.

Cena 03: Igreja del Fiume. Sala de recepções.

Adelmo lança um olhar fulminante para Gustavo.

Adelmo – Não, padre! Isso é uma mentira! Eu não sei por que, mas, mas, ele está mentindo!

Agnella – Tu sabes que é verdade, porque tu mesmo viste! E aceitaste casar-te comigo, mesmo sabendo disso!

Adelmo – Agnella… Por favor… Para com isso…

Enzo – Minha filha, para com isso! Volta para casa com Adelmo, agora!

Agnella – O senhor não me entregou para ele? Então não manda mais em mim! Além disso, eu não serei, como nunca fui, de Adelmo! Eu serei, como sempre fui, de Gustavo!

Prudência – Agnella, minha querida… Ouça o teu pai e a Adelmo…

Agnella – Então a senhora também concorda com isso, mãe? A senhora acha certo manter escondido algo assim? Logo a senhora, que sempre me foi por exemplo…

Ricardo – Mas afinal de contas, essa história é mentira ou é verdade?

Adelmo – É mentira, bispo!

Edetto e Izabella aparecem na sala.

Agnella – (Tem um rompante) Chega, Adelmo! Chega! Gustavo já admitiu tudo, e não dá mais para voltar atrás! Eu irei me casar como Gustavo sim!

Edetto – Mas que história é essa? Eu ouvi bem?

Izabella – O que tu estás falando, menina? Que história é essa?

Agnella – Conta a teus pais, Gustavo, sobre o momento de amor que nós tivemos, e que nos obriga ao matrimônio!

Gustavo – Pai, mãe, eu, eu sinto muito ter que falar isso para vocês, mas… Isso aconteceu há um bom tempo, antes mesmo da minha viagem para o Oriente.

Giancarlo e Cecília chegam.

Cecília – (Voz emocionada) Então é isso… Mais uma vez, não é, Gustavo? Mais uma vez tu traíste a minha confiança!

Cecília sai correndo da sala.

Gustavo – Cecília, volta aqui! Eu preciso te explicar isso!

Gustavo corre atrás dela. Agnella ameaça sair, mas seu pai a segura.

Agnella – Me solta, pai! Gustavo não pode fugir assim!

Enzo – Eu não aceito mais que tu corras assim atrás de Gustavo! Ele não será teu marido!

Prudência – Mas, meu senhor, diante das circunstâncias…

Edetto – Diante das circunstâncias, nada mudará! Nós somos senhores feudais, vocês são camponeses, e isso está claro desde sempre! Não há a menor possibilidade de se realizar esse casamento!

Agnella – Claro que há! O padre confirmou isso!

Ricardo – Infelizmente, eu tenho que intervir nessa situação. Como um representante da Igreja, e portanto uma pessoa responsável pela manutenção da ordem desse nosso mundo, eu preciso esclarecer as coisas. Quando eu e o padre dissemos que o casamento seria necessário nesse caso, nós não conhecíamos as circunstâncias. Entretanto, moça, o que o senhor, o pai de Gustavo, acabou de dizer é a verdade, e não será mudada.

Agnella – Não, bispo… Não… Isso não pode acontecer… O senhor não pode permitir isso… Padre…

Santorini – Bem, Agnella, se o bispo Ricardo assim disse, é assim que será feito. Eu não posso discordar dele.

Izabella – Entendeste, agora? Conforma-te, garota! Tu nunca serás parte de nossa família! Tu nunca terás o sobrenome dos Schiartoni!

Agnella – (As lágrimas começam a cair dos seus olhos) Eu não aceito isso. Eu não posso aceitar isso. Todos vocês são contra, todos vocês falam isso sobre mim e Gustavo porque nunca viveram o que nós vivemos! Nunca! E eu não me importo mais com o que vocês dizem e pensam! O meu amor por Gustavo irá continuar vivo, e irá se concretizar!

Agnella se solta e sai da sala de recepções. Adelmo vai atrás dela.

