O Último Ano

Capítulo 2 – O Último Ano

O ÚLTIMO ANO

O MURO QUE NOS UNIU.

“Haviam se passado algumas horas depois do ocorrido na Avenida Pedro Segundo. Recebi alta e fui para casa, pensativo e cansado, porém, bem mais pensativo que cansado. O Diego, logo o Diego, havia salvo minha vida? Não sei exatamente que sentimento ele plantou em mim depois do que fez. Eu sentia raiva daquele moleque mal encarado e rebelde. Sentia uma raiva que eu não entendia bem. Essa raiva gladiava com um sentimento de piedade, sei lá, sobretudo depois do incidente. Um desejo de me aproximar e conhecer melhor aquele menino mal começava a me tomar, se por gratidão não sei. Não sei porque ele me chamou atenção. Não é um inteligente, com um bom palavreado e outras coisas que admiro, mas o Diego tinha algo sim que me chamava atenção. Algo desconhecido que me fez estar disposto a descobrir o que era. Eu iria me arriscar, me aventurar, me expor… Mas estava decidido. Eu acho…”

(Trecho do diário de Elvis Braga)

Elvis estava em seu quarto na companhia de Eduarda. Ela havia ido lhe visitar naquele mesma noite conforme o combinado. Elvis contou tudo que aconteceu mais cedo após saírem da escola. Eduarda estava surpresa.

EDUARDA: Ok, no três! Um, dois, três, me conta de novo!

ELVIS: É a terceira vez que vou te contar Eduarda.

EDUARDA: Mas está difícil de acreditar que o Diego fez tudo isso por você. Sendo ele quem é, você soube o que ele fez com Jeremias na escola hoje e, além do mais, ele nem te conhece direito. Não, não eu não consigo assimilar.

ELVIS: Pois é, eu tive uma crise severa de asma e o Diego, que também sofre de asma, me deu a bombinha dele e aquilo abriu os meus pulmões. Foi só por isso que voltei a respirar, mas apaguei. E foi ele quem pediu ajuda e me acompanhou até o hospital. E lá ele conseguiu o contato de minha mãe. É isso.

EDUARDA: Você tem noção que correu um duplo risco de vida não é?

ELVIS: Como assim?

EDUARDA: Amigo, se a asma não te matasse ali mesmo, Diego faria isso. Que deu na sua cabeça de querer impedir ele de bater no Jeremias? Tudo bem, eu sei, a causa era nobre… Mas cara era o Diego! Eu estudo com ele há dois anos e já vi ele dar uma surra em marmanjo!

ELVIS: Eu senti que iria apanhar mesmo. Mas nunca pensei que fosse agradecer pela crise de asma vir na hora certa. De alguma maneira ele se compadeceu. Talvez porque tenha asma também.

EDUARDA: Isso é muito estranho. Eu pensava que aquela criatura nem tinha coração.

ELVIS: Viu só? Talvez ele não é esse monstro que todos falam.

EDUARDA: Mas você pode ficar tranquilo que ele vai aprontar ainda pra cima de você!

ELVIS: Você acha?

EDUARDA: Tenho quase toda certeza. Ele é cauteloso, frio, calculista… Pode esperar.

ELVIS: Minha mãe quer conhecer ele e agradecer o que fez.

EDUARDA: Cara que louco! Eu não consigo imaginar isso. O Diego recebendo agradecimento por ter salvo alguém!

ELVIS: Engraçado que ele não ficou no hospital. Foi embora assim que conseguiram falar com minha mãe. Garoto estranho.

Elvis fica em silencio pensativo olhando a bombinha que Diego usou. Já Eduarda não para de olhar para a porta do quarto.

ELVIS: O que tanto você olha para a porta? Não se preocupa, minha mãe não vai entrar aqui.

EDUARDA: Não estou preocupada com isso. Pelo que vi sua mãe é super gente fina. Quero ver o seu irmão. Ele chega que horas?

