Jardim Brasil

Jardim Brasil [ed. 13]: Tudo pela família

 

 

AÇUCENA – DANILLO TEIXEIRA

 “Tudo pela família”

Açucena é uma flor em forma de mulher: linda, delicada e charmosa. Acabara de chegar aos 36 anos de idade, e era formada em medicina com especialização em pediatria. Amava cuidar de crianças e ver famílias felizes, pois para ela, a família é o maior e melhor patrimônio que um ser humano pode ter. Por isso ela se dedicava ao máximo e idolatrava seu casamento com Ricardo, grande empresário do ramo imobiliário. Eles se conheceram há 10 anos na compra do imóvel dela, que ainda era estudante e ele corretor em inicio de carreira.

Ricardo com seus 39 anos é um homem maduro, inteligente e sedutor. Usa da sua beleza para conquistar clientes e vender imóveis. É meio calado, meio introvertido, mas com muita lábia e sagacidade. Está sempre atento à oportunidade de novos negócios e não desperdiça dinheiro. Juntos tiveram Cauã, atualmente com sete anos. Um menino muito saudável, inteligente, educado e apegado aos pais. Atualmente ele está em tratamento com uma fonoaudióloga para correção de um desvio fonético: a troca do R pelo L em algumas de suas frases. Ele é o maior amor da vida de Açucena, e ela é capaz de tudo para vê-lo feliz.

Apesar de se esforçar ao máximo para manter a estabilidade no casamento, Açucena andava bem incomodada com a ausência de Ricardo. Mas falo da ausência emocional, da atenção com a família. Ela tem reclamado bastante da rigidez e intolerância que ele vem apresentando com a família; mas ele alega estresse no trabalho. Açucena tentava acreditar que esse era realmente o motivo.

– Como foi no trabalho? – pergunta Açucena

– Péssimo dia. Nenhum imóvel vendido – aparentemente disperso, Ricardo responde enquanto tira a roupa para entrar no chuveiro.

– Você já diz isso há uma semana Ricardo. O que esta acontecendo? – Açucena tenta ignorar o descaso do marido e melhorar o clima.

Ricardo para de tirar a roupa, olha para Açucena e responde irritado.

– Eu não sei Açucena! Se soubesse o motivo faria alguma coisa para reverter a situação.

– Porque se irritar dessa forma Ricardo? Estou tentando conversar com você e te ajudar de alguma forma – Açucena se mantém serena.

– Vocês mulheres são todas iguais. Eu sei aonde quer chegar com essas perguntas. Esta desconfiando de alguma coisa, tenho certeza – Ricardo continua irritado, mas volta a se despir.

  • – Todas iguais? – Açucena contrai a sobrancelhas, – Está me comparando com quem Ricardo?

– Vou tomar banho – Ricardo revira os olhos e fala batendo a porta do banheiro.

Cauã, do 2° andar, se apoia no corrimão, e com um sorriso no rosto, indaga Açucena.

– Mãe, meu pai chegou?

Açucena tenta disfarçar seu desconforto para poupar o filho, e consegue forçar um sorriso.

– Oi filho, chegou sim. Está no banho. Já, já ele sobe pra te dar um beijo, ta bom?

Algumas horas depois, após todos se recolherem para dormir, Ricardo entra no quarto e ainda encontra Açucena acordada, que parecia pensativa. Ele deita ao lado da esposa e lhe abraça por trás.

– Não fica chateada comigo. Eu tô uma pilha de nervos, preocupado com a queda de vendas do escritório. Açucena fica em silêncio por alguns instantes, procurando uma forma de fingir que acreditou no que ouviu.

– Eu não quero que você traga problemas da rua para dentro de casa. Precisamos estar bem para fazer bem ao nosso filho. Assim como eu, o Cauã é muito apegado a família, ele não suportaria ver desentendimento entre nós. Ricardo se esforça imensamente para pedir desculpa, pois para ele, discutir relação era um martírio. Mas ainda assim conseguiu.

– Me desculpa. Só preciso de um tempo para separar as coisas. Ele começa a beijar o pescoço de Açucena e acariciar seu corpo, e ela mesmo que muito magoada e desacreditada da história contada por Ricardo, resolve ceder e transar com ele, a fim de enterrar o mal estar causado e voltar a ter uma vida harmoniosa. Quando acordou na manhã seguinte, Ricardo já tinha saído para trabalhar. Era terça feira, e Açucena tinha mais um dia em casa, pois ela trabalhava somente às quartas. Após chegar da escola do filho, ela costumava receber ou fazer visitas, e nesta tarde, recebeu Daniele em sua casa, sua melhor amiga. Elas se formaram juntas na faculdade, foram da mesma sala em todos os anos.