Enzo – Padre, eu peço sinceras desculpas ao senhor. E ao senhor também, Edetto. Essa é a última vez que Agnella faz algo desse tipo. Eu garanto.

Enzo e Prudência saem também.

Edetto – Giancarlo, eu sinto muito por Cecília. Gustavo é meu filho, mas o que ele fez foi muito grave.

Izabella – Eu só receio que a ideia de que eles se casem…

Giancarlo – No que depender de mim, não haverá casamento. Porém, antes de conversarmos sobre isso, eu tenho um assunto muito importante para tratar com vocês. O único que ainda nos une. É sobre o tesouro.

Cena 04: Exterior da Igreja del Fiume.

Gustavo conseguiu alcançar Cecília. 

Gustavo – Cecília, por favor, eu preciso que tu me ouças. Eu nunca falei sobre isso, porque… Porque é uma história que é bastante delicada. E porque eu não queria te desrespeitar, eu achei que não te sentirias bem ao ouvir me falando sobre algo tão pessoal…

Cecília – A questão não é essa, Gustavo! Não é sobre teres me falado sobre isso espontaneamente ou não, até porque, se tudo isso tivesse se mantido escondido, aparentemente as coisas continuariam correndo normalmente. Mas é só aparentemente, entendes? Só aparentemente, porque, com a própria Agnella, a vida dela mudou!

Gustavo – Sim, sim, eu reconheço isso… Eu reconheço que, talvez pelo que aconteceu entre nós, ela tenha ficado tão desesperada, tão dependente de mim, tão obcecada… Mas uma hora ela teria que parar, uma hora ela se daria conta de que eu havia escolhido ficar contigo…

Cecília – Tu escolhestes ficar comigo, Gustavo, mas em uma relação precisa haver confiança! Lembra de ontem, quando voltamos do rio?

– Flashback –

Cecília – Eu também percebo que ela precisa de nossa compaixão, Gustavo. Mas uma coisa que ela disse me deixou curiosa. Por que ela disse que só poderia ser tua?

Gustavo – Por nada… Só por esse amor que ela sente por mim. Não é nada de importante.

Gustavo vai andando em direção à igreja. Cecília o segue.

Cecília – Eu posso acreditar mesmo em ti, Gustavo?

Gustavo – (Começa a ficar irritado) Claro que sim!

– Fim do flashback –

Gustavo – Mas, Cecília, esse assunto… É um detalhe tão pequeno…

Cecília – Não é pequeno. Tu sabes disso. Não é pequeno, porque representa o teu medo de assumir as tuas maiores responsabilidades, porque tu sabias que poderias ser obrigado a casar-te com Agnella! E não era isso o que querias. Mas uma coisa eu sempre quis, Gustavo, e essa coisa é a verdade. Eu te apoiaria, qualquer que fosse o problema, te entenderia se quisesses manter isso em segredo, mas tu não poderias ter mentido para mim. Só que agora, Gustavo, agora tu estás livre. Vai lá, podes casar com Agnella. E seja feliz em tua vida conjugal.

Ela sai correndo, e entra na estrada da floresta. Ele vai atrás.

Cena 05: Nave da Igreja del Fiume.

Agnella passa por Simone, Leonor, Inês, Pero e Brás, que está deitado, inconsciente e gravemente ferido. Logo em seguida, vem Adelmo.

Simone – O que está acontecendo, meu filho?

Inês – Onde estava Agnella?

Adelmo – Por favor, eu falo com vocês depois. Tenho um problema para resolver agora.

Adelmo sai. Logo em seguida, Enzo e Prudência passam por eles.

Simone – Mas que problema é esse, agora?

Leonor – Parece que mais uma vez é algo com Agnella. Olha a maneira como seus pais passaram por aqui…

Pero – Realmente, isso é estranho…

Cena 06: Exterior da Igreja del Fiume.

Adelmo consegue parar Agnella.

Adelmo – Agnella, tu não irás assim! tu terás que me ouvir!

Agnella – Eu não quero! Eu já conheço todos os teus discursos, toda a história de teu amor! Eu já ouvi várias vezes o que tu tens para me dizer, assim como tu já me ouviste outras muitas vezes. Então me deixa!