ELVIS: Que irmão? Eu sou filho único!

Elvis ri por um instante até se dá conta que sua farsa foi descoberta.

EDUARDA: Você disse que tinha irmão. E que se chamava Pietro.

Elvis fica sem jeito, um sorriso amarelo no rosto.

EDUARDA: Então você mentiu? O tal Pietro com um coração na contracapa do teu caderno não é teu irmão?

Elvis fica rosado. A voz fica esganiçada.

ELVIS: Eduarda… Deixa eu te explicar uma coisa… Hum… Calma…

EDUARDA: Eu estou calma. É você que está nervoso.

Elvis respira fundo.

ELVIS: Você não percebeu nada ainda?

EDUARDA: Tipo…?

ELVIS: Eu não sou como os outros meninos.

EDUARDA: Isso se percebe à distancia! Você é bonito, inteligente, educado… Na escola só tem ogro. Aliás, tem uns garotos bonitinhos no segundo ano, mas por dentro são detestáveis. Você sabe, por fora bela viola, por dentro pão bolorento. Você não é mesmo como os outros garotos.

ELVIS: Não é isso. E que… eu sou gay Eduarda.

Eduarda encara Elvis, completamente atônita.

ELVIS: Por favor, não vai falar nada na escola!

EDUARDA: Ai meu Deus eu não sinto minhas pernas! Gay tipo como? Que gosta de meninos?

ELVIS: Sim.

EDUARDA: Meninos assim tipo você? Homens? Garotos?

ELVIS: Ué, há outro tipo de gay?

EDUARDA: Eu não acredito! Vivemos um momento de escassez de tudo nesse planeta. Já não é só agua que está em falta. Homens bonitos também. Ai meu Deus, que desperdício! Você é gay mesmo? Tem certeza?

Elvis ri bastante.

ELVIS: Calma Eduarda. Eu gosto de futebol, jogo vídeo game, gosto de sair com amigos heteros, nesse sentido pode se dizer que sou, sei lá, um garoto normal se é assim que prefere.

EDUARDA: Normal e gosta de garotos?

ELVIS: Sim. Isso não é um bicho de sete cabeças. Eu nasci assim, gosto de garotos, ué?

EDUARDA: Fecha essa porta. Sua mãe pode ouvir a gente.

Nesse exato momento a mãe de Elvis aparece na porta.

ELIS: Posso ouvir o que? Algum segredo?

Enquanto isso na casa de Diego…

Largado na cama, Diego joga vídeo game. Dona Rosa, avó de Diego, arruma a mochila dele.

ROSA: Diego meu filho não achei sua bombinha na mochila.

DIEGO: Vó eu já falei pra senhora não ficar bisbilhotando minhas coisas!

ROSA: Eu só queria ter a certeza que a bombinha está nas suas coisas. Cabeça de vento como você não existe. Vai que acontece alguma coisa por aí…

DIEGO: Nem vem com história vó. Quer saber se tenho drogas na mochila não é? Não, não tenho.

ROSA: Que bom.

DIEGO: Só debaixo da cama!

ROSA: Engraçadinho. Por precaução vou mandar seu avô vasculhar o que tem debaixo de sua cama amanhã cedo.

DIEGO: Ah, pelo amor de Deus vó.

ROSA: E a bombinha onde está?

DIEGO: Eu emprestei pra um maluco novato lá da escola. Ele esqueceu a bombinha dele e teve uma crise de asma.

ROSA: Sério? Que bom que você estava por perto.

DIEGO: Pois é. Mas da próxima ele pode morrer na minha frente que não vou mover uma palha!

ROSA: É assim que você fala dos seus amigos?

DIEGO: Ele não é meu amigo.

ROSA: Mas depois disso você pode acabar se tornando não é?

DIEGO: Sem chance!

De volta ao apartamento de Elvis… Dona Elis entrou no quarto com um cesto de roupas.

