Como Nossos Pais

Terceiro Capítulo – Como Nossos Pais

Capítulo 3

Cena 1. Mansão da família Albuquerque. Sala de Estar. Manhã

Dinorah: Ah, eu andei pensando e decidi uma coisa.

General Donato: Que decisão é mais importante que nosso abraço em família?

Dinorah: Reynaldo não pode mais continuar aqui nessa cidade, por isso, já telefonei para Irene e ele vai morar com ela amanhã mesmo.

Reynaldo: O quê?

Dinorah: você ouviu muito bem, não há mais cabimento de você continuar aqui nessa cidade após essa prisão.

Reynaldo: A senhora não pode mandar em minha vida dessa maneira. Eu já tenho maioridade e sei bem as consequências de meus atos.

Dinorah: Você não sabe não, se soubesse tinha desistido daquela loucura e teria se poupado daquele devaneio.

Reynaldo: Eu me recuso à sair daqui.

General Donato: Larga de teimosia. Desejas morrer?

Reynaldo: Não. Só quero ter minha liberdade exposta para tentar livrar meus amigos daquele inferno.

General Donato: Á essa hora, todos já devem estar mortos, apenas você foi salvo. Arruma as suas coisas e se prepare, pois, já está decretado seu exílio.

Reynaldo: E se eu puder fazer algo para salvar meus amigos ainda? Não vou me perdoar, se eles estiverem vivos e eu estiver aqui, estagnado.

Dinorah: Ouça seu pai, meu filho, se ele disse que seus amigos já morreram, não há controvérsias.

Reynaldo: Se é para o meu bem, não devo questionar. Antes vou procurar àquela bela dama que entrastes em nosso carro hoje e fazer-lhe uma oferta.

General Donato: Cada vez mais me surpreendo com sua loucura, Reynaldo, como pode uma idiotice dessas, desejas reencontrar aquela mulher, sem nem saber as origens dela.

Reynaldo: Eu sou assim. Brasil no sangue, desistir jamais, brasileiro luta até o fim e é isso que me mantém de pé.

Dinorah: antes de cometer essa loucura, vá tomar um banho, afinal, mulher nenhuma gosta de homem fedorento. (Risos)

Reynaldo: Já vou.

Reynaldo sobe às escadas em direção ao banheiro.

Cena 2. Hospital São Bernardo. Recepção. Meio-dia

Heloísa está sentada num pequeno sofá ao fundo da recepção ao lado de quatro crianças, enquanto, seu pai, Mathias se aproxima dela ao lado de Lucas.

Dr. Mathias: Aqui está o menino, ver se não traz mais nenhum paciente de graça pra mim cuidar viu, tenho que faturar com os que pagam.

Heloísa: Que frieza é essa? Como o senhor pode falar assim de uma criança?

Dr. Mathias: Eu sou sincero, não quero ficar ocultando meus pensamentos, afinal, não penso em ser político.

Heloísa: Ver se demonstra dignidade pelo menos em frente às crianças, para que a geração futura ainda adquira um pouco da sensatez que há em poucas pessoas, hoje em dia.

Dr. Mathias: Ah para de me atrapalhar e saia daqui.

Heloísa sai dali ao lado das crianças e se depara com Reynaldo na porta do hospital.

Heloísa: Que coincidência! Estou saindo e você está entrando no hospital.

Reynaldo: Não é coincidência alguma é por que, o destino se encarregou de nos unir novamente.

Heloísa: Eu não entendi.

Reynaldo: você aceita se casar comigo?

Heloísa: Que proposta mais absurda! Mal, mal nos conhecemos e já me pedes uma coisa dessas. Considero isso bem indecente de sua parte.

Reynaldo: Não acho não. Acredito que se houve afeição entre duas pessoas de gêneros diferentes, pode haver sim, um pedido de casamento.

Heloísa: E como sabes se eu me afeiçoei ou não à você?

Reynaldo: Seus olhos não negam.

Beatriz: Ah tia, beija ele, como nas telenovelas, nunca vi um beijo, ao vivo e à cores.

Heloísa: Me respeite, garota. Sou uma mulher séria e isso não é apropriado para uma moça culta como eu, tampouco para crianças pequenas ficarem observando.

Reynaldo: A decisão mais sensata que tomarás será beijar-me.

Reynaldo agarra Heloísa e beija-a, deixando as pessoas ao redor vulgarizadascom aquilo e ocasionando numa revolta vinda do Dr. Mathias, que se aproxima dos dois e puxa Heloísa com seu braço.

Dr. Mathias: Cabra infeliz. Se desonrou minha filha há de se casar com ela, querendo ou não.

Reynaldo: Seu pedido é uma ordem, senhor.

Heloísa: Meu pai, não tomes uma decisão dessas, sem meu consentimento.

Reynaldo: Para de desobediência e aceita de vez a proposta de seu pai.

Heloísa: Petulante! Pai, pelo amor de Deus me case com qualquer infeliz, menos com esse homem.

