A Dona da História

A Dona da História – Capítulo 01 “Estréia”

A DONA DA HISTÓRIA

Uma minissérie de:

WESLEY ALCÂNTARA

Personagens deste capítulo:

ALENCAR

BRANCA

EDUARDA

FRANCO

GISELA

ISABEL

LAUREN

LAURO

MARACUTAIA

MIRANDA

MOURIEL

ROMERO

SANTA

TARA


 

Participações especiais:

JUÍZA

EMPREGADA

ADVOGADO

 

 

CENA 01. CAMPO PASTORAL/ EXT./ DIA.

Um enorme gramado plano, de cor verde, no meio do nada. Várias ovelhas brancas pastam pelo local, enquanto uma ovelha de cor mais acinzentada está longe do rebanho, cabisbaixa.

TARA (off./ Narrando) – Muitas pessoas falam em ovelha negra, mas você sabe realmente o que essa expressão quer dizer? Ovelha negra é aquela pessoa renegada em algum aspecto, ou momento em sua vida. Ninguém nasce uma ovelha negra, mas a sociedade, a família e o seu eu interior, acabam te rotulando assim.

CORTA PARA:

CENA 02. NOVA ALIANÇA/ FÓRUM/ FACHADA/ EXT./ DIA.

Imagens de um grandioso prédio, imponente e todo em tijolo de vidro, no alto com o letreiro: FÓRUM. Fluxo natural de pessoas e carros pelo local, clima bastante calmo.

CORTA PARA:

CENA 03. FÓRUM/ SALA DE AUDIÊNCIAS/ INT./ DIA.

Uma grande sala, com uma bancada, onde se encontra a juíza (mulher alta, branca, 48 anos, aspecto sério). Logo a frente, no banco dos réus, está Maracutaia, que é loira, cabelos desgrenhados, sem maquiagem, com uniforme penitenciário, aparentando ter 35 anos. Ao seu lado, de pé, está um policial, negro, forte, alto, 40 anos. E do outro lado, sentado, está um homem, 60 anos, calvo, levemente gordo, vestido socialmente. Não há ninguém na parte destinada a plateia.

O silêncio reina em absoluto, a ré está o tempo todo de cabeça baixa.

JUÍZA – Após analisar as provas evidenciais, o relatório feito pela polícia e interrogando as testemunhas, concluo que a ré Maria da Maracutaia Fernandes é culpada pela morte do comerciante, Ivan Fischer. Tendo como pena, em regime fechado, a reclusão de 18 anos, 9 meses e 1 dia.

Maracutaia levanta sua cabeça, em seus olhos o desespero reina.

MARACUTAIA (gritando) – Não!

Close final em sua boca aberta.

CORTA PARA:

CENA 04. AP BRANCA/ SALA/ INT./ DIA.

Apartamento médio, com paredes em cores escuras e cortinas pretas, assim como o sofá em mesmo tom. O que quebra o aspecto soturno do local é um tapete enorme e branco. Móveis luxuosos, porém, bastante empoeirados.

Duas mulheres adentram ao local, uma senhora, 55 anos, loira, estatura mediana, levemente acima do peso, com cabelo, vestido e maquiagem impecáveis. Já a outra mulher é mais alta, porte físico normal, loira, 35 anos, rosto levemente diabólico, vestindo um conjunto blazer-calça de alfaiataria em estampa de onça.

SENHORA – Graças a Deus aquela assassina vai amargar boa parte da vida no xadrez. Que vire pano de chão das detentas lá.

MULHER (se sentando) – A última coisa que eu quero nessa vida é ver a Maracutaia novamente. Se fazia de minha amiguinha, mal sabia eu, que estava chocando o ovo da serpente. Deitando com meu marido, na minha casa, e pior: na minha cama. Aquela lá não vale nada. Olha, mamãe, eu ainda aturei muito essa vida, se seguisse a sua cartilha, teria era dando uma surra nos dois.

Nesse instante, uma menina, 10 anos, morena clara, cabelo castanho e na altura da cintura, vestindo uma jardineira rosa, entra na sala com um copo de café, ela tropeça e deixa cair em cima do tapete branco.

SENHORA (nervosa) – Eu não acredito nisso, Gisela. O meu tapete marroquino não. Olha só. Derramou café em tudo, que garota desorientada.

GISELA (cabisbaixa) – Desculpa, vovó Branca.

BRANCA – Isso não tem desculpa, aliás, ninguém te chamou aqui na sala. Conversa de adulto, criança não se mete.

Gisela fica parada olhando para a mulher e Branca.

MULHER (a Gisele/ irritada) – Não ouviu a sua avó falar? Vai pra cozinha, pro quarto, pro diabo que te carregue, mas saia da sala, antes que eu mesma te esfregue nesse tapete e você vire uma obra de arte viva e marroquina.

Gisela sai correndo.

BRANCA – Olha, Lauren, tá dose aguentar essa menina. Ela estraga tudo. Semana passada estragou ventilador, ontem queimou minha prancha de cabelo, hoje meu único tapete marroquino. Acho que você deve caçar um canto e ir morar com a Gisela.

LAUREN – E vou me sustentar como, mamãe? Vou vender as roupas do corpo e depois vender meu corpo pra conseguir, né? Eu tô com uma ideia na cabeça, já até sondei uns lugares, acho que farei isso mesmo.

BRANCA – E o que é?

LAUREN – Eu vou colocar a Gisela num abrigo para menores. Não tenho condição de viver com essa menina. Toda vez que olho para ela, sinto uma raiva, um ódio descomunal de mim por ter engravidado.

BRANCA – Se essa é a melhor saída, acho que você tá perdendo tempo em pensar ainda.

Close em Lauren.

CORTA PARA:

CENA 05. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA/ INT./ DIA.

Sala pequena, mas muito aconchegante e levemente em tons de marrom dando um aspecto de vintage, que contrasta com o computador de última geração em cima da única mesa do local. Um homem, 40 anos, cabelos pretos, alto, bonito, porte atlético e aspecto tristonho está sentado de frente para um advogado, 50 anos, negro, baixo, levemente gordo e com óculos. Ele está lendo algumas folhas.

HOMEM (surpreso) – Eu herdei essa quantia toda?

ADVOGADO – Sim, pra dizer a verdade, você é o novo milionário, Romero.

ROMERO – Eu sabia que meu pai tinha muitos bens e uma boa quantia de dinheiro no banco, só não imaginava que era tanto assim. Acho que viver em cidade grande pra mim não dá mais, vou voltar para onde nasci.

ADVOGADO – E você é de onde?

ROMERO – Eu sou de Nova Aliança, uma cidadezinha do interior do Rio de Janeiro. É bucólica, mas muito acolhedora. Como eu não tenho que me preocupar com trabalho, moradia e essas outras coisas, vou para uma cidade onde a qualidade de vida seja melhor.