Adelmo – Não, Agnella, dessa vez é diferente! Queres saber de uma coisa? Eu cansei! Cansei de ti!

Enzo e Prudência se juntam a eles.

Enzo – O que… Tu disseste o que, Adelmo?

Adelmo – O senhor escutou bem, senhor Enzo. Eu sinto muitíssimo pelo senhor e pela senhora, Prudência, mas a minha paciência foi testada ao máximo! E por mais que eu ame Agnella, eu não tenho mais como suportar tamanha rejeição! Aliás, eu acho até que já esperava rejeição, e julgava estar pronto para lidar com ela. Mas é essa imaturidade, essa impulsividade, essa obsessão, essa falta de respeito por mim que eu não posso tolerar! Porque, por mais que eu saiba que tu não gostas de mim, Agnella, eu não estou disposto mais a ver-te correr para outra pessoa em minha frente!

Prudência – Adelmo, por favor, tu estás sendo precipitado. Eu sei que as circunstâncias não são boas, que as atitudes de Agnella foram totalmente repreensíveis, mas tu precisas te acalmar! Respirar um pouco…

Adelmo – Me desculpe, mas eu acho que não dá para pensar em mais nada. Está mais do que claro que a minha vida ao lado de Agnella seria uma vida de solidão.

Agnella – E como tu achas que seria a minha ao teu lado?

Adelmo – Da minha parte, Agnella, não faltaria amor. Da minha parte, não faltaria atenção, cuidado, carinho. Mas eu não posso te obrigar a aceitar o que não queres. Assim como eu não quero me ferir mais do que já estou ferido. Então, senhor Enzo, com licença, mas eu preciso voltar para o povoado com minha família. Com a família em que eu realmente me sinto seguro.

Adelmo volta para a igreja.

Enzo – Estás feliz agora, Agnella? A tua única oportunidade de arranjares um casamento acabou de ir embora! Tu mereces mais um castigo, para ver se aprendes a te comportar direito!

Agnella – Castigo, castigo… Castigo não resolve nada! O senhor pode me colocar de castigo quantas vezes quiser, mas não vai mudar o que eu sinto, nem o que eu quero para a minha vida!

Prudência – Agnella, minha filha, eu não te reconheço mais… Essa rebeldia, eu não te criei com ela. Eu sempre te ensinei o valor de ser obediente!

Agnella – E para que me serviu a obediência? Para me privar de minha felicidade!

Enzo – Então tu achas que nós não queremos que sejas feliz? Tu achas que nós queremos ver nossa própria filha triste, que queremos o teu mal? Porque se for assim, eu abro mão, agora. Abro mão de tentar te fazer perceber como tu estás pegando um caminho perigoso! Abro mão de tentar te trazer de volta para a lucidez!

Agnella – Louco é o senhor, que acredita que pode regrar a minha vida conforme bem entendes! Será que nunca percebeu que a maneira como me tratas nunca me fez bem?

Enzo – Eu não aceito ser desrespeitado!

Enzo dá um tapa em Agnella, que cai no chão.

Enzo – Agora levanta daí, e vamos voltar para casa!

Agnella – Eu não volto coisa nenhuma!

Agnella se levanta, e vai em direção à floresta. Prudência a alcança.

Prudência – Para, Agnella! Para! Tu não podes fugir assim, não podes fugir de tua família!

Agnella – Eu não aguento mais isso, mãe! Será que é tão difícil de entender que eu não sou feliz, e que nada do que a senhora e meu pai têm feito me ajudou até agora?

Prudência – O que eu entendo, Agnella, é que eu estou decepcionada contigo. Eu não sei mais quem é a pessoa que está em minha frente.

Agnella – Pelo visto, a senhora nunca soube.

Agnella corre e entra na estrada da floresta.

Prudência – E agora, meu senhor? O que faremos?

Enzo – Ela vai voltar, Prudência. E se não voltar, é porque nós já a perdemos.