Dr. Mathias: Se te desonrou, não tenho escolha à não ser puni-lo com um casamento arranjado.

Heloísa: Ai que ódio! Como posso casar com uma pessoa que sequer, sei o nome?

Dr. Mathias: Descubra agora, ora. Como é o seu nome?

Reynaldo: Meu nome é Reynaldo, mas a dama pode me chamar de marido. (Risos)

Dr. Mathias: Chega de piadas desnecessárias.

Reynaldo: E agora? Posso beijar sua filha, senhor?

Dr. Mathias: Só no altar.

A cena congela e se reinicia, meses depois, com Heloísa vestida de noiva e Reynaldo de terno, ambos olhando para o padre que concretizava a cerimônia.

Padre: Eu vos declaro marido e mulher, pode beijar a noiva.

Reynaldo pisca para o Dr. Mathias.

Dr. Mathias: Agora, você pode.

Reynaldo beija Heloísa intensamente, ambos riem e saem da igreja banhados por uma chuva de arroz.

Adelaide: Vigia com esse traste, filha.

O Dr. Mathias olha severamente para Adelaide.

Adelaide: O que é? Não tenho culpa de ser sincera.

Dr. Mathias: Esconda essa sua sinceridade, quando estiveres na frente do povo, vai que me candidato à prefeito, política está num patamar excelente e está rendendo um bom dinheiro.

Adelaide se revolta e sai de perto dele, enquanto, a câmera foca no interior da cena, onde estava Dinorah e General Donato.

Dinorah: É, tudo muda não é verdade, os nossos ídolos de outrora não são mais os mesmos, o nosso filho cresceu, não é mais aquele pequeno ser que rastejava pela casa e vivia chorando pelos cantos por qualquer motivo alheio.

Lágrimas caem do rosto de Dinorah, enquanto, o General Donato sempre ríspido proclama.

General Donato: Mas, você ama tanto o passado que esquece que o novo sempre vem.

Dinorah: Hoje, eu sei que quem me deu a idéia de uma nova consciência está dentro de minha própria casa, guardado por Deus.

General Donato: Se referes à mim?

Dinorah: Sim, obrigado por me fazer cair na real.

General Donato: Me dê um singelo beijo, desejo sentir a doçura de seus lábios nos meus.

Dinorah beija-o singelamente, Adelaide observa e agarra o Dr. Mathias.

Cena 3. Trem. Int. Tarde

Heloísa e Reynaldo estavam sentados num banco dentro do trem, um olha ao outro.

Heloísa: Hoje, me alegro em ter aceitado nosso relacionamento.

Reynaldo: Eu sou irresistível! Ninguém resiste ao meu charme e contigo, não foi diferente.

Heloísa e Reynaldo riem escrachadamente, incomodando alguns passageiros.

Heloísa: Sua loucura me alegra. Nos conhecemos abruptamente e em pouco tempo, nos casamos de forma singela e sensível.

Reynaldo: Realmente, minha insistência foi bastante eficaz para nossa união.

Heloísa: Como não tivemos tempo de conversar, diga-me sobre sua vida.

Reynaldo: Não quero lhe falar, meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos, tampouco do que vivi, afinal, tudo foi um simples devaneio de minha alma.

Heloísa: Por que, eras um revolucionário?

Reynaldo: Sim.

Heloísa: Mas, por que se arrependes disso?

Reynaldo: Não me arrependo, apenas sinto de não ter concretizado meus ideais, ajudando os outros à expulsarem essa ditadura de nosso meio.

Heloísa: É, ás vezes, me sinto aprisionada. A ditadura é pior do que qualquer guerra brutal, pois, nas guerras pelo menos temos liberdade para expressar nossa insatisfação, já na ditadura não podemos nem olhar lastimavelmente para eles que caímos na bala abruptamente.

Reynaldo: Chega de ditadura por hoje! Agora, vamos focar no nosso futuro em Minas Gerais e nos filhos que teremos por lá.

Heloísa: É, que nome desejas dar ao filho homem que iremos ter?

Reynaldo: Leonardo, esse será o nome do nosso filho, Leonardo.

A cena escurece e se clareia, com o som dos passos de alguém caminhando em um corredor, a câmera sobe e revela ser Reynaldo com o cabelo um pouco grisalho, esse bate na porta de um quarto, um letreiro aparece e indica: Abril de 1985.

Reynaldo (Gritando): Leonardo, abre a porta, meu filho.

Leonardo (Voz altiva): Não quero vê-lo.

Reynaldo: O que você quer, garoto? Quer que eu arrombe essa porta?

Leonardo (Voz Altiva): Faça o que quiser, o prejuízo será totalmente seu.

Reynaldo: Insano infeliz. Quando eu abrir essa porta, eu darei uma surra em você.

Leonardo (Voz altiva): Pode dar, afinal, não fará menor diferença pra mim e meu ódio contra ti, continuará intacto.

Reynaldo tomado pela raiva, faz muita força e acaba derrubando a porta, ao entrar no quarto de Leonardo, ver ele deitado na cama, com um cigarro de maconha na mão.