Daniele tem 34 anos, é bonita, comunicativa, mas um pouco frustrada. Ela não sabia se pediatra era a profissão que realmente gostaria de seguir, e pensou por diversas vezes desistir do curso, mas Açucena estava lá para incentiva-la a todo tempo. Ela não tem uma boa relação com os pais, um casal de idas e vindas que não liga para as necessidades da única filha. Desapontada com o mercado de trabalho, costumava se queixar da falta de oportunidades. Após formada, a melhor chance que teve foi conseguir uma vaga de estagiaria em uma clinica de saúde, ganhando menos que um salário mínimo.

– Hoje não era seu dia de estágio?

– Ai amiga, faltei! – Daniele joga as mãos para o alto num gesto de displicência, – não aguento mais sair para trabalhar debaixo desse sol para ganhar uma miséria no fim do mês. Eu tenho diploma, isso é um abuso!

– O Brasil está em um de seus piores momentos financeiros né Dani, – Açucena tenta confortá-la, enquanto serve um copo de suco, – é normal esse tipo de recesso. As empresas também estão com dificuldade para pagar salário aos funcionários.

– É, eu sei. Mas se você conseguiu, eu também posso. Nos formamos juntas.

– Eu tenho saudade daquela época sabia? Época em que nossa única responsabilidade e preocupação era tirar boa nota nas provas.

– O que significa esse olhar para o horizonte? No que está pensando?

– Você me conhece mesmo né, amiga? Estou um pouco chateada com o Ricardo sabe.

– Aconteceu algum problema?

– Ele anda distante de nós sabe, estressado, disperso. Não sei bem o que está acontecendo.

– Está desconfiando de algo?

– Eu não quero me aprofundar nos pensamentos para chegar a uma conclusão de fatos sem ter provas. Eu continuo fazendo o máximo possível para manter a harmonia do nosso casamento, trazer ele de volta para nossa família.

– Mas o que ele diz? Já questionou alguma coisa?

– Ele diz que é o trabalho. Vendas baixas, pouca lucratividade e coisas do tipo. Forço para acreditar que seja isso mesmo.

– O Ricardo não tem um histórico de mentir né, amiga? Ele realmente deve estar frustrado com o resultado dos negócios, acho que ele deve estar sendo sincero.

Açucena se encoraja com as palavras de Daniele e se mostra determinada.

– Você tem razão. Preciso acreditar no meu marido, não é verdade? Também não iria gostar que ele duvidasse da minha palavra.

– É isso aí.

Açucena procura mudar de assunto, convicta de que o distanciamento de Ricardo seja mesmo estresse no trabalho.

– E seus pais? Ainda em pé de guerra?

– Ah minha filha, aqueles lá não vão mudar – Daniele cruza as pernas e balança os pés, demonstrando irritação em lembrar-se das brigas frequentes de seus pais.

Após mais algumas horas de bate papo, Açucena percebe que esta na hora de buscar Cauã na escola, e dá uma carona para Daniele, levando-a ate em casa. Na saída da escola, Açucena decide visitar seus pais, para que eles possam ver o neto.

Ieda e Geraldo, pais de Açucena, eram casados há 50 anos. Era um relacionamento de muita cumplicidade, dedicação e carinho entre os dois, e mesmo que não estivessem tão próximos quanto no passado, ainda existia um incrível apoio entre eles. Mesmo aos 64 anos de idade, Ieda era uma senhora ativa e enérgica. Costumava caminhar na praia, conversar com suas vizinhas do prédio, ir ao salão de beleza e ate tomar uma cerveja no bar de vez em quando. Já estava aposentada da profissão de bancária, e tinha uma tranquila vida financeira, somada à renda de Geraldo. Ele era um pouco mais velho, já tinha chegado aos 70. Estava um pouco doente, com hipertensão e dores nas pernas causadas por varizes. Usava cadeira de rodas, embora fizesse suas necessidades higiênicas sozinho. O uso da cadeira era apenas para maior conforto e descanso. Aposentado das forças armadas, era coberto por um bom plano de saúde e não tinha preocupações com dinheiro. Sempre foi um homem de bom coração, caseiro e solícito. Quando viam Cauã, os dois voltavam a ser crianças.