ADVOGADO – Boa sorte lá.

Romero se levanta e cumprimenta o advogado com um aperto de mãos.

CORTA PARA:

CENA 06. AP. BRANCA/ QUARTO DE GISELA/ INT./ DIA.

Quarto muito pequeno, mas bem angelical, com cores claras e enfeitado com bonecas e ursos. Gisela está brincando de boneca, quando Lauren adentra, com uma caneca em mãos.

LAUREN – Brincando de boneca?

Gisela mostra sua boneca para Lauren.

GISELA – Essa boneca se chama Irene, em homenagem a vovó Irene, mãe do papai.

LAUREN – Mas tanto o seu pai quanto a vovó Irene já morreram, lembra?

Gisela fica triste.

LAUREN – Mas quem te deu essa boneca tão branquinha?

GISELA – Foi o papai, ele disse que essa boneca branquinha era para simbolizar a paz interior. Mãe, o que é paz interior?

LAUREN – Paz interior é o que me faltou desde o momento em que eu descobri estar grávida de você. (t) Agora posso ver essa bonequinha em minhas mãos?

Gisela entrega a boneca para Lauren, que derruba propositalmente todo o café em cima dela.

GISELA (chorando) – Olha o que você fez. Acabou com a minha boneca.

LAUREN – Isso não é nada diante do que você fez agora a pouco com o tapete da sua avó. Essa boneca de pano fedida não vale nada, já o tapete da sua avó vale muita coisa. Você é uma criança estabanada, desajeitada. Tudo na sua mão vira pó, você sabe acabar com tudo. Sabe qual o nome pra isso? Cupim de Ferro. Você não passa de um cupim de ferro.

Lauren se abaixa e fica cara a cara com Gisela.

LAUREN – Agora a paz interior acabou. A-CA-BOU! Vou jogar essa boneca no lixo, o que eu deveria estar fazendo com você.

Lauren sai do quarto com a boneca e Gisela começa a chorar.

CORTA PARA:

CENA 07. PENITENCIÁRIA/ FACHADA/ EXT./ DIA.

Imagens de um grande e alto muro branco, com um portão de ferro ao meio. Acima do muro, há cercas de arame e cacos de vidro.

LETREIRO: DIAS DEPOIS…

Diálogo da cena posterior.

MOURIEL (off) – Vim saber como você está.

MARACUTAIA (off) – Tô péssima né, não tem como estar pior. Condenada e presa por um crime que eu não cometi.

CORTA PARA:

CENA 08. PENITENCIÁRIA/ SALA DE VISITA/ INT./ DIA.

Em uma sala apertada e de pouca iluminação, Maracutaia conversa com uma senhora loira, muito chique, 55 anos, estatura mediana. Uma está de frente para a outra.

Diálogo prossegue:

SENHORA – Como assim, não foi você?

MARACUTAIA – A Lauren é a verdadeira assassina do Ivan, você pode não acreditar dona Mouriel, mas ela deu golpe de mestre, porque aquela arma estava com as minhas impressões digitais, e ela sabia.

MOURIEL – Tô achando essa teoria surrealista demais.

MARACUTAIA – Você pode não acreditar em mim, até porque, há contrapontos imensos, mas a Lauren é uma estrategista, ela não dá um passo em falso, cada ato dela é minuciosamente arquitetado. Eu se fosse você, ficaria de olho aberto nela.

MOURIEL – Essas acusações são graves demais, Maracutaia. Tem certeza do que está dizendo?

MARACUTAIA – Pensa comigo, dona Mouriel, eu já estou sentenciada a passar boa parte da minha vida vendo o sol nascer quadrado, o que eu ganharia culpando a Lauren, se isso não fosse verdade?

Close em Mouriel pensativa.

CORTA PARA:

CENA 09. AP. BRANCA/ SALA/ INT./ DIA.

Branca está sentada no sofá lendo um jornal, quando Lauren passa pela sala em direção à saída, com trajes de ginástica.

BRANCA – Parada aí mesmo mocinha.

LAUREN – Falou comigo?

BRANCA – Não querida, tô falando com a alma da Hebe Camargo, que está sentada aqui no sofá. Mas é claro que é você.

LAUREN – Então diga dona Branca Godoy, mas fale rápido, tô quase na hora do meu spinning.

 Branca vira o jornal para Lauren, mostrando a foto de Romero.

LAUREN (sem animação) – O que tem esse homem feio?

BRANCA – Esse é o Romero Castilho de Almeida, minha filha. Tava eu aqui lendo o meu jornalzinho, quando me deparo, na coluna social com ele. O homem tá podre de rico, solteiro solitário e vindo morar aqui em Nova Aliança, é mole ou quer mais?

LAUREN – A senhora tá insinuando que eu…/

BRANCA – Que você deva se jogar pra cima dele, deva laçar esse homem, como se laça um touro. Ele é a sua última esperança, Lauren, acorda.

LAUREN – Mas pra isso eu não posso ter uma filha, certo?

BRANCA – Põe essa garota num abrigo pra menores logo. Aproveita que você tem seus contatos por lá e faça isso.

Close em Lauren pensativa.

CORTA PARA:

CENA 10. MANSÃO SIMPSON/ PISCINA/ EXT./ DIA.

Mouriel está sentada a beira da enorme piscina azul de sua casa, falando ao celular.

MOURIEL (ao cel.) – Mas é claro que eu fiquei feliz com a sua volta, meu querido. Não é a toa que eu tive uma ideia fantástica. Vou montar uma festa pra você, um jantarzinho, simples, só para os mais chegados mesmo, aliás, você precisa se enturmar com o povo aqui de Nova Aliança. Deixa comigo, amanhã esse jantar sai na mais perfeita harmonia, cola em mim que é sucesso. Beijos.

Mouriel desliga o celular.

MOURIEL (gritando) – Santa, minha querida, venha cá!

Santa aparece, vestida com uniforme de empregada.

SANTA – Pois não, dona Mouriel.

MOURIEL – Liga praquele bufê maravilhoso, aquele que sempre faz os eventos do prefeito, e pede um cardápio para um jantar, é urgente.

SANTA – Sim senhora!

Santa sai.

MOURIEL – Nada como bons amigos.

Mouriel mergulha na piscina.

CORTA PARA:

CENA 11. AP. BRANCA/ QUARTO DE GISELA/ INT./ DIA.

Gisela está colocando suas roupas em algumas sacolas de plástico. Está com um olhar muito triste.

GISELA (PRA SI) – Eu não vou ficar mais nessa casa. Sem o meu pai, eu prefiro sumir no mundo.

Gisela continua colocando suas roupas em sacolas, quando Lauren aparece.

LAUREN – Que isso, tá arrumando seu armário agora?

