Filho Amado

Capítulo 1 – Filho Amado

Filho Amado.

 

Capítulo 01.

 


 

1984. Sala da prefeitura de Vila Varzeônica.

 

Chico Branco lê um jornal, parece abismado: Meu Deus, como esse novato pode se referir a mim como “ figura antiquada e ultrapassada”? É muito ousado mesmo!

 

José está sentado: Por isso que eu acho que ele vai ganhar, Chico, apesar de ser novato ele está nos detonando nos jornais. E eu…

 

Chico se levanta: VOCÊ vai ganhar essas eleições, você tem um referencial, Zé: Eu! O povo me adora, tanto que eu fiquei mais de 20 anos na prefeitura e só estou saindo do cargo por causa da minha idade avançada- Ele abraça o sucessor- E você, Zé, você tem a jovialidade que o povo gosta, tem novas idéias e um potencial incrível. O Bravejo é de um partido novo, ninguém dá créditos a ele, você vai ganhar essas eleições, Zé, eu afirmo com toda a certeza!

 

Casa dos Dávila/ Cozinha.

 

Anna ferve o leite: E é por isso que eu quero que os dois se comportem, o Coronel Bravejo vai vir almoçar com a gente e ele é muito educado, quero os dois bem comportadinhos, principalmente você, Noronha.

 

Noronha: Eu? Não fui eu que espirrei vinho naquele jantar lá com o deputado, ano passado.

 

Éssio, revoltado: Foi um acidente, você vê maldade em tudo.

 

Anna: É verdade, Noronha, você é muito maldoso, culpa desses livros que fica lendo o dia inteiro. O Éssio não fez por querer- Ela serve o café da manhã para os dois filhos- Diferente de você, o Éssio fica quieto quando os adultos estão conversando.

 

Noronha se explica: Eu só me intrometo porque gosto de dar a minha opinião.

 

Anna, estressada: Opinião, garoto?Você tem 10 anos nem sabe o que é…Deixa pra lá, para de conversar asneira e toma logo esse leite pra ir logo pra escola.

 

Éssio: E qual vai ser a sobremesa do almoço, mamãe?

 

Anna mexe na dispensa: Pudim, a sua sobremesa favorita, Éssinho.

 

Noronha, bravo: Mas você sabe que eu não posso comer pudim, mãe! Ao invés de fazer goiabada ou qualquer coisa…

 

Anna: É bom que você nem come sobremesa, tá comendo muito doce ultimamente, fica andando com aquele gordo lá, o Bruno filho do dono da fábrica de sabão, e ele te enche de bala.

 

Noronha: Claro que…

 

Anna: Vai logo pra escola, Noronha!

 

Escola Estadual Professor Jandiro de Nóbrega.

 

Noronha, Aurora e Bruno fazem um trabalho escolar no pátio.

 

Bruno aponta o lápis: Dez, dez na certa, ou então vai ser muita injustiça, esse cartaz ficou lindo!

 

Noronha: Porque a Aurora pintou, se você você que tivesse pintado iria ficar parecido com um desenho de alguém da pré-escola, Bruno.

 

Bruno, revoltado: Claro que não, você só fala isso porque gosta da Auror..- Mas Noronha tapa sua boca.

 

Noronha: O trabalho está ótimo, agora vamos colocar os nossos nomes você primeiro, Aurorinha, quero dizer, Aurora.

 

Aurora: Claro…- Ela está escrevendo quando uma bola atinge o cartaz, o destruindo inteiro.

 

Bruno, indignado: QUEM FOI O INFELIZ?

 

Todos do pátio apontam para Éssio.

 

Noronha observa o sorriso estampado na cara do irmão: Foi de propósito…

 

Éssio, querendo rir: Não…Desculpa irmão, foi sem querer!

 

Aurora, chateada: O campo de futebol é pra lá, Éssio, olha só, a gente demorou dias pra fazer isso e você estraga tudo!

 

Éssio debocha: Façam outro!

 

Noronha, explodindo: FAÇAM OUTRO? ESSE TRABALHO ERA PRA HOJE E NÓS DEMORAMOS TANTO PRA FAZE-LO QUE VOCÊ NEM IMAGINA, SEU IDIOTA!

 

Éssio, bravo: Do que você me chamou?

 

Noronha: Idiota, eu não sei se você sabe o significado dessa palavra, com a inteligência que tem…

 

Éssio, fulminando: Ora, seu…- Ele parte para cima do irmão e os dois começam uma briga, logo atraem a atenção de todos da escola.