– Meu bebê ta aqui! – Ieda abre os braços esperando o abraço do neto. – Vem abraçar a vovó!

Cauã contesta a frase da avó, mas sem se parecer ofendido, pois adorava ser bajulado.

– Eu não sou bebê vó, já tenho 7 anos!

– Ok, semi adolescente! – Ieda brinca enquanto abraça o neto e o enche de beijos.

– Para de apertar o garoto Ieda, deixa ele vir falar comigo – diz Geraldo.

Para quem não conhecia Geraldo, ele parecia ser um velho ranzinza, mas na verdade, era seu jeito de ser, pois ate suas piadas eram contadas num tom resmungão.

– Oi vô! – Cauã o abraça – A sua barba está glande.

– Já falei com ele, parece ate um mendigo.

– Sabe o que é rapaz? Preguiça! – Geraldo parece ignorar a critica de Ieda, – É muito chato fazer a barba, daqui a alguns anos você vai saber disso.

– Eu quelo que minha barba seja igual do meu pai. É bonitona.

Ieda cochicha com Açucena, enquanto Geraldo e Cauã conversam.

– Nunca deixa de falar do pai né?!

– Apegado demais – Açucena mantem a voz baixa, – é mais grudado com o pai do que comigo.

– Resolveu seu problema com ele? Você andou reclamado que ele estava um pouco afastado…

– Ah sim, já resolvemos. Ele esta com problemas no trabalho, vendendo poucos imóveis, e isso estava deixando ele zangado.

Ieda avalia a feição de Açucena, que pareceu não notar.

– Você está tentando se convencer que seja isso mesmo, não é verdade?

– Claro que não mãe! – Açucena se demonstra ofendida, – confio no meu marido e estou convicta de que ele esta sendo sincero.

– Ô minha querida, não feche os olhos para a realidade. – Ieda pisca devagar na intenção de confortar a filha – você esta tentando se convencer de uma coisa que sabe que não é verdade.

– Onde esta querendo chegar mamãe? Está querendo me dizer alguma coisa?

– Estou sim minha filha. Eu quero dizer que… Enfim, agora não é o momento certo.

Na noite desse mesmo dia, Ricardo demorava um pouco mais para chegar em casa. Mesmo que tivesse preocupada (ou desconfiada), Açucena preferiu não ligar para não soar como mulher neurótica. Já tinha perdido as contas de quantas vezes se pegou olhando para o relógio, e precisou inventar uma história para distrair o filho.

– O papai esta demolando mamãe. Onde ele está?

– Não se preocupe querido. Tem alguns dias da semana que ele costuma demorar um pouco mais. Daqui a pouco ele esta aí.

Imediatamente após dizer essa frase, Ricardo assobia da varanda. Esse era seu gesto rotineiro de avisar a Cauã que chegou em casa. Cauã arregala os olhos e estampa um sorriso no rosto, gritando pelo pai. Ele corre para a porta e pula no colo de Ricardo, que o recebe calorosamente. Açucena assiste a cena e não deixa de pensar no quanto a presença do pai é importante para Cauã.

– Tudo bem? Como foi seu dia hoje?

– Foi muito legal. A plofessola de matemática aplicou um teste surpresa, e eu fui o único que tilou uma boa nota. Na hora do nosso recleio, o Leo não deixou eu blincar com as cartas dele, mas ele se deu mau, porque o Dudu me emplestou. Ah, nós fomos à casa da vovó e meu avo fez um carrinho de madeila muito maneiro, vou te mostlar.

Enquanto Cauã falava sobre seu dia e matava a saudade do pai, Açucena preparava a janta de Ricardo. Ele chega à cozinha de banho já tomado e vestido com pijama, pronto para jantar e dormir. Ricardo sabia que deveria dar satisfação à esposa, dizer o motivo de ter chegado tarde, mas tenta ignorar essa obrigação.

– Boa noite. Tudo bem?

Açucena se demonstra indiferente com a chegada de Ricardo e continuou a lavar pratos. Mas antes que pudesse perceber, já tinha falado o que não gostaria.

– Você que precisa me dizer se está tudo bem contigo – ela bufa.

– Por quê?

Açucena olha para Ricardo irritada e faz um gesto com a cabeça e os olhos como se dissesse “não acredito que esta perguntando isso”.

– Por causa da hora que chegou em casa.