GISELA (triste) – Não.

LAUREN – Então o que é?

GISELA – Tá na cara que você não me suporta, mãe.

LAUREN – Enfim, nós chegamos a um acordo.

GISELA – Eu vou embora dessa casa, pra mim não dá mais, acabou.

LAUREN – Ah, e vai morar onde? Embaixo da ponte? E vai comer o que? E vai vestir o que? Em dias frios, vai se cobrir com o que? Acorda garota, isso daqui não é o filme da Pequena órfã, não. Estamos na vida real, te enxerga e para de bagunçar esse guarda-roupas. Agora trata de colocar tudo no lugar, se não quiser levar uma coça de vara.

GISELA – Eu não vou guardar, mãe. Eu vou embora, já disse.

LAUREN – Isso é o que nós vamos ver.

Lauren sai do quarto e tranca Gisela lá. Gisela começa a bater na porta do quarto.

GISELA – Me tira daqui, mãe, por favor! Eu não quero ficar presa, por favor, me tira!

Gisela continua batendo na porta, insistentemente.

CORTA PARA:

CENA 12. RUAS/ EXT./ DIA-NOITE.

(Música “Ovelha Negra” – Rita Lee). Transposição do dia para a noite, com imagens de carros e pessoas passando pelas ruas.

CORTA PARA:

CENA 13. AP. BRANCA/ SALA/ INT./ NOITE.

Branca está sentada no sofá, falando ao telefone. Lauren aparece.

BRANCA (ao tel.) – Tá bem querida, nós iremos sim, pode contar com a nossa presença. Beijo.

Branca desliga o telefone e continua empolgada e sorridente.

LAUREN – O que foi mãe? Ganhou na loteria?

BRANCA – Eu não, mas você sim. Sabe quem acabou de me ligar?

LAUREN – O cardiologista, dizendo que a sua pressão arterial tá controlada.

BRANCA – Sem gracinha, Lauren. A minha amiga, Mouriel Simpson, acabou de me ligar, nos convidando, para um jantar na mansão dela, para recepcionar o novo morador da cidade: o milionário Romero Castilho de Almeida.

Lauren fica surpresa.

BRANCA – Pode ficar assim mesmo, eu também fiquei chocadérrima quando soube. Enfim, amanhã a noite será o momento crucial.

LAUREN – Eu preciso traçar uma estratégia, mamãe. Preciso fisgar esse milionário e ter vida mansa o resto da vida.

BRANCA – Amanhã, ou você compra sua passagem para o mundo dos ricos, ou então, pode arrumando um emprego como faxineira da Mouriel. Seja ligeira, pois deve ter várias taradas atrás desse pote de ouro.

LAUREN – Guarda uma coisa, mamãe: Esse Romero será meu marido, ou não me chamo Lauren Godoy Fischer.

Close em Lauren, muito convicta.

CORTA PARA:

CENA 14. MANSÃO SIMPSON/ SALA DE JANTAR/ INT./ DIA.

Enorme cômodo com um lustre de cristal bem no meio do teto. Uma mesa em tampo de vidro fumê, com 25 lugares, quadros de ART POP pendurados nas glamurosas paredes em tons de vinho. Mouriel está conversando com os empregados do bufê.

MOURIEL – Olha só, eu quero isso daqui arrumadinho, quero três tipos de entrada, quatro tipos de carne e também pratos vegetarianos. Quero sobremesas de chocolate, morango e algumas diets também.

Nesse instante Santa aparece.

SANTA – Dona Mouriel, a senhora tem visita.

MOURIEL – Mas quem é a essa hora?

SANTA – Branca Godoy.

Mouriel bufa.

CORTA PARA:

CENA 15. MANSÃO SIMPSON/ SALA DE ESTAR/ INT./ DIA.

Sala grande e pomposa. Um enorme sofá com estampa felina bem no meio da sala, em formato de L. Um quadro de 3 metros de altura pendurado na parede, com a foto de Mouriel aos 20 anos. Atrás do sofá, uma enorme escadaria em mármore africano, que dá acesso ao piso superior da casa. Objetos e móveis da sala, todos em cor branca e muito luxuosos. Branca está sentada no sofá, quando Mouriel vem da sala de jantar.

MOURIEL – A que devo a honra dessa visita nas primeiras horas da manhã?

Branca se levanta.

BRANCA – Mouriel minha amiga, desculpa vir tão cedo a sua casa.

MOURIEL – Tão cedo não né Branca, você madrugou aqui na porta. Por um instante achei que estavam servindo a sopa da madrugada aqui na minha sala. Mas acho que você não ouviu bem o telefone ontem, eu disse que era jantar e não café da manhã.

BRANCA – Eu entendi bem, minha amiga. Eu vim aqui, porque, fico até sem graça de falar, mas é que tô…/

MOURIEL (CORTA) – Tá precisada de dinheiro, grana, bufunfa, real, não é isso?

BRANCA – Eu tenho passado por uma situação muito difícil nessa vida, minha amiga. Tô a beira da falência.

MOURIEL – Que falência? Falência é quando se tinha dinheiro e perdeu-se tudo, mas você nunca teve dinheiro. A única coisa que você teve pra esbanjar nessa vida foi arrogância e cambalacho.

Mouriel pega sua bolsa e assina um cheque, e entrega-o para Branca, que sorri.

BRANCA – Obrigada, minha amiga. Eu sei que sempre posso contar com você.

MOURIEL – A única coisa que você quer, Branca, é que o mundo acabe em barranco, pra você morrer encostada.

CORTA PARA:

CENA 16. AP. BRANCA/ QUARTO DE GISELA/ INT./ DIA.

Gisela está deitada na cama, triste. Lauren abre a porta, com uma bandeja contendo um pão e uma xícara de café.

LAUREN (a Gisela) – Vê se come essa merda e para de torrar a minha paciência, que já não é grandes coisas.

GISELA – Deixa eu sair desse quarto, por favor!

LAUREN – Você só sai desse quarto, direto pro inferno.

Lauren deposita a bandeja em cima da cama e sai do quarto, trancando a porta novamente.

CORTA PARA:

CENA 17. AP. BRANCA/ SALA DE ESTAR/ INT./ DIA.

Lauren adentra a sala e vê um belíssimo vestido azul turquesa, estendido no sofá, junto com um colar dourado.

LAUREN (gritando) – Mãe corre aqui na sala.

Lauren se aproxima e começa a admirar a beleza do vestido e do colar. Branca aparece.

BRANCA – Gostou?

LAUREN – São divinos.

BRANCA – São seus agora.

Lauren fica perplexa.

LAUREN – Como assim, meus? Eu não tenho um tostão furado pra poder comprar uma coisa dessas.

BRANCA – Eu comprei e tô te dando de presente.