Cena 07: Igreja del Fiume. Quarto de Giancarlo.

Edetto – O senhor tem certeza disso? Levaram mesmo os colares?

Izabella – O senhor procurou direito, em todos os cantos… Quem sabe não está nos pertences de sua filha…

Giancarlo – Não! Não está. Eles estavam comigo. E só estariam nos pertences de Cecília se ela mesma tivesse roubado os dois objetos. Mas eu sinceramente não acredito que ela tenha feito isso. Eu só não compreendi até agora qual a importância deles. Por que alguém os roubaria? (Pensa.) Quer dizer, agora eu estou me lembrando de uma coisa…

– Flashback –

Beira do Rio dos Campos. Marlete se agacha sobre o baú, e vê dois orifícios sobre a tampa.

Marlete – Duas chaves… Como eu imaginava…

– Fim do flashback –

Edetto – Então essas duas chaves são os dois colares? É isso o que o senhor está pensando?

Giancarlo – Sim, claro! Teu pai e seu amigo devem ter criado um mecanismo próprio de abertura do baú, baseado em colares que eles mesmos confeccionaram.

Edetto – E quem quer que os tenha pegado deve saber que eles são as chaves.

Izabella – Ou seja: foi Marlete, com certeza.

Giancarlo – Onde vocês esconderam o tesouro, Edetto? Precisamos impedi-la de, sei lá como, levá-lo com ela. Afinal ela tem as chaves, não é?

Edetto – Quanto a isso, o senhor não precisa se preocupar. O tesouro está bem escondido. E há um homem de minha confiança lá, protegendo-o de qualquer tentativa de tirá-lo de nós.

Cena 08: Floresta. Clareira.

Marlete – Aqui está o segundo colar, querido. Onde está o primeiro, o que tu pegaste enquanto estávamos no rio? Vamos abrir logo esse tesouro e fugir daqui.

Luca – Aqui está… Será que o que tem aí é mesmo valioso? Ou tu me enganaste esse tempo todo?

Marlete – Claro que não… Tu achas que eu seria capaz disso? De modo algum…

Luca – Assim espero.

Eles desenterram o baú do pé de uma árvore. Encaixam os colares nos dois orifícios sobre a tampa, e o abrem. Veem, então, uma infinidade de joias, pedras preciosas, rubis, esmeraldas, joias feitas de ouro e de prata, colares de pérolas, braceletes dourados, e uma coroa sobre eles. Marlete pega algumas dessas joias, passa em seu rosto.

Marlete – Vê que coisa linda! Olha! Sente o cheiro disso! Cheira a riqueza!

Luca – Tu tinhas mesmo razão… Agora nós podemos viver juntos. Foi o que me prometeste.

Marlete – Viveremos juntos, sim. E seremos ricos! (Grita) Ricos!

Ela devolve as joias, fecha o baú e se levanta.

Marlete – Agora vamos! Coloca esse baú na carroça. Temos de fugir o quanto antes. Fugir para longe! Fugir para a glória!

Ela sorri. Ele retribui o sorriso.

Cena 09: Beira do Rio dos Campos. 

Cecília se agacha à beira do rio, que molha os seus pés. Ela toca na água.

– Flashback –

Era o dia anterior. Estavam no mesmo lugar, agachados ao lado da árvore que foi derrubada para retirar o tesouro.

Gustavo – E pensar que embaixo dessa árvore eu vivi bons momentos, momentos marcantes de minha vida… (Seus olhos ficam marejados) E ela teve que ser derrubada para que um tesouro fosse desenterrado. Mais uma vez eu me pergunto: até onde a riqueza pode ser mais importante que as boas lembranças… E que os bons sentimentos?

Cecília – Nunca será. Gustavo. Pelo menos não em teu coração. E, se isso te for de importância, eu garanto que também não será no meu.

Uma lágrima cai do rosto dele. Cecília o abraça, e seus rostos se aproximam. Quase se beijam.