ELIS: E então, ficaram mudos? O que é que eu não posso ouvir?

EDUARDA: Não, nada dona Elis.

ELVIS: A senhora não pode ouvir que seu filho é gay.

Eduarda fica corada de vergonha. Elis solta um sorriso e olha para a expressão desconcertada de Eduarda.

ELIS: Só isso? Meu filho é gay e eu o amo do jeito que ele é.

Eduarda fica sem entender.

EDUARDA: A senhora sabe dele?!

ELIS: Desde sempre. Mãe sempre sabe das coisas. Agora vamos para a mesa que fiz um lanchinho para vocês dois.

Elis sai do quarto. Eduarda ainda está incrédula.

EDUARDA: Cara que barato isso. Sua mãe sabe de você! E pelo visto isso não é problema para ela.

ELVIS: Minha mãe é minha melhor amiga. Sempre contei tudo para ela. Na verdade, sobre esse assunto eu só tive que confirmar o que ela já sabia. Mas Eduarda, por favor, não conta na escola. Sou novato. Não quero que saibam assim de cara. É chato ser alvo de piadinhas, chacotas… Você entende não é?

EDUARDA: Entendo. Mas te aviso uma coisa.

ELVIS: O que?

EDUARDA: Quando as meninas da escola souberem elas ficarão de luto eterno.

Elvis ri sem jeito.

EDUARDA: O tal Pietro é seu namorado então?

ELVIS: Foi meu namorado. Meu primeiro namorado.

EDUARDA: Porque acabou?

ELVIS: Porque ele não está mais aqui.

EDUARDA: Ah, ele ficou em Brasília né?

ELVIS: Não. Faleceu no fim do ano passado.

EDUARDA: Sério?

ELVIS: Sim. Leucemia.

EDUARDA: Cara, meus pêsames.

ELVIS: Obrigado. Sofri muito. Não gosto de lembrar a morte dele. Gosto de lembrar a vida. Quando estávamos juntos… Mas pronto passou.

EDUARDA: Oww meu amor, você está emocionado.

ELVIS: Eu amo muito o Pietro. Muito mesmo. Mas vamos lanchar não quero ficar triste. Minha mãe também sempre fica triste também quando me vê assim. Ela gostava muito do Pietro. Vamos lanchar.

EDUARDA: Ok… Mas só uma pergunta.

ELVIS: Pode fazer.

EDUARDA: Agora que sei que você é gay e ouvi você falando do Diego…

ELVIS: O que tem uma coisa com a outra?

EDUARDA: Você está interessado nele?

ELVIS: Não mesmo. Somente agradecido.

No dia seguinte mais um dia de aula. Na sala do terceiro ano médio, a turma estava em polvorosa na aula da professora Zuleide, a única professora sem pulso firme no Instituto Daniel de La Touche. A turma se sentia vontade para conversar. Diego ainda não tinha chegado à sala de aula. Elvis estava de certa maneira inquieto à espreita da hora que ele cruzaria as portas da sala.

ZULEIDE: O que é apóstrofo?

SAMARA: São aqueles amigos de Jesus que estiveram na Última Ceia!

Enquanto todos riem, a professora desenha um círculo na lousa.

ZULEIDE: Já que está com tanta vontade de participar da aula hoje, me diz o que é isso que desenhei no quadro Samara.

SAMARA: Sei lá, um zero?

ZULEIDE: Isso. Exatamente. E que por acaso é sua nota também.

SAMARA: A senhora não tem senso de humor professora.

Nesse exato momento Diego entra na sala. Elvis estranhamente se sente aliviado.

ZULEIDE: Vinte minutos atrasado Diego.

DIEGO: Boa tarde para a senhora também! Minha avó ligou pra escola e explicou que eu chegaria atrasado, tia.

ZULEIDE: Não me repassaram nada.