LAUREN – Você comprou?

Lauren cai na gargalhada.

BRANCA – Hoje cedo, enquanto a madame estava dormindo, eu dei o meu jeito e já comecei a mexer os meus pauzinhos. Fui a casa da Mouriel, peguei um dinheiro com ela.

LAUREN – Você se rebaixou a isso?

BRANCA – Isso não é me rebaixar. Eu tô fazendo um investimento em você, pra conseguirmos ganhar essa grana e esse casamento. Acorda Lauren, cada passo agora, é fundamental e deve ser meticulosamente arquitetado. Não dá pra levar esse jogo pra casa, se for amador. Agora trata de fazer uma limpeza de pele e uma escova nesse cabelo, tem que estar divina logo mais.

Branca sai da sala.

CORTA PARA:

CENA 18. MANSÃO SIMPSON/ FACHADA/ EXT./ DIA-NOITE.

Transposição do dia para a noite com imagens da fachada principal da Mansão de Mouriel, que parece um castelo medieval, em cor cinza e bem rústico.

CORTA PARA:

CENA 19. MANSÃO SIMPSON/ SALA DE ESTAR/ INT./ NOITE.

Planos gerais da sala. Clima muito refinado e agradável, com pessoas em trajes de gala. Mouriel está com um belíssimo vestido vermelho e posando para fotos ao lado de Romero. Música ambiente: Blues.

MOURIEL – Romero, meu querido, é um prazer ter a sua companhia aqui. Eu era muito amiga do seu pai.

ROMERO – O prazer é todo meu, Mouriel. Não tenho como agradecer esse jantar de boas vindas que você organizou pra mim.

MOURIEL – Não foi nada, por mim eu faria uma festa, um feriado nacional. Filhos de grandes amigos tornam-se grandes amigos também.

Romero sorri com simpatia.

Pouco depois, chegam Branca e Lauren. Lauren, especialmente linda com o vestido azul turquesa e o colar. Todos, inclusive Romero, a olham com admiração.

BRANCA (cochichando) – Acho que já conseguimos chegar impactando. Ponto pra gente.

Lauren atravessa a sala, esplendorosa, e vai até Mouriel e Romero, cumprimentando Mouriel com dois beijinhos no rosto.

MOURIEL – Que bom que você veio Lauren, tá divina.

LAUREN – Obrigada, querida, eu agradeço seu convite. É sempre uma honra participar de coquetéis, jantares e reuniões organizadas por Mouriel Simpson.

MOURIEL – Por favor, sem tanta pompa, senão vou achar que você tá ficando igual a sua mãe.

As duas riem.

MOURIEL – Deixa eu te apresentar, esse daqui é Romero Castilho de Almeida, novo morador da cidade e a figura mais ilustre desse jantar, que é em recepção a ele.

Lauren dá dois beijinhos em Romero.

LAUREN – Prazer em conhecê-lo Romero.

ROMERO – O prazer é todo meu, Lauren, você é linda.

LAUREN – Obrigada, mas são seus olhos.

MOURIEL – Vou deixar vocês conversando aqui, e vou atender ao pessoal. Com licença!

Mouriel sai e Romero e Lauren ficam se olhando.

ROMERO – Você aceita uma bebida?

LAUREN – Acho que umazinha não vai me fazer mal, né?

ROMERO – Vou buscar pra gente.

Romero sai e Branca aparece.

BRANCA – E aí?

LAUREN – Esse tá no papo. Agora me passa aquele remédio pra eu colocar na bebida dele.

Branca entrega um pequeno frasco para Lauren, que o guarda dentro do sutiã.

LAUREN – Agora dá o fora, mãe.

Branca sai, e pouco depois Romero chega com duas taças de champanhe.

ROMERO – Gosta de champanhe?

LAUREN – Posso dizer a verdade? Eu odeio.

ROMERO (surpreso) – Jura?

LAUREN – Prefiro uísque, você pega pra mim?

ROMERO – Mas é claro. Segure um instante a minha taça de champanhe.

Romero entrega uma taça de champanhe para Lauren e sai. Lauren olha para os lados, vê que ninguém está a vendo, então ela despeja o líquido do frasco dentro da taça. Pouco depois Romero volta com o uísque.

ROMERO – Aqui está.

LAUREN – Obrigada!

ROMERO – Pelo que vejo, você gosta de emoções fortes, né?!

LAUREN – Eu gosto muito de uísque a noite, de vez em quando, acho uma bebida de personalidade, com muita presença.  E acho que uma mulher forte e autêntica como eu, merece tomar uma bebida a altura, não concorda?

ROMERO – Concordo.

Lauren e Romero brindam e, em seguida, ele toma todo o conteúdo da taça. Lauren vê e sorri.

CORTA PARA:

CENA 20. MANSÃO SIMPSON/ SALA DE JANTAR/ INT./ NOITE.

Romero, Lauren, Mouriel, Branca e outros convidados, estão sentados a mesa jantando. Romero está muito alterado, como se estivesse bem bêbado.

ROMERO (GRITANDO) – Agora, uma rodada de amarula, ao som de Furacão 2000. Quebra tudo DJ.

MOURIEL – Não acho prudente, melhor deixar para um outro dia.

ROMERO – Tá me tirando, Mouriel?

MOURIEL – Não é isso, querido, mas é que…/

LAUREN (CORTA) – Acho que tá na hora da gente ir embora, não é mamãe?

BRANCA – Sim, tá na hora já.

LAUREN – Vamos Romero, eu te deixo em casa.

MOURIEL – Você faria esse favor por mim, Lauren?

LAUREN – Mas é claro. O Romero não está em condições de dirigir, eu tô de carro, deixo em casa.

CORTA PARA:

CENA 21. AP. BRANCA/ SALA/ INT./ NOITE.

Branca e Lauren entram carregando Romero, que está desacordado, e o jogam no sofá.

BRANCA – Jogada de mestre o que você fez.

LAUREN – Pode admitir, a mamãe aqui sabe planejar muito bem, né. Agora é hora de deitar ele na minha cama e tirar toda a roupa.

Lauren e Branca começam a tirar a roupa de Romero.

CORTA PARA:

CENA 22. AEROPORTO/ SAGUÃO / INT./ DIA.

Imenso Saguão com várias pessoas circulam pelo local, em ritmo de embarque e desembarque. Eis que vem um casal, abraçado. Homem alto, loiro, olhos verdes, cabelo curto e levemente ondulado, trajando jeans e camisa preta.

HOMEM – Enfim, nosso amado Brasil.

Mulher, alta, morena, cabelos bem cumpridos, liso e castanho. Corpo muito bem definido num vestido floral.

MULHER (com decepção) – Que pena, estamos novamente em Nova Aliança.

HOMEM – Para de reclamar, Isabel. Eu amo Nova Aliança.