– Estava apresentando um imóvel para um cliente – Ricardo tenta controlar a irritação.

– E o que isso te impede de avisar?

– A atenção que preciso ter com o cliente. Não posso perder o foco, não posso me distrair. Preciso estar atento às necessidades dele.

– Não é possível que não possa reservar 15 SEGUNDOS do seu tempo para me avisar Ricardo. Eu fico preocupada, preciso mentir para o Cauã quando ele pergunta sobre você.

– Pelo amor de Deus Açucena, não enche o saco! – Ricardo responde com irritação. – Eu tô cansado, com fome, trabalhei o dia inteiro e quando chego em casa para descansar tenho que ouvir essas ladainhas.

– Ricardo eu só te pedi para me avisar quando fosse chegar mais tarde em casa, só isso.

– Qual parte você não ouviu que eu estava TRABALHANDO? – Ricardo aumenta o tom de voz e faz gestos com a mão. – Dá um tempo! Eu não vou jantar mais, perdi a fome – sai irritado da cozinha a passos fortes, e cruza com Cauã no caminho.

Assustado com o estado do pai, o garoto resolve se encolher no canto da porta. Isso não impede que Ricardo passe por ele como um furação. Açucena sente compaixão do filho, e rapidamente o acolhe.

– Meu querido, não se assuste. Está tudo bem.

– Vocês estavam bligando? – ele questiona ainda assustado.

– Não, não foi uma briga. Seu pai não estava brigando comigo. Ele estava reclamando de um cliente muito chato que ele tem.

Mais tarde, enquanto passava hidratante pelo corpo, Açucena observa pelo reflexo do espelho Ricardo deitado na cama e percebe que ele tinha dificuldade para dormir. Um turbilhão de pensamentos e decisões ecoavam na cabeça dela, e por mais que estivesse profundamente magoada com o comportamento do marido, a harmonia da sua família falava mais alto. Açucena não suportaria ver sua família separada e o consequente sofrimento de Cauã. Ela resolve passar por cima da sua mágoa e do seu orgulho e melhorar a situação. Ela senta-se na ponta da cama, ao lado de Ricardo, e acaricia os cabelos dele.

– Eu não estava desconfiada de você. Estava apenas preocupada. Você chegou horas depois do seu expediente normal…

Ricardo continuava deitado e com os olhos fechados, mas ainda assim a interrompe.

– Me desculpe pela minha falta de controle. Eu estou realmente cansado. Mas vamos esquecer esse assunto, vai ser melhor para nós dois.

– Nós 3, você quis dizer. Mas ok. Açucena dá um beijo no rosto de Ricardo e volta a falar.

– Eu fiz couve flor. A milanesa. Da forma que você gosta.

Ricardo continuava deitado e com os olhos fechados, mas dessa vez com um leve sorriso nos lábios. Alguns minutos depois, ele se levantou e foi à cozinha para jantar. Açucena permaneceu no quarto, deitada. Seus olhos fitavam o teto, e ela pensava no quanto estava sendo tola em fazer favores para um homem que não estava nem aí para ela. Mas ao pensar numa possível separação e imaginar o quanto ela, e principalmente Cauã, poderiam sofrer, ela chega à conclusão de que não se trata de tolice, e sim proteção. Quando se deu conta, o sol já brilhava lá fora. Era quarta feira e seria um dia de trabalho. Acordou Ricardo que ainda dormia, e estranhou o fato dele não levantar tão depressa, já que estava atrasado; mas ela não ousou questiona-lo, já que qualquer pergunta se transformaria numa desconfiança. Em dias de trabalho, Açucena deixava Cauã na escola e seguia para clínica. Ambos já estavam prontos, e Ricardo ainda tomava café, sem nem estar arrumado. Açucena travou uma batalha interna para controlar-se e não perguntar “ei, você não irá trabalhar?”, mas conseguiu resistir.

 

 

Na clinica em que prestava serviço, Açucena tinha um ótimo clima de trabalho. Dava-se bem com todas as pessoas, desde os médicos ate os serventes. Era uma clinica particular de médio porte muito bem conceituada no mercado. Sua rotina de atendimento às crianças era muito prazerosa, e era sua oportunidade de distrair a cabeça e esquecer os problemas. Na hora do almoço, costumava almoçar com Daniele, que estagiava a algumas quadras do seu trabalho.

– Hum, ta uma delicia! – Daniele tentava falar e comer ao mesmo tempo.