DIEGO: Minha vó fez a parte dela.

Ele se senta ao lado de João Pedro como sempre.

ZULEIDE: Vamos dar continuidade à aula.

Zuleide se dirige à Elvis.

ZULEIDE: O novato vai ler o texto da página vinte e cinco em alto e bom tom para toda a turma ouvir.

Elvis se levanta e começa a ler o texto indicado. Diego começa a conversar com João Pedro.

DIEGO: Nem te contei o que esse idiota aprontou ontem.

JOÃO PEDRO: Quem? O Elvis-Que-Não-Morreu?

DIEGO: Ele mesmo. Ontem depois que sai da escola ele me seguiu quando fui dar a surra no Jeremias. Ele tentou me impedir, mas acabou que ele teve uma crise de asma. Jeremias que não é bobo acabou fugindo.

JOÃO PEDRO: O novato tentou impedir que você batesse no Jeremias? Ele já está consciente que assinou a autorização de morte né?

DIEGO: Estou planejando o que fazer com ele. Não quero dar uma surra assim do nada. Quero ferrar ele aqui na escola.

JOÃO PEDRO: Que tal a velha carta anônima? A gente faz um recorte de letras com frases bem imorais e espalha na escola. Depois é só colocar o material na mochila dele e denunciar para o diretor Heitor. O clássico truque nunca falha!

DIEGO: Gostei. Providencie isso parceiro. Vamos ferrar o novato. Quero isso pra amanhã. Seria bom se você conseguisse uma folha do caderno dele, aí ele não tem como escapar.

JOÃO PEDRO: Certo. Copiado chefe!

As aulas do primeiro bloco foram passando uma a uma. A hora foi avançando até chegar o intervalo. Elvis não saiu da sala de aula copiando atividades atrasadas do caderno de Eduarda. Diego entrou na sala, quando viu Elvis hesitou, mas antes que pudesse sair Elvis o chamou.

ELVIS: Diego espera um pouco, quero falar com você. É sobre ontem…

Elvis nem completou a frase e Diego se aproximou rápido e lhe puxou para um canto.

DIEGO: Ontem não aconteceu nada viu? É melhor ficar de bico calado. Não quero que ninguém aqui saiba do que aconteceu ontem.

ELVIS: Mas é que minha mãe.

DIEGO: Não estou nem aí pra sua mãe, cara.

Dando um leve empurrão Diego se afasta de Elvis e sai da sala.

No pátio da escola Diego encontra Daniela. Eduarda fica observando os dois à certa distância enquanto toma água em um bebedouro.

DANIELA: Parece que esqueceu a morena aqui não é Diego?

DIEGO: Impossível esquecer tu morena.

DANIELA: Vai fazer o que hoje a noite?

DIEGO: Até agora não tenho nada marcado. Porque? Vai sugerir algo?

DANIELA: Oito horas meus pais vão para igreja. Vou ficar sozinha em casa. Você poderia passar lá pra gente colocar as conversas em dias.

DIEGO: Poderíamos colocar outras coisas em outros lugares o que acha?

DANIELA: Acho uma boa ideia. Combinado então. Oito horas na minha casa. Só me liga antes ta?

DIEGO: Pode deixar.

Eduarda retorna para a sala de aula. Senta-se ao lado de Elvis.

EDUARDA: Essa Daniela é uma piranha mesmo!

ELVIS: Por que?

EDUARDA: Na maior cara de pau se oferecendo para o Diego ali no pátio. Eu ouvi.

ELVIS: Eles namoram?

EDUARDA: Namorar é uma palavra que não existe no vocabulário da vadia. Desde o final do ano passado que os dois se pegam. Dizem que já transaram até no banheiro da quadra!

ELVIS: Banheiro de escola? Então ela é uma piranha mesmo hein!

EDUARDA: Elvis.

ELVIS: Oi.

EDUARDA: Você já ficou com meninas?