ISABEL – E aqui tem o que? Bolas de feno passando pelas ruas, congestionamento de carroças, brigas pelo valor do litro do leite. Ah poupe-me né Lauro, depois dessa viagem maravilhosa que fizemos as Ilhas Malvinas, voltar pra essa cidade é um retrocesso elementar.

Lauro beija Isabel.

LAURO – O importante é que estamos felizes, sem ciúmes e sem brigas.

Lauro e Isabel continuam caminhando com suas malas.

CORTA PARA:

CENA 23. AP. BRANCA/ QUARTO DE LAUREN/ INT./ DIA.

Quarto vermelho, muito sensual com posters de artistas internacionais e semi nus espalhados pela parede. Lauren e Romero estão deitados na cama redonda, dormindo. Eis que Romero acorda, meio confuso.

ROMERO – Onde eu tô?

Lauren acorda também.

LAUREN – Bom dia, Romero.

Romero se assusta.

ROMERO – O que eu tô fazendo na sua cama? E eu tô pelado. Diz que é mentira?

LAUREN – Foi uma das noites mais prazerosas da minha vida. Não sabia que você tinha tanto apetite sexual assim.

ROMERO (confuso) – Eu não me lembro de nada.

LAUREN – Mas eu, graças a Deus me lembro de tudo, tudinho. Cada posição, cada gemido, cada palavra que você sussurrava ao pé do meu ouvido.

Romero se levanta e começa a vestir sua roupa.

LAUREN – Aonde você vai meu amor?

ROMERO – Eu preciso ir, desculpa. Mais tarde a gente se fala.

Romero termina de vestir sua roupa e sai. Lauren fica rindo.

CORTA PARA:

CENA 24. CASA DE LAURO/ SALA/ INT./ DIA.

Sala simples, bem classe média, apenas com sofá, estante em cor mogno e televisão. Lauro chega e se joga no sofá.

LAURO – Tô morto de fome, e você?

ISABEL – Também tô. Quem vai fazer?

LAURO – Eu não sei cozinhar.

ISABEL – Você tá brincando que eu que vou ter que…/

LAURO – Isso mesmo. Até a gente contratar uma empregada, a pessoa responsável pela casa é você.

Isabel bufa de raiva.

CORTA PARA:

CENA 25. AP. FRANCO/ LOCALIZAÇÃO/ EXT./ DIA.

Imagens de um enorme apartamento, porém deteriorado pelo tempo. Foco na janela do segundo andar.

Diálogo da cena posterior:

LAUREN – Que cara é essa? Vai dizer que não gostou da minha visita?

HOMEM – Claro que gostei, mas é que eu pensei que você fosse vir depois de uns quatro ou cinco meses. Esperar o luto do julgamento.

CORTA PARA:

CENA 26. AP. FRANCO/ QUARTO/ INT./ DIA.

Quarto pequeno, meio sombrio, cama velha e antiga e um guarda-roupas caindo aos pedaços. Lauren está só de lingerie, deitada na cama,  em cima de um homem moreno, 42 anos, cabelos pretos, barbudo, porte físico atlético, muito charmoso.

LAUREN – Que mané luto de julgamento, Franco. Viúvo é quem morre e, aliás, o Ivan já está mais que morto: tá morto, enterrado e no inferno. Porque aquele lá não valia nada. Me traiu com a minha melhor amiga.

FRANCO – Mas você também o traiu, por uns bons anos nós fomos amantes, lembra? Por muitos anos, você tinha que se disfarçar pra entrar aqui e provar do que o moreno brasileiro tem de melhor.

Lauren ri fartamente.

FRANCO – Eu disse alguma besteira?

LAUREN – E quando é que você não diz besteira? Agora chega de falar, eu vim aqui pra fazer outras coisas.

Lauren dá um beijo avassalador em Franco.

FRANCO (meio sem ar) – Calma aí, princesa, tô meio sem ar.

LAUREN – Frouxo. Tem que ter pegada. Pra ser meu namorado, tem que ter pegada. Gosto de muita pegada.

FRANCO (FELIZ) – Então quer dizer que eu sou o seu namorado?

LAUREN – E futuramente será meu esposo. Serei a Senhora Franco Lucci Vaz. Não vejo a hora de jogar esse Fischer na lixeira.

FRANCO (puxando Lauren pra si) – Então vem aqui gostosa. Hoje eu vou dar muito prazer a minha namorada. Só minha, toda minha.

Franco e Lauren começam a se agarrar e a se beijar com muita excitação.

CORTA PARA:

CENA 27. CAMPO PASTORAL/ EXT./ DIA-NOITE.

Um enorme gramado plano, de cor verde, no meio do nada. Várias ovelhas brancas pastam pelo local, enquanto uma ovelha de cor mais acinzentada está longe do rebanho, cabisbaixa, até que um homem chega e a puxa para longe das outras ovelhas, de forma agressiva.

TARA (off./ Narrando) – Nem todo mundo tem a mesma sorte. Dizem que o destino de cada pessoa é traçado antes mesmo dessa pessoa nascer.

Transposição do dia para a noite e da noite para o dia várias vezes.

CORTA PARA:

CENA 28. AP. BRANCA/ QUARTO DE GISELA/ INT./ DIA.

Gisela está sentada em sua cama, brincando de boneca, quando Lauren aparece.

LAUREN – Filha para de brincar de boneca e arrume suas malas.

GISELA (confusa) – Mas pra que, mãe? Uma hora eu sou presa dentro desse quarto, na outra eu tenho liberdade?

LAUREN – Criança deve obedecer aos pais, e não ficar fazendo perguntas descabidas. Mas como eu sou uma mãe zelosa, que educa de forma consciente e amável sua cria, vou lhe responder: Nós vamos fazer uma viagem para São Paulo.

GISELA – Mas pra que uma viagem?

LAUREN (levemente irritada) – Lá vem você, pouco tamanho e muita pergunta. Garota, eu li numa entrevista de um psicólogo, que crianças quando perdem os pais, ficam abaladas e pra resolver isso, devem sair de suas cidades e conviverem com pessoas e locais diferentes. Tá respondido?

GISELA (feliz) – Que bom que a senhora pensou em mim, mãe. Eu te amo.

Gisela abraça Lauren, que permanece imóvel.

LAUREN – Agora trata de arrumar seus panos de bunda, a gente parte daqui meia hora.

Lauren sai do quarto e Gisele começa a arrumar sua mala, muito animada.

CORTA PARA:

CENA 29. SÃO PAULO/ PONTOS TURÍSTICOS/ EXT./ DIA.

(MÚSICA “GARGANTA” – ANA CAROLINA). Imagens aéreas dos principais pontos turísticos de São Paulo, passando pela Avenida Paulista (MASP), Mercado Municipal, Parque Ibirapuera, Catedral da Sé, Marco Zero e Mosteiro de São Bento.