 

Aurora, desesperada: Parem, parem os dois, essa troca de socos não vai trazer o nosso projeto de volta!

 

Bruno incentiva: Vai Noronha, dá um soco nesse nariz e achata ele, vai!

 

Aurora o repreende: Vai separar os dois, Bruno, briga não é coisa boa!

 

Bruno não concorda: É boa sim, principalmente com sangue, e fazia tempo que não tinhamos uma briga assim aqui!

 

Casa dos Dávila/ A campainha toca/ Anna sai em prontidão para atender, vê a inspetora da escola com Noronha de um lado e Éssio do outro, os dois sujos e machucados.

 

Anna, arrasada: Meu Deus, o que foi isso?

 

Inspetora: Eles brigaram dona Anna Maria, foi tão sério que tive que trazer eles aqui, os dois brigaram por causa de…

 

Anna interrompe: Obrigado, inspetora- E se curva para eles- Noronha, eu aposto que você provocou isso tudo, vai pro quarto, agora!

 

Noronha, revoltado: Você não vai querer nem ouvir a história? Foi esse traste que começou!

 

Anna estapeia o filho: Não chame o Éssinho assim!

 

Inspetora: Na verdade, dona Anna, foi o Éssio que começo…

 

Anna interrompe: Eu já disse, muito obrigado por ter vindo aqui, agora volte para a escola ou você pode perder o dia de trabalho e ficar sem seu precioso salário, deixe que dos meus filhos eu sei cuidar- Ela bate a porta na cara da inspetora—Vai logo tomar banho e ficar de castigo no quarto, Noronha, AGORA.

 

Noronha, indignado: Por quê você nunca escuta o meu lado da história? O Éssio destruiu um trabalho meu, pergunta pro Bruno, pra Aurora, ou pra qualquer um que estava lá, ele jogou a bola de propósito no cartaz!

 

Éssio mente: Claro que não, ele está tentando me encriminar, mamãe. Eu estava jogando futebol no meu canto, aí ele veio e tomou a bola de mim e jogou no próprio cartaz, dizendo que “ não estava bom o suficiente”!

 

Anna passa a mão na cabeça do filho: Eu sabia, o Noronha é bem dessas coisas mesmo, critico demais, nunca satisfeito, e ainda tenta encriminar o irmão e chama ele de traste. Traste é você, Noronha! Vai pro seu quarto agora, você não vai almoçar!

 

Noronha bate o pé no chão: Você vai acreditar nele, mãe? Você prefere acreditar nele do que em mim e na própria inspetora da escola?

 

Anna justifica: Aquela inspetora é uma falsa, agora não discute e vai logo!- Ela não percebe que Éssio está sorrindo maldosamente.

 

Noronha, chorando: É a segunda vez que você me deixa sem comer, você acha que me matando de fome vai resolver alguma coisa?

 

Anna o agarra pelo braço: Não discute comigo, seu infeliz.

 

Éssio completa: E ele ainda me chamou de idiota, mãe, pra me humilhar, eu, que nunca fiz mal pra ele!

 

Anna apoia o filho: Mas pode deixar, Éssio, o idiota aqui é ele. É ele.

 

Um pouco depois…

 

Bravejo se levanta, a mesa da casa está cheia: Eu quero somente um pouquinho da atenção de todos, amigos, queria agradecer a Anna e ao Bento por esse almoço divino, vocês que sempre me apoiaram e são como uma família para mim já que meu vice, Leopoldo, é irmão do dono da casa, enfim…Queria fazer um brinde a minha vitória politica e ao progresso de Vila Varzeônica!

 

Bento, feliz: Um brinde então, Coronel- Todos brindam.

 

Leopoldo repara: E cadê o Noronha, ele não está em casa?

 

Bento bebe: É isso mesmo que eu ia falar, cadê o Noronha, Anna?

 

Anna, sem encarar ninguém: Está no quarto, deixei ele sem almoçar porque ele se envolveu em uma briga com o Éssinho.

 

Bento, sem querer acreditar: Você deixou ele com fome, Anna Maria?

 

Anna minimiza: Só pra ele aprender mesmo, não começa com drama…

 

Éssio solta: Ele é um idiota!

 

Bento, com raiva: Isso é jeito de tratar o seu irmão, Éssio Dávila?

 

Éssio ri: Mas a própria mamãe disse que ele era um idiota.

 

Bento, chocado: Isso…Isso é verdade, Anna?

 

A mesa e repente fica calada, Anna sai sem responder.