Elvis dá um sorrisinho faceiro.

ELVIS: Sim, claro Eduarda. Até namorei uma.

EDUARDA: Sério?

ELVIS: Seríssimo.

EDUARDA: Mas eu digo “ficar, ficar”. Tipo, ficar… entende?

ELVIS: Sim, eu fiz sexo com ela.

EDUARDA: E porque você é gay?

ELVIS: Dá pra falar baixo Eduarda?

EDUARDA: Porque você é gay então criatura? Não gostou?

ELVIS: Sim gostei. Mas eu sinto atração por homens. Simples!

EDUARDA: Ainda estou inconformada, amigo.

ELVIS: É melhor se conformar hein!

Novamente no canto da sala João Pedro se aproxima de Diego.

JOÃO PEDRO: O Elvis-Que-Não-Morreu não saiu da sala de aula nem para tomar água cara. Não consegui pegar a folha do caderno dele.

DIEGO: Calma, vamos com calma. Não importa o tempo que levar, a gente vai ferrar esse cara.

JOÃO PEDRO: Ah, antes que eu me esqueça, o pessoal do segundo ano vai dar uma festinha hoje na casa do Tadeu do time de futebol. Sete horas. Vamos dar uma passadinha lá?

DIEGO: Não dá. Já marquei de fazer aquela visitinha na casa de Daniela hoje.

JOÃO PEDRO: Vão matar a saudade é?

DIEGO: Mais do que isso parceiro.

Os dois riem.

DIEGO: O chato é que depois da última aula ainda vou ter que ficar para pintar esse muro. Se não fosse isso eu até toparia dar uma passadinha na festa. Mas se for fazer isso vou chegar atrasado à casa dela.

JOÃO PEDRO: Boa sorte no muro amigo.

O tempo continua a passar… E as aulas uma a uma também passam.

Fim do último tempo. Todos os alunos vão para suas casas, menos Diego que foi para a quadra esperar o diretor Heitor e Elizabete. Diego estava de cabeça baixa olhando pro celular quando os dois se aproximam com baldes de tinta e pincéis de rolo.

HEITOR: Bom meu caro Picasso, eis a tinta. Eis o muro. Eis o pincel. Já viu que o muro é grande não é?

DIEGO: Nem me fale. Isso é um absurdo da parte de vocês.

HEITOR: Absurdo é você em pleno século XXI chamar um colega de macaco.

DIEGO: Acho que o senhor já pode parar de jogar isso na minha cara se quiser. Obrigado.

ELIZABETE: Não seja agressivo com a gente. Fomos bondosos. Como o muro é muito extenso, dividimo-lo em três trechos. Pinte um por dia e até a sexta-feira você tem terminado.

DIEGO: O que?!

HEITOR: Você não vai pintar esse muro todo hoje não é? Daqui a pouco a noite está caindo.

DIEGO: Só vou pintar hoje. Depois providenciem um pintor.

ELIZABETE: Lembra-se do acordo de Jeremias não é?

DIEGO: Que saco diretor!

HEITOR: Nem pense em fugir do serviço. Jarbas, o vigia, está no portão. Quando terminar chame-o e ele guardará o material. Do mais só posso desejar que você tenha um bom trabalho e pense muito no que fez.

DIEGO: Ah sim. É claro que vou pensar querido diretor.

Elizabete e Heitor saem. Diego começa a abrir a tampa das latas de tinta. Não tem a menor noção de como começar a fazer aquilo. Todos já estavam em casa e ele ali trabalhando. Ao pensar nisso uma tristeza lhe passou pelos sentimentos. É possível até afirmar que uma faísca de arrependimento passou por seu coração, mas claro, ele logo se desfez desse sentimento. De repente ele ouve passos… Foi Elvis apareceu do nada.

ELVIS: Desculpa se eu estiver atrapalhando.