– Tô vendo amiga – Açucena sorr.

– Você não deveria estar pagando meu almoço – Daniele diz enquanto limpa a boca com o guardanapo, -sei que suas condições são bem melhores que a minha: você e o Ricardo têm um bom salário, seus pais recebem um dinheiro legal de aposentadoria…

– Mas não é só por isso Daniele. Você me falou das dificuldades financeiras que está tendo. Não custa nada ajudar.

– Amiga como você está para nascer sabia?

– É mais do que minha obrigação – Açucena sorri. – Você pode passar lá em casa hoje? Por um milagre, Ricardo avisou que chegará mais tarde. Preciso de uns conselhos seu.

O relógio marcava 18 horas. Açucena e Daniele conversavam na sala de sua casa, enquanto Cauã brincava no quarto.

– Olha amiga, o que posso te dizer é que eu não suportaria uma situação como essa. Preciso ter certeza que um homem é só meu.

– E você acha que está sendo fácil para mim? Mas eu preciso pensar no Cauã. Ele não teria estrutura para suportar uma separação dos pais.

A campainha toca, e por um momento Açucena pensa que pudesse ser Ricardo, mas logo se lembra que ele não tocaria campainha. Ao abrir a porta, fica feliz com a visita surpresa de Ieda. Ela entra, cumprimenta Daniele e vai ate o quarto de Cauã para lhe dar um beijo. Em seguida, se junta na sala com as mulheres.

– Estava falando com a Dani sobre meu problema com o Ricardo – Açucena serve um copo de whisky à Ieda. – Ela tem a mesma opinião que a senhora: eu deveria chutar o balde.

– Eu não aguentaria. Sei que você não tem nenhuma prova, mas há indícios suficientes para você saber que tem algo de errado.

– Concordo. Isso está te fazendo mal. Não te vejo mais sorrir como antes – Ieda pondera.

– Não seja exagerada mamãe!

– Ora, eu falo a verdade!

– Não perca seu brilho por causa de um homem minha amiga – Daniele intervém.

– Não é um homem qualquer Dani. É meu marido e pai do meu filho.

– Bom, eu preciso ir – Daniele levanta as mãos num gesto de livramento e se levanta. – Eu não tenho carro como você né, querida? Preciso pegar buzão.

– Não se preocupe, peça para o porteiro chamar um táxi para você – Açucena se prontifica.

– Uau! Gente rica é outra coisa! – Daniele ironiza. – Ainda vou ter essa vida de madame.

Ieda avalia as ironias de Daniele seriamente, e entende que elas têm um tom de ingratidão. Observa também a distração de Açucena e que ela não vê maldade alguma na amiga. Após a saída de Daniele, Ieda tenta alertar Açucena.

– Acho que você não deveria confiar tanto nessa sua amiga.

– Porque mãe? – Açucena se surpreende. – Qual o problema com a Daniele?

– Não é a primeira vez que percebo isso. Ela tem inveja de você Açucena. Ela gostaria de ter tudo que você tem.

– Que absurdo mãe! Eu a Dani nos demos muito bem! Não existe maldade na nossa amizade.

– Seu defeito é confiar demais nas pessoas. Mas ok, eu não vim falar da Daniele. Vim falar do seu marido.

– Não mãe, já falei dele demais por hoje – Açucena disfarça, e tenta levantar.

– Chega de fugir da realidade Açucena – Ieda puxa o braço de Açucena e a faz sentar novamente no sofá. – Você precisa encarar a verdade.

– Que verdade mãe?

Ieda fica em silêncio por alguns instantes, girando o copo e desviando o olhar de Açucena. Mas prefere ir direto ao ponto.

– O seu marido tem outra mulher.

– Como? O que? – Açucena fica desnorteada. – Como a senhora tem tanta certeza assim? São apenas dúvidas, eu não tenho provas…

– Mas eu tenho – Ieda a interrompe. – Minha filha eu sei que está sendo um momento difícil para você, mas para mim também está sendo muito doloroso te ver sofrendo dessa forma. Você sempre foi uma menina pra cima, feliz, sorridente. E de um tempo pra cá esse cara esta conseguindo acabar com a sua felicidade. Mas eu não vou deixar, não vou deixar que ele faça isso com você.