 

Bravejo, sem jeito: Bom, então vamos continuar comendo, gente! Esse peixe aqui está uma delicia.

 

Leopoldo, animado: Eu vou falar com o Noronha, eu tinha um convite para fazer pra ele mesmo.

 

Bento, ainda sem reação: Eu vou com você, irmão, podem se servir a vontade, pessoal- Os dois saem.

 

Quarto de Noronha. Ele está deitado na cama, chorando quando Leopoldo e Bento entram.

 

Bento: Meu filho, seu tio quer falar com você…

 

Noronha escorre as lágrimas: Oi, tio, quanto tempo, o que você quer comigo?

 

Leopoldo se senta na cama e o acaricia: Eu vim te fazer uma proposta, porque eu sei o quanto você é corajoso!

 

Noronha, sem entender: Proposta? É pra eu distribuir panfleto no dia da eleição?

 

Leopoldo ri: Não, é algo bem melhor, eu e o Bravejo precisamos de uma criança que segure a bandeira do Brasil enquanto o hino é cantado depois que o prefeito for eleito na semana que vem…Caso o Bravejo ganhe você seguraria a bandeira, precisa de coragem porque você vai estar de frente com Vila Varzeônica inteira, você sabe que na apuração toda a cidade se reune na praça.

 

Noronha, animado: Eu sei…

 

Leopoldo: E então, você topa?

 

Noronha abraça o tio: Claro, tio, e pode deixar que não vou fazer feio…Pelo menos alguém me acha especial nessa família.

 

Bento quase chora ao ouvir aquilo: Filho, depois eu converso com você sobre o episódio da briga, agora vem almoçar, eu nunca te deixaria de fora de um almoço.

 

Noronha se levanta e acompanha os dois, Anna observa os três de longe, rancorosa.

 

Anna, fria: Ah, sempre consegue se livrar dos castigos…

 

Na mesa…

 

Éssio, revoltado: Mas o Noronha é velho pra ser hasteador de bandeira, ele tem 10 anos, e eu tenho 8, sou ideal!

 

Coronel Bravejo: Que eu saiba não tem limite de idade para ser hasteador, não é, Leopoldo?

 

Leopoldo concorda: Isso mesmo, nós já decidimos, o Noronha vai ser o hasteador. Amanhã eu te trago uma bandeira pra você treinar.

 

Noronha come rápido, por ter fome: Obrigado, tio.

 

Éssio fica enraivado.

 

Alminha, tia dos meninos e irmã de Bento e Leopoldo, se levanta: O almoço estava divino mesmo, mas tenho que ir, hoje estou cheia de clientes querendo saber seus futuros. Beijinho pra todos- Ela sai, apressada, no corredor cruza com Anna.

 

Anna, deprimida: Já vai, Alminha?

 

Alminha repara: Vou sim…O que aconteceu, cunhada, porque a deprimência se o sol está raiando hoje!?

 

Anna se levanta e dá uma chacoalhada na cabeça: Não estou deprimida, era uma besteira mas passou. Sabe o que é, Alminha, eu queria ter uma sessão com você!

 

Alminha, animada: Jura! Então vamos, minha primeira cliente só chegará em meia hora e minha casa, você sabe, não fica muito longe.

 

Casa de Alminha/ Sala das consultas dela.

 

Alminha passa a mão pela bola de cristal, fecha os olhos e se concentra, a sala é escura: Bom, Anna, aqui diz que o futuro do Éssio é ótimo, na verdade eu não consegui ver muita coisa, tem uma mancha negra depois de um certo período.

 

Anna, preocupada: Uma mancha negra? O que pode significar isso?

 

Alminha ameniza: Nada demais, mas se ela se espalhar, a história é outra…- Ela abre os ólhos- Bom, você já viu o futuro do Éssio, do Bento, o seu…Falta o do Noronha, vai querer ve-lo?

 

Anna, emburrada: Tanto faz, estou mais preocupada com essa mancha, mas pode ver o futuro dele, se enxergar um lixão ou coisa do tipo eu não vou me surpreender porque aquele imprestáve…

 

Alminha, exasperada: MEU DEUS, NÃO PODE SER!

 

Anna, preocupada: O que foi, Alminha, o que você viu?
Termina o capítulo 01.

Victor Morais

Escrevi as webs novelas Beira-Mar e Filho Amado que foram publicadas no portal. Atualmente escrevo " Ser Humano", que se passa nos anos 80 e trata da relação complicada entre mãe e filha. Drama, emoções, cotidiano, conflitos familiares...Esse é o meu estilo.

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