DIEGO: Ah não! Você de novo cara? O que foi? Veio rir de mim? Ninguém está sabendo disso na escola, se alguém ficar sabendo eu já sei que foi você…

ELVIS: Nem se preocupe cara. Apesar de você ter me destratado mais cedo, eu fazia questão de lhe devolver isto.

Elvis devolve a bombinha.

ELVIS: E apesar de não ligar, como deixou claro, eu e minha mãe ficamos gratos pelo que fez. Eu poderia ter morrido se não tivesse feito aquilo.

Fica um silêncio entre os dois por alguns segundos. Elvis continua de braço estendido entregando a bombinha. Diego, segundo depois, recebe.

ELVIS: Obrigado.

Diego não responde. Mais um instante de silêncio quando nesse interim ele observa uma embalagem na bolsa de Elvis.

DIEGO: GTA?

ELVIS: O que?

DIEGO: Na sua bolsa.

ELVIS: Ah sim!

DIEGO: Você joga GTA?

ELVIS: Meu vício particular. Mais que um vício. Quase me prejudicou na escola em Brasília. Você joga também?

DIEGO: Cara eu me amarro. Sou “viciadão”. Mas minha avó derrubou o console da mesa e acabou quebrando uma peça de dentro do aparelho. Aí já era.

ELVIS: Cara agora sim deu pena de você.

Diego solta um sorriso breve, mas se contém, fazendo-se de durão.

ELVIS: Se você não fosse demorar aí eu lhe convidaria para ir jogar um pouco comigo lá em casa. Você topa? Uma forma de agradecimento, talvez.

DIEGO: É, pode ser. Não sei, vou ver aí. Se depender do trabalho que tenho fazer todo dia depois da aula, pode ser que semana que vem a gente jogue isso aí beleza? Mas você está vendo o tamanho do muro? Tenho que pintar um trecho de mais ou menos dez metros por dia.

Elvis observa o muro. Olha para os baldes de tinta. Por fim olha para Diego.

ELVIS: Ainda bem que não são as Muralhas da China.

Os dois riem. Em seguida, Elvis arregaça as mangas da blusa, pega um rolo, encharca na tinta e começa a pintar o muro.

ELVIS: Eu ajudo você.

DIEGO: Cara não precisa.

ELVIS: Quer ou não jogar comigo? Desafio se você é melhor que eu!

DIEGO: Eu poderia te dar uma surra…

Elvis fica pálido.

DIEGO: Mas vou deixar isso para o jogo. Desafio aceito.

Diego pega outro rolo e começa a pintar. Os dois começam a pintar juntos ao muro. A conversa é regada com muito papo sobre vídeo game. E assim os dois nem vê o tempo passando… Mas o tempo passa. Quando se deram conta já haviam pintando um pouco mais do estipulado pelo diretor. Pelo horário, Diego calculou que poderia ir à casa de Elvis jogar uma partida de GTA e depois ir para casa de Daniela. Assim ele fez. Os dois pegaram um taxi. Uma garoa começava a cair. Em 20 minutos Elvis chegou a casa na companhia de Diego.

ELVIS: Pode entrar.

DIEGO: Você mora com quem?

ELVIS: Com minha mãe.

DIEGO: Só vocês dois?

ELVIS: Uhum. Porque?

DIEGO: Um apartamento imenso só para duas pessoas?

ELVIS: Minha mãe gosta de espaço. E eu também.

Elvis leva Diego para o quarto. Diego fica maravilhado com a TV imensa que Elvis tem no quarto bem alinhado com a cama. Fora a decoração com personagens de mangás famosos como Goku, Naruto e Cavaleiros do Zodíaco. O quarto de Elvis era o quarto dos sonhos de Diego.

DIEGO: Esse é o lado bom de ser filho único não é?

ELVIS: Nem tanto, às vezes me sinto sozinho.

DIEGO: Cara coloca logo esse jogo. Estou louco pra jogar. E com uma TV dessas!