CORTA PARA:

CENA 30. SÃO PAULO/ ABRIGO DE MENORES/ FACHADA/ EXT. DIA/

Imagens de um casarão em estilo colonial, muito deteriorado pelo tempo e cercado por enormes muros brancos e acima dos muros, cercas de arame farpado. Um carro preto para bem em frente ao portão, que abre logo em seguida, e o carro entra.

CORTA PARA:

CENA 31. ABRIGO DE MENORES/ VARANDA/ INT./ DIA.

O carro para próximo a varanda, onde um homem, aparentando ter 48 anos, barrigudo, calvo e alto, está parado. Lauren desce do carro e Gisela, no banco de trás, fica olhando com medo.

LAUREN – Trouxe a encomenda pra você.

HOMEM (sorri) – Quanto mais criança pra mim, mais dinheiro o governo me manda.

LAUREN – Eu tô pouco me lixando pra isso. Quero que você cuide, que suma, faça o que você quiser com essa criança, Miranda, mas não a mate. Só isso.

MIRANDA – Deixa comigo. Eu tenho um jeitinho todo especial para lidar com a pirralhada.

LAUREN – Ótimo.

Lauren abre a porta de trás do carro e tira Gisela com força.

GISELA (amedrontada) – Vamos embora mamãe, tô com muito medo desse lugar e desse homem.

LAUREN (doce) – Mas com medo por quê? Esse lugar é a sua nova morada e, esse homem será o seu novo cuidador. Dá um oi para o Miranda.

Gisela olha Miranda com medo. Miranda segura firme nas mãos de Gisela, enquanto Lauren entra no carro e dá partida.

GISELA (gritando) – Não me deixa aqui, por favor! Mãe, eu te amo, não me deixa aqui.

O carro vai embora, os portões se fecham e Gisela cai num choro.

MIRANDA (gritando) – Cala a boca, garota. Aqui não tem choro nem vela. Vai ser criada pra aprender a lidar com o mundo lá fora. Aqui não existe amor, não tem compaixão. Aqui é pé no chão e encarar a realidade como ela é.

Miranda se abaixa e aperta as bochechas de Gisela.

MIRANDA – Até que tu é bonitinha. Vai ver eu até caso com você.

Gisela cospe no rosto de Miranda.

GISELA – Eu tenho nojo de você, seu velho babão.

MIRANDA (irado) – Então agora e vou te dar motivos de sobra pra você sentir nojo de mim, seu purgante em miniatura.

Miranda abaixa a calça de Gisela, rasga a calcinha dela, que fica se debatendo e chorando.

GISELA (gritando) – Socorro! Por favor, para, por favor!

CORTA PARA:

CENA 32. ABRIGO PARA MENORES/ DORMITÓRIO/ INT./ NOITE.

Um menino, 11 anos, cabelo preto liso, moreno claro, ar angelical e uma menina, 11 anos, cabelo comprido, castanho escuro estão deitados numa beliche, conversando. Quando Miranda entra com Gisela, que está muito chorosa. As duas crianças olham assustadas.

MIRANDA – Amiguinha nova pra vocês. Espero que gostem, porque eu gostei e muito.

Miranda empurra Gisela, que cai no chão, enquanto ele fecha a braguilha da calça e sai. Gisela continua chorosa.

MENINA – Deixa eu te ajudar, o que esse escroto do Miranda te fez?

A menina começa a ajudar Gisela, que permanece chorosa, a se levantar.

MENINO – Não precisa nem perguntar, Eduarda. Nós já sabemos o que ele fez com ela. Foi à mesma coisa que fez comigo, com você, e com todos daqui.

EDUARDA (com ódio) – O Miranda tem que morrer. Olha menina, infelizmente, nós não pudemos evitar esse horror, mas se juntarmos nossas forças, poderemos evitar que ele repita a dose. Eu sou Eduarda, e esse menino aqui é o Alencar.

Gisela para de chorar aos poucos e começa a olhar para Eduarda e Alencar.

ALENCAR – Tão bonita, não merece ficar chorando.

GISELA – A minha mãe, foi ela que me deixou aqui… Não sei por que, eu nunca fiz nada de mal a ela.

EDUARDA – O meu pai me deixou aqui, quando eu tinha seis anos. Aos poucos eu aprendi o que acontece. Nós somos ovelhas negras, nem família, nem sociedade, nem Deus quer a gente. Somos depositados feito mercadorias e tratados feito lixo aqui.

ALENCAR – Pensa pelo lado positivo, daqui oito anos estaremos saindo daqui. Eu quero ser apresentador de TV.

GISELA – Acorda. A gente não vai sobreviver a isso.

EDUARDA – Engano seu, você chegou agora e não sabe o que tá acontecendo. Mas aqui, o que move a gente é a esperança, aqui a gente agarra a tudo quanto for possibilidade. Eu sei que falando assim, pareço uma mulher de trinta anos, mas é que a dificuldade faz a gente amadurecer antes do tempo, assim como, os produtores fazem com as frutas. Cada ser se adapta ao ambiente em que está.

GISELA – Esperança, será que posso ainda pensar nisso?

ALENCAR – Não pode, você deve!

Alencar e Eduarda abraçam Gisela.

CORTA PARA:

CENA 33.  SÃO PAULO/ PONTOS TURÍSTICOS/ EXT./ DIA.

(MÚSICA “GARGANTA” – ANA CAROLINA). Imagens dos principais pontos turísticos de São Paulo.

LETREIRO: TRÊS MESES DEPOIS…

CORTA PARA:

CENA 34. ABRIGO PARA MENORES/ DORMITÓRIO/ INT./ DIA.

(FADE OUT MÚSICA). Gisela está com uma foto em mãos. Focalizando na imagem, vemo-la de mãos dadas com Lauren e Ivan, ambos sorridentes. Gisela está de joelhos e com olhar de ódio. Eduarda adentra o quarto.

EDUARDA – O que tem aí?

GISELA – Uma foto… uma foto da minha família, quer dizer, da família que eu achava que tinha.

Eduarda pega a foto e olha.

EDUARDA – Você nunca falou do seu pai, por quê?

GISELA (VISIVELMENTE TRISTE) – Meu pai era meu porto seguro, sabe quando a gente tem uma afinidade inexplicável por alguém? Assim era com meu pai. Ele me amava tanto, tinha uma felicidade em me ver e me fazer feliz. Pena que gente como ele, acabam morrendo muito cedo.

EDUARDA – E foi justamente o que aconteceu com ele?

Gisela assente com a cabeça.

EDUARDA – Eu sinto muito.