– Fim do flashback –

Cecília – Não é só a riqueza que pode atrapalhar o amor. A mentira, o medo… E agora, eu não tenho nem um, nem outro…

Uma lágrima ameaça cair. Ela pega um pouco de água e joga no rosto. Vê uma sombra se projetar sobre ela. Olha para trás.

Cecília – Gustavo, por favor, me deixa sozinha. Eu te peço, sinceramente…

Gustavo – Eu não quero discutir mais, Cecília, não quero falar mais nada… Somente pedir perdão, mesmo que tu não me queiras mais.

Cecília – Eu não posso dizer nada sobre isso agora. Não posso. Então, se não for te pedir muito, me deixa só. Eu vim aqui para pensar. Apenas isso.

Gustavo – Então me permite ficar, nem que seja calado. Nem que seja afastado de ti. Eu ficarei ali, perto da árvore derrubada, perto da árvore que servia de refúgio a meu avô.

Cecília – Que seja. Mas não me incomodes em meu silêncio.

Gustavo se afasta e se dirige à árvore. Senta-se ao lado, e fica calado por um tempo. Até que, baixinho, começa a cantarolar.

Gustavo –

Meu Deus, te peço uma vez

Me ensina a amar

E a não machucar

Meu singelo amor.

Gradativamente, sua voz aumenta.

Gustavo –

A minha senhora

Não quer me aceitar,

Mas não vou julgar

Toda a sua dor.

Me ensina os passos

Me dá uma luz,

Meu Deus, meu Jesus

Meu caro Senhor:

O que farei eu

Se eu não sei viver

Se estiver sozinho?

Se nenhum carinho

Puder receber?

Cecília se vira, incomodada, mas nitidamente tentando conter uma comoção.

Cecília – Gustavo, eu te pedi silêncio, não foi? Eu não quero ouvir tuas cantigas… Porque, mesmo se eu me esforçar, eu não sei se conseguirei acreditar mais no amor que tu cantas nelas.

Gustavo – Eu não estou cantando para te convencer de mais nada… Eu estou cantando porque é só assim que eu consigo me entender. Porque eu não quero mais machucar as pessoas ao meu redor, sabe? Eu não quero mais mentir, não quero mais isso para mim!

Cecília – Mas tu já falaste isso outras vezes, e em todas elas tu me decepcionaste!

Gustavo – E é por isso mesmo que eu quero mudar. Porque eu não conseguirei mais viver se eu não deixar de machucar os outros. Eu preciso me perdoar… Mas eu preciso do teu perdão, sem nada em troca…

Agnella “surge” da floresta.

Gustavo – Agnella? O que fazes aqui? Continuas me perseguindo? Tu não achas que já causaste muitos problemas, não?

Agnella – (Chorando) Gustavo, eu ouvi a tão bela canção que cantaste… Eu ouvi o que tu disseste agora para Cecília… Será que tu mesmo não te recordas de tuas palavras? Sobre perdão?

Gustavo – Sim, mas aqui é diferente…

Agnella – Eu acabei de ser rejeitada por minha família, porque eu sempre achei que o meu amor por ti é o que me fará feliz! Mas eu os machuquei, eu briguei com eles… Eu estou um caco por dentro… Estou como as casas do povoado, queimada pelo fogo do meu amor por ti. Só que eu acabei queimando os outros também. Porém ao contrário das casas, as minhas estruturas foram abaladas, as estruturas de todos ao meu redor foram abaladas.

Ela se ajoelha.

Agnella – Eu reconheço que errei, errei muito. Mas, por favor, Gustavo, e tu, Cecília, por favor, eu peço aos dois, me perdoem… Eu não espero mais que me ames, Gustavo, por mais que eu ainda te ame. Eu não espero que sejas minha amiga, Cecília, por mais que eu tenha agido contra ti. Eu só espero poder ter um pouco de paz… Por favor, perdoem-me… Como tu falaste, Gustavo, sem nada em troca. A não ser que…

Gustavo – A não ser o quê?

Agnella – A não ser que assim o queiras, meu amor… A não ser que assim o queiras…

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