Elvis ri.

ELVIS: Não quer comer nada?

DIEGO: Se você trouxer, eu não vou recusar.

ELVIS: Vou buscar algo pra gente comer.

Elvis vai até a porta e volta.

ELVIS: Você não quer tomar um banho cara? Você está bem cansado e suado.

DIEGO: Não, pode deixar. Eu banho em casa. Posso colocar o jogo logo?

ELVIS: Sinta-se à vontade.

A hora que se seguiu, após lancharem, os dois ficaram jogando vídeo game. Riram muito e se divertiram como se conhecessem a muito tempo. Diego começava a mudar de ideia sobre Elvis. E Diego só estava confirmando o que já desconfiava: Diego não era aquele monstro todo que falavam. A garoa se transformou em uma tempestade torrencial sobre a cidade de São Luís. E quando Diego se deu conta já passava da hora que ele tinha marcado com Daniela.

DIEGO: Cara são nove horas!

ELVIS: Qual o problema?

DIEGO: Eu tinha um compromisso. Daniela vai me matar!

ELVIS: A Daniela que estuda com a gente?

DIEGO: Ela mesma.

O celular de Diego toca.

DIEGO: É só falar no diabo…

Ele atende.

DANIELA: Valeu pelo bolo que me deu Diego.

DIEGO: Dani desculpa. Ainda posso ir?

DANIELA: Só se quiser vir orar com meus pais. Eles já chegaram em casa.

DIEGO: Cara desculpa mesmo. Mas nem vi o tempo passando… E essa chuva então!

DANIELA: Você está onde?

DIEGO: Hum… Depois eu falo com você sobre isso.

DANIELA: Está com outra?

DIEGO: Não mesmo. Sem drama Daniela. Depois a gente conversa.

Daniela desliga o celular. Diego balança a cabeça negativamente.

ELVIS: Vocês namoram?

DIEGO: Só ficamos. Nada sério. Puta que pariu cara! Como eu vou voltar pra casa nessa chuva?

ELVIS: Pelo visto essa chuva não vai parar agora. Você tem dinheiro pra taxi?

Diego diz que não com a cabeça.

ELVIS: Estou sem dinheiro aqui. Mas pode ficar se quiser. Pode até dormir aqui.

DIEGO: Não, não posso. Nem conheço você direito. Vou me sentir um intruso. Já vim na sua casa, comi coisa boa e ainda estou jogando no seu vídeo game.

ELVIS: Se quiser ficar não tem problema. Pelo menos a gente está se divertindo.

DIEGO: Vou esperar a chuva passar um pouco.

ELVIS: Enquanto isso mais uma jogada de GTA!

Os dois jogam novamente. O tempo passa. A mãe de Elvis chega a casa. Elvis a apresenta a Diego e dona Elis deixa Diego super à vontade. Dona Elis é uma mãe muito jovem e moderna. No curto momento que conversou com eles, Diego se sentiu em casa. Ele viu uma diferença enorme entre sua família e a família de Elvis. Foi se tornando gostoso ficar ali. O tempo passou, mas a chuva não.

DIEGO: Já são onze horas e a chuva nada de passar.

ELVIS: Seus pais não vão ficar preocupados?

DIEGO: Eles estão no exterior. Eu moro com meus avós.

ELIS: Eu posso chamar um táxi para você Diego. E não se preocupe, eu pago.

DIEGO: Não, pode deixar eu vou dar um jeito de voltar pra casa.

ELIS: Eu poderia te levar em casa, mas você teria que me guiar, eu não conheço muito bem São Luís. Onde você mora?

DIEGO: É muito longe daqui tia. Araçagy, você voltaria bem tarde. E uma viagem de táxi ficaria uma fortuna.

ELVIS: Você ainda nem avisou seus avós não é?

DIEGO: Meu celular descarregou.

ELVIS: Liga do meu.