Reynaldo (Revoltado): você está usando Drogas, garoto?

Leonardo: Não te interessa.

Reynaldo se aproxima de Leonardo e dar-lhe uma bofetada, Heloísa ver e se desespera, correndo para perto de seu filho e consola-o.

Heloísa: Não faça isso, Reynaldo.

Reynaldo: Idiota! Moleque, você tem merda na cabeça? Quer ser apenas mais um viciado que anda por ai?

Leonardo suspira e nem liga para o dito do pai.

Reynaldo: Me responda.

Leonardo: Eu não devo explicação nenhuma pra você, sou maior de idade, mando em mim mesmo eagora, que tenho total liberdade de expressão após o fim da ditadura, posso fazer o que quiser.

Reynaldo: Se você se governa sozinho, então, por que não sai daqui de casa e vai se sustentar sozinho em qualquer moquifo por ai?

Heloísa: Reynaldo, não repita o que aconteceu há anos atrás?

Reynaldo: Esse vagabundo acha que manda aqui é? Não, quem manda aqui sou eu e ele vai ter que entender isso.

Leonardo se levanta da cama com o cigarro na mão.

Leonardo: Eu vou embora desse inferno.

Leonardo tenta sair, porém, Reynaldo toma o cigarro das mãos dele, joga-o no chão e amassa com a sola de seu sapato.

Reynaldo: Olha aqui, o que eu faço com esse lixo.

Leonardo: Pode fazer o que você quiser, tchau.

Leonardo estava saindo.

Heloísa: Filho, volta aqui.

Leonardo volta e abraça a mãe.

Leonardo (Sussurrando): Vou ficar na Santos Dumont tá?

Heloísa: Tá bom.

Leonardo se afasta e Reynaldo se joga no chão, lágrimas caem de seus olhos.

Reynaldo (Chorando): Onde, foi que eu errei, meu Deus?

Heloísa agacha ao lado do marido, consolando-o, num abraço apertado.

Heloísa: você deu o melhor de si, isso é apenas uma fase que teremos que enfrentar juntos e chorar não é o remédio para esse problema.

Reynaldo: ás vezes, eu sinto falta da ditadura!

Heloísa: Que idiotice é essa? Nem parece que estou conversando com um revolucionário.

Reynaldo: Pelo menos, naquela época, havia respeito! Hoje não! Os filhos nem lembram do esforço que fizemos para colocar a comida na mesa, sabe?!

Heloísa: A juventude é assim, meu amor, tem seus momentos de fraqueza e devaneios, porém, depois, voltam à si e se firmam como adultos maduros.

Reynaldo enxuga às lágrimas e observa Heloísa.

Reynaldo:Todo dia me alegro em ter arriscado tudo pra ter ficado contigo, você me surpreende à cada novo amanhecer, te amo.

Heloísa se levanta.

Heloísa: Creio que você já sabe o que fazer, não é?

Reynaldo franzina a sobrancelha.

Reynaldo: Não vou interferi no destino! Vou deixar o Leonardo viver a vida intensamente, para que um dia, ele não tenha argumento para afirmar que eu impedi ele de sentir a juventude.

Heloísa: Será que você não entende que nosso filho está correndo perigo?

Reynaldo: Ele cassou isso pra vida dele! Agora, vou ler um bom livro e tomar uma xícara de café.

Reynaldo se afasta e Heloísa ajoelha no chão frio e fecha os olhos, pondo as duas mãos fechadas sob o peito.

Heloísa: Meu Deus! Guarda o meu filho! Não permita que ele morra!

Cena 4. Avenida Santos Dumont. Tarde. Ext.

Leonardo está alucinado, o efeito da droga estava sobre si e ele juntamente com um grupo de colegas, sorriam intensamente, a alegria é algo perceptível no meio deles, até que, uma sirene de polícia se ouve e estrugi pelo ar, os alucinados correm abruptamente, porém, se sentem acurralados, pois, havia sirenes por todos os lados, os policiais descem da viatura com revólveres nas mãos apontados para eles e os levando algemados para o capô do carro, ao fecharem o capô, é perceptível a tristeza no olhar de Leonardo.

Cena 5. Casa de Reynaldo. Sala de estar. Tarde. Int.

Reynaldo estava sentado com um óculos no rosto numa poltrona acolchoada, com um livro na mão, lendo cada página com apreensão, até que, uma campainha toca, ele se levanta aflito, enquanto, Heloísa observa tudo com lágrimas nos olhos, ao abrir a porta, se depara com uma mulher de meia-idade.

Reynaldo: Dona Irene? O que aconteceu? A senhora nunca vem aqui em casa!

Dona Irene: Aconteceu uma tragédia!

Heloísa começa à chorar.

Reynaldo: Fala de uma vez!

Dona Irene: O Leonardo foi preso!

Heloísa (Chorando): O que?

A cena congela no olhar flácido de Heloísa.

CONTINUA…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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