– Mãe…

– Eu segui o Ricardo, – Ieda a interrompe abruptamente, – e descobri uma coisa. Descobri que toda quarta feira, seu dia de trabalho na clínica, ele traz uma mulher para sua casa. Meia hora depois que você sai com o Cauã, ele sobe com a mulher. Não consegui identificar o rosto dela, pois ela vem disfarçada com boné e óculos. Depois de umas três ou quatro horas, ela desce e vai embora. Isso acontece pelo menos há três semanas.

Açucena estava perplexa demais para dizer alguma coisa. Só conseguia balançar a cabeça negativamente como se não quisesse acreditar que aquilo que acabara de ouvir fosse verdade. Por fim, conseguiu falar.

– Não! Isso não pode ser verdade. Ele não pode ter uma amante, muito menos trazê-la para dentro da minha casa.

– Ô minha querida, será muito mais fácil se você aceitar a verdade – Ieda segura as mãos de Açucena, tentando conforta-la – Seja corajosa, enfrente os fatos! Seu marido está te traindo. Tome uma atitude, tira esse canalha da sua vida.

Açucena estava sem chão, e aflita demais para continuar aquela conversa, e pediu que a mãe fosse embora e desse um tempo para ela pensar.

– Eu não sei para que você precisa de tempo, não sei o que ainda precisa decidir. Mas tudo bem. Você sabe o dia e a hora em que pode tomar conhecimento da verdade.

Naquele dia, Açucena descobriu o quanto era forte. Conseguiu preparar o jantar, brincar com o filho e receber o marido como se nada tivesse acontecido. Tudo em prol da família. Eles não poderiam saber de sua fraqueza e acharem que tinha algo de errado. Ela gostaria de vê-los felizes, mesmo que ela não estivesse. Na madrugada, enquanto todos dormiam, foi a oportunidade que ela teve de colocar toda sua frustração para fora. Passou horas trancada no banheiro, aos prantos, e seus soluços já eram incontroláveis. A partir daquele dia, ela precisou encarnar uma verdadeira atriz e representar um papel que não era verdadeiro. Preferiu não contar nada para Daniele, pois estava envergonhada. Ter dúvidas de que está sendo trocada por outra mulher é uma coisa; ter certeza era diferente.

Na quarta feira seguinte, ela saiu para trabalhar e se deu conta que mais uma vez Ricardo alegava estar atrasado. Seria coincidência? Açucena não estava concentrada no trabalho, e pediu que direcionasse seus pacientes para outro medico. Ela sentou-se em frente ao telefone e relutou bastante, antes de decidir ligar para o escritório de Ricardo.

– Bom dia. Poderia falar com Ricardo, ramal 6970?

– O Ricardo pediu para avisar que às quartas atende só depois do almoço. Alô? Alô? – A secretária desligou o telefone já que não obteve retorno.

Açucena estava em choque, e por horas ficou sentada na cadeira, imóvel. Sua vontade era ir para casa naquele instante e tirar a prova dos nove, mas tinha medo do que pudesse encontrar, e logo desistiu. Foi mais uma semana difícil, tendo que suportar uma situação sufocante; tendo que sorrir quando na verdade gostaria de se debulhar em lágrimas. O sorriso de Cauã era o que lhe dava força.

Na terça seguinte, Açucena chegou ao seu limite e tomou uma corajosa decisão.

– Eu quero que a senhora me acompanhe. Amanhã eu vou descobrir a verdade.

– Estarei contigo minha família – Ieda segura as mãos de Açucena, – Mas você precisa estar preparada para o que vai ver.

– Eu jamais estarei preparada para ver meu marido com outra mulher mamãe. Mas estou decidida de que preciso fazer isso. Essa situação já está me sufocando, e eu não posso viver com essa dúvida para o resto da vida.

E assim foi. No dia seguinte, após voltar da escola de Cauã, Açucena passou na casa da mãe para que Ieda pudesse lhe acompanhar nesse importante momento da sua vida. Ao estacionar o carro na porta do seu prédio, olhou para o alto, em direção a sua janela, e respirou fundo.

– Força minha querida – Ieda a encorajou.

Açucena liga o carro novamente, preparando-se para partir em retirada, mas Ieda a impede, segurando sua mão.

– Será que isso é mesmo necessário mãe?

– Açucena, pelo amor de Deus minha filha, seja corajosa, enfrente a realidade. Saia desse carro e suba lá, agora!

Açucena fez o trajeto trêmula, aparentemente seus joelhos iriam dobrar-se.

– Oi Juvenal, bom dia. A moça já subiu? – Ela arriscou perguntar ao porteiro.