GISELA – Se ele estivesse vivo, nada disso teria acontecido. Se ele não tivesse sido morto, garanto que ele não deixaria ninguém, muito menos aquela vaca da minha mãe, me colocar nesse lugar horroroso.

EDUARDA – Mas a vida dá muitas voltas. Uma hora, a sua mãe vai pagar por tudo que fez.

GISELA – Eu não posso esperar essa hora, eu mesma vou adiantar o calvário dela. Custe o que custar!

Gisela amassa a foto com muito ódio.

CORTA PARA:

CENA 35.  LABORATÓRIO MÉDICO/ FACHADA/ EXT./ DIA.

Um pequeno local, em paredes brancas e janelas de madeira envernizadas. Com uma placa com os dizeres: “Laboratório Curumim”. Lauren sai do interior do Laboratório com um envelope em mãos. Ela para na calçada, abre o envelope, vagarosamente, lê o resultado, sorri e sai andando feliz.

CORTA PARA:

CENA 36. AP. FRANCO/ COZINHA/ INT./ DIA.

Franco está lavando louça, enquanto ouve notícias num pequeno rádio a pilha, que está em cima da mesa.

FRANCO (pra si) – Nova Aliança não tem nada. Nada acontece, nenhum evento… Exatamente NADA!

Pouco depois a campainha toca e ele sai para atender.

CORTA PARA:

CENA 37. AP. FRANCO/ SALA/ INT./ DIA.

Franco abre a porta e se depara com Lauren, séria.

FRANCO (feliz) – Meu amor, que visita maravilhosa, entra, por favor!

Lauren não esboça reação, apenas entra. Franco fecha a porta e tenta abraçar Lauren, que o detém.

FRANCO (ainda feliz) – A que devo a honra dessa sua visita?

LAUREN – Eu vou ser direta Franco, não gosto de rodeios.

Franco fica visivelmente mais sério.

FRANCO – Eu fiz alguma coisa errada?

LAUREN – Não, claro que não. A errada nessa história toda sou sempre eu, sempre eu. Mesmo quando eu tento acertar, eu erro e erro feio. Mas enfim, dessa vez eu errei e acertei ao mesmo tempo.

FRANCO (confuso) – O que você tá querendo dizer com isso?

LAUREN – A vida é uma via de mão única, Franco. Quando a gente erra, não tem como passar por cima, desviar, ou simplesmente ignorar. Quando a gente erra, o mais sensato a fazer é compreender que errou assumir a culpa e tentar machucar o menos possível às pessoas.

FRANCO – Você disse que não estava afim de rodeios, no entanto, tá usando metalinguagem para me contar algo que eu não faço ideia do que seja.

Lauren respira fundo.

LAUREN – Eu quero terminar tudo com você.

FRANCO (surpreso) – O que?

CORTA PARA:

CENA 38.  CASA DE LAURO/ COZINHA/ INT./ DIA.

A empregada está com um uniforme curtíssimo e de costas para a porta e para a mesa, lavando louça na pia. Lauro está sentado à mesa, fazendo um lanche e lendo jornal. De vez em quando, ele disfarça e olha para as pernas da empregada. De longe Isabel percebe tudo.

LAURO (a empregada) – Você mora aqui na cidade mesmo?

EMPREGADA (de costas) – Sim senhor.

LAURO (relaxado) – Não precisa chamar de senhor, pode chamar só de Lauro mesmo. Ou se preferir, pode chamar de Lalau.

A empregada sorri e vira-se para Lauro, mas fica séria, assim que Isabel chega a cozinha.

ISABEL (séria) – Tudo bem por aqui?

LAURO – Tudo, meu amor, tava conhecendo a nova empregada. Tava me apresentando a ela. Falei que pode me chamar pelo apelido.

ISABEL – Pode?

LAURO – Não vejo problema nisso. Com as pessoas de casa, acho que podemos criar uma maior afinidade.

ISABEL – Pra mim, subalternos tem que chamar a gente de senhor e senhora, como manda a boa formação moral. Não gosto de dar intimidade.

A empregada fica meio sem jeito.

ISABEL (a empregada) – Depois que acabar de servir ao Senhor Lauro, venha até meu quarto, tem umas roupas sujas lá para serem lavadas.

Isabel queima a empregada com o olho e sai. O clima fica tenso.

CORTA PARA:

CENA 39. AP. FRANCO/ SALA/ INT./ DIA.

Continuação imediata da cena 37. Franco surpreso.

LAUREN – É isso mesmo que você ouviu. Não dá pra continuar, Franco.

FRANCO – Mas o que eu fiz de errado?

LAUREN – Nada, eu disse no início dessa conversa que o erro era meu. O problema foi que eu me deixei ser envolvida num jogo de sedução e acabei me apaixonando por outra pessoa. Não é nada com você, nada com a sua pessoa, mas eu preciso experimentar esse sentimento novo, preciso dessa vivência. Eu tenho só 32 anos, e quero muito viver essa aventura. Se vai dar certo eu não sei, o que eu sei é que quero tentar.

FRANCO – Mas e o nosso amor? E a nossa história?

LAUREN – A nossa história começou quando eu ainda estava casada com o Ivan, ou seja, foi uma traição. Nada que começa errado, tem chance de dar certo. Eu não quero passar a vida toda me lamentando por algo que eu não fiz, que eu não experimentei, entende?

FRANCO (emocionado) – Não, eu não entendo. Sabe Lauren, eu acho que você usa as pessoas como degrau pra alcançar o que quer. Sejam eles objetivos materiais, objetivos sentimentais. Com o Ivan era a ideia de família de comercial de margarina. Comigo era o desejo de se sentir desejada. E com esse outro aí, é o desejo de ser aventureira, de provar que pode voltar a ter atitudes adolescentes em plena fase madura.

LAUREN – Eu sei que tá sendo difícil pra você digerir isso tudo, mas tenta me entender, Franco. É melhor você sofrer agora com a verdade, do que ficar tempos sendo ludibriado.

FRANCO – Fora da minha casa, por favor!

LAUREN – Eu acho que a gente ainda pode ser amigo.

FRANCO – Pega essa sua amizade, mistura com o espírito de aventura e enfia no seu novo amor, bem lá dentro. Se não for pra ter você por inteira, eu prefiro nem ter nada. Fora que esse lance de amizade é pra inglês ver, porque na teoria funciona muito bem, é tudo muito lindo. Mas na prática a coisa muda de figura completamente.

LAUREN – Eu vou embora, mas quero que você fique bem, muito bem.

FRANCO – E eu quero que você se dê mal, que seja infeliz. Que sofra o dobro do que eu tô sofrendo agora. Não vou ser hipócrita e dizer que te quero bem, porque eu não te quero bem, não mesmo! Agora sai da minha casa e leva com você esse espírito aventureiro junto. Some da minha vida.