Diego liga para os avós.

DIEGO: Vó?

ROSA: Diego? Onde você se enfiou garoto? Quer matar seus avós de preocupação?

DIEGO: Vó estou na casa de um… Cara da escola.

ROSA: Como você vai voltar nessa chuva?

DIEGO: Não sei. Queria pegar um taxi, mas estou sem dinheiro.

ROSA: O dinheiro que eu tinha em casa eu gastei pela tarde pagando umas faturas…

ELVIS: Diego você pode dormir aqui. Sem problemas. Eu tenho um colchão de ar.

DIEGO: Vó, ele está dizendo que posso dormir aqui.

ROSA: Se ele está te convidando e não tem outra maneira de você vir pra casa, tudo bem.

DIEGO: Então vou dormir aqui. Eu volto cedinho pra casa.

ROSA: Tudo bem então. Deus te abençoe. Boa noite. E se comporte igual gente na casa dos outros, viu?

DIEGO: Tá vó, boa noite.

Diego desliga e devolve o celular.

DIEGO: Obrigado.

ELIS: Agora você tem que tomar um banho né?

DIEGO: Acho que preciso.

Ele ri sem jeito.

ELIS: O Elvis tem roupas limpas e cuecas novas, se precisar pode usar. Vou buscar uma toalha e sabonete para você.

Elis sai.

DIEGO: Ela não vai falar nada mesmo?

ELVIS: Você esqueceu que ela sugeriu isso mais cedo? Vou só avisar. Pode ir tomar banho.

Diego toma banho. Depois de banho tomado e jantarem eles retornam para o quarto. Diego senta na cama vestindo uma camisa com estampa de Homer Simpson. Elvis enche o colchão de ar.

DIEGO: Cara pode deixar que eu encho o colchão.

ELVIS: Não, tranquilo. Eu encho.

DIEGO: Mas eu que vou dormir nele.

ELVIS: Não. Você é meu convidado. Vai dormir na cama. Eu durmo no colchão.

DIEGO: Cara eu já estou abusando da tua boa vontade. Deixa que eu durma no colchão de ar.

ELVIS: Só se você dormir comigo, porque eu já falei, eu durmo no colchão.

DIEGO: Tudo bem então, vai. Eu durmo na cama.

Os dois ficam em silencio por alguns segundos. Elvis se esforça bombeando o colchão de ar.

DIEGO: É, até que você é um cara legal.

ELVIS: Obrigado. É, você também.

DIEGO: Não é todo mundo que é assim comigo. Na verdade as pessoas tem medo de mim.

ELVIS: Você não é tão ruim assim.

DIEGO: Porque você diz isso?

ELVIS: Porque você joga GTA!

Diego ri.

ELVIS: E porque tenho outros motivos para acreditar que você não é tão ruim assim.

DIEGO: É porque você nem me conhece direito ainda. Por isso está falando isso.

ELVIS: Ok. Então deixa eu te conhecer melhor…

“Eu mal podia acreditar que Diego estava sentado na minha cama, vestindo minha camisa do Homer Simpson! Ele agora parecia tão inofensivo, indefeso… Diego estava completamente despido daquela ‘máscara’ de menino mal. Eu o olhei com outros olhos. Mas estava tendo dúvidas de que olhos eram esses que agora olhavam para ele muito além de uma piedade. Era um carinho, sei lá. Na verdade eu queria abraçar se ele deixasse. Não planejei aquela noite para me aproveitar, nem tão pouco tenta-lo, ou qualquer coisa do tipo. Foi algo inesperado que aconteceu. Algo preparado pelo destino, que parecia querer apressar e me mostrar alguma coisa. Ele deitou na cama e eu no colchão de ar. Começamos a conversar… Diego começou a falar coisas que eu acho que ele não falaria assim com tanta abertura nem para um psicólogo. A noite só estava começando…”

(Trecho do diário de Elvis Braga)

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