Lauren olha para Franco, e sai cabisbaixa. Assim que a porta se fecha, Franco cai num choro profundo.

(MÚSICA “POR ONDE ANDEI” – NANDO REIS).

Franco pega alguns objetos da decoração e começa a jogá-los contra a parede.

CORTA PARA:

CENA 40. RUA/ EXT./ DIA.

Continuação da música anterior. Lauren está andando pela rua, triste, cabisbaixa.

(FADE OUT MÚSICA).

LAUREN (pra si/ triste) – Foi difícil, mas necessário. Eu te amo meu amor, e daqui a pouco a gente vai voltar. Mas agora eu preciso resolver algumas coisas. Tô fazendo isso pelo nosso futuro.

CORTA PARA:

CENA 41. CASA DE LAURO/ QUARTO DO CASAL/ INT./ DIA.

Isabel está sentada na cama, com um talão de cheques e uma caneta em mãos. A empregada bate a porta, que está entreaberta e entra.

EMPREGADA – Com licença.

ISABEL – Pode entrar!

A empregada entra e começa a vasculhar o chão.

ISABEL – Tá procurando o que?

EMPREGADA – A roupa que a senhora disse que era pra lavar.

ISABEL – Você leva tudo ao pé da letra. Acho que falta um pouco de estudo a você.

EMPREGADA – Mas eu concluí o ensino médio.

ISABEL – Tô falando de estudo da vida. Você tem muito que aprender meu bem. Por isso eu te pergunto, quanto você quer?

A empregada estranha.

EMPREGADA (em dúvida) – Do que a senhora tá falando?

ISABEL – Eu deveria ser canonizada por aguentar tanta hipocrisia e ignorância na minha frente. Vou ser europeia e mandar a real, como dizem os favelados por aí: Quanto você quer em valor pra sumir da minha casa, da minha frente e, principalmente, do meu marido?

EMPREGADA – A senhora tá me mandando embora, é isso?

ISABEL – Exatamente. Como você ficou pouquíssimas semanas aqui na minha casa, por lei, não teria direito a muita coisa, a não ser uns caraminguados. Mas como eu sou uma santa, uma protetora dos pobres, aquela que faz o bem sem olhar a quem, eu te pergunto: Quanto você quer?

EMPREGADA – A senhora tá me comprando? Fique ciente que eu não me vendo…/

ISABEL (CORTA) – Larga desse discurso de pobre orgulhosa. No fim das contas a gente sabe que todo mundo tem seu preço: eu tenho o meu, a Angelina Jolie tem o dela e você tem o seu. Agora para de gastar o meu tempo, a minha saliva e beleza e trata de dizer logo quanto você quer pra juntar seus panos de bunda e cair fora daqui em cinco minutos?

EMPREGADA (rude) – Eu não quero nada. Aliás, eu quero sim, quero dar o fora daqui. A senhora é podre. Passar bem dona Isabel!

A empregada sai do quarto, muito furiosa. Isabel deita na cama, totalmente relaxada e com semblante de feliz.

ISABEL – Adoro essa classe do proletariado. Sempre justiceiros, sempre orgulhosos e no fundo, sempre saem perdendo. Pobre é burro até na hora que é inteligente.

CORTA PARA:

CENA 42. MANSÃO CASTILHO/ FACHADA/ EXT./ DIA.

Um imenso palacete branco, com colunas de sustentação idênticas as do império romano. Enormes janelas de vidro, e uma porta gigantesca em madeira, com as letras: C.A.

A frente da casa há um chafariz com iluminação colorida e alguns peixes dourados. Em volta do chafariz, há um jardim repleto de margaridas e girassóis. Um táxi vem chegando e para bem em frente a porta de entrada.

CORTA PARA:

CENA 43. MANSÃO CASTILHO. SALA DE ESTAR/ INT./ DIA.

Uma enorme sala em tom pastel, com quadros de pinturas e esculturas espalhadas por todo o local, causando uma enorme poluição visual. Um sofá imenso com estampa de onça e almofadas verdes. Romero está sentado, lendo jornal, quando a campainha toca. Ele para de ler, se levanta e vai atender.

ROMERO (surpreso) – Você?

Nesse instante Lauren entra desesperada.

LAUREN (muito aflita) – Desculpa vir sem avisar e atrapalhar o seu descanso, Romero. Mas o que eu venho dizer é de extrema urgência.

ROMERO – Entra, senta. Quer um copo d’água?

LAUREN – Não quero nada. Eu só vim te dar essa notícia.

ROMERO – Então fala, pelo seu estado de nervos, deve ser coisa séria.

Lauren respira fundo.

LAUREN – Eu tô grávida e o pai é você.

ROMERO (surpreso) – O que?

FIM CAP. 01

 

11 thoughts on “A Dona da História – Capítulo 01 “Estréia”

  • Que capítulo magnífico! Não tenho palavras para descrevê-lo. A história de mãe e filha me lembrou a de Av. Brasil, mas isso não atrapalha em nada, aliás, só aumenta mais o meu apreço por essa web. Branca é divertidíssima; Lauren é ardilosa, amo! E sobre a Isabel: não há palavras para descrever uma das rainhas da web. Faço das palavras do João, as minhas: “O capítulo foi longo, mas por conta do texto impecável, passou despercebido o tamanho”. Parabéns, Wesley! Sucesso!!

  • João Santos

    O capítulo foi longo, mas por conta do texto impecável, passou despercebido o tamanho.

    Já deu pra ver que essa Lauren é cheia de tramoias. Vamos aguardar o que ela vai aprontar até o final. Ainda sobre ela: que crueldade o que a Vilãuren fez com a pobre Gisela.
    Evito sempre ler os textos de pré-estreia com a apresentação dos personagens pois gosto de perceber o que eles são com os diálogos, que são ótimos. Isabel também é uma entojada.

    Enfim, gostei muito. Parabéns, Wesley!

    • Obrigado por ler, João. Os comentários são sempre bem vindos. Adorei a “Vilãuren”.
      A Lauren é um ser vil mesmo, ninguém a merece! Isabel só começou… Aguarde!

  • Uma fluidez na escrita que nos faz se arrepiar, digamos que o texto é muito bem balanceado na quantidade de falas e na de detalhes e isso faz com que a forma roteirizada [QUE EU AMO] em algumas cenas, passe por despercebida, falando em detalhes essa ideia maravilhosa de falar as caraterísticas dos personagens na cena, é maravilhosa [rosto levemente diabólico]
    Isabel e Branca, as personagens que eu mais amei no capítulo!
    “Adoro essa classe do proletariado. Sempre justiceiros, sempre orgulhosos e no fundo, sempre saem perdendo. Pobre é burro até na hora que é inteligente.” Frase de efeito para o resto da vida kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Maravilhoso capítulo… Me instigou a acompanhar!!!!

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