– A diarista? Sim, sim, o senhor Ricardo já veio buscar ela.

Açucena e Ieda se entreolham e Juvenal percebe que falou demais.

– Sra. Açucena, me perdoe…

– Esta tudo bem – Ieda interrompe. -Vamos filha?

Antes de girar a maçaneta, Açucena encosta a testa na porta, reunindo coragem para seja lá o que encontrasse. Lentamente, ela caminha para o quarto, e vê o que menos desejava na vida: Ricardo deitado na cama, abraçado com outra mulher. Nesse momento, seu mundo desabou. Ela nunca tinha levado um tiro, mas sentia-se como se tivesse sido baleada. Um filme passou pela sua cabeça: quando se apaixonou por Ricardo, seu casamento, a descoberta da sua gravidez, seu parto. Qual o significado daquilo tudo? Eram realmente momentos importantes? Sua cabeça girou e ela cambaleou para trás, desnorteada, mas foi amparada por Ieda. Sua voz estava embargada, mas ela conseguiu dizer:

– Ricardo!

Ele levantou da cama num salto, e seu desespero era tão grande que não se importou em estar de cueca na frente da sogra.

– Eu posso explicar Açucena… – ele fez um gesto com as mãos, como se pedisse calma, – não é nada do que está pensando.

A mulher levantou da cama cobrindo o rosto e o corpo com o lençol, apanhou o vestido do chão e seguiu em direção à porta ainda escondida; mas foi impedida por Ieda, que a segurou e a descobriu do lençol. Ao ver o rosto da mulher, Açucena levou as mãos à boca. Não poderia ser verdade. A amante de Ricardo era Daniele, sua melhor amiga. Açucena sentiu-se duplamente apunhalada: no peito e nas costas. Seu marido tinha outra mulher, que era nada mais, nada menos, que sua melhor amiga. Ela sentiu como se alguém tivesse puxado o tapete abaixo dos seus pés e ganhado uma grande rasteira. As palavras fugiram da sua boca, o ar parecia estar acabando. Sua visão girava, e precisou ficar apoiada na parede.

– Eu sinto muito – Danielle falou e saiu em disparada do quarto.

– Vamos conversar meu amor.

Ieda olha para Açucena, que faz um gesto positivo com a cabeça, como se dissesse: “esta tudo bem, pode ir”. Ieda fecha a porta do quarto e espera pela filha na sala.

– Eu estou muito envergonhado – Ricardo senta-se na ponta da cama, cobrindo o rosto com as duas mãos. – Não tenho o que falar. Eu… Eu só quero me desculpar com você, eu prometo que nunca mais farei isso. Eu te amo Açucena…

– Não fala mais nada – Açucena suspira fundo, olhando para o teto e enxugando as lágrimas do rosto, – não piore sua situação.

– Eu só quero que você me perdoe.

– Eu não sei se serei capaz de te perdoar um dia. Mas… Eu preciso pensar no meu filho. Ele necessita de nós dois por perto. Eu só te peço um tempo. Um tempo para colocar minha cabeça no lugar e organizar minha vida, entender a situação.

– Você é uma mulher maravilhosa Açucena. Eu sou um homem de muita sorte de tê-la ao meu lado – Ricardo se atira aos pés de Açucena.

– Deveria ter pesando nisso antes – Açucena balança as pernas para soltar-se de Ricardo.

Ela vai até a sala para falar com Ieda.

– Minha querida, fique lá em casa até ele ou você encontrar um lugar para ir – diz Ieda.

– Ninguém vai a lugar algum. Nosso casamento não terminou.

– Como é? Eu não ouvi direito – Ieda recebe a resposta com espanto.

– É isso mesmo que você ouviu mãe. Meu casamento não terminou.

– Como assim Açucena? – Ieda se exalta. – Não te entendo. Você flagra seu marido deitado na SUA cama com a sua melhor amiga e o casamento continua? Onde você está com a cabeça?

– Eu estou com a cabeça na minha família mãe, no meu filho! – Açucena responde com a voz embargada e os olhos úmidos. – Ele é uma criança, precisa dos pais por perto! Eu não me importo para quem me ache uma idiota, não me importo para quem possa me rotular como uma tonta! A única coisa que interessa para mim é a felicidade do meu filho, e para ele ser feliz esse casamento precisa existir! Você acha que sou uma estúpida, imbecil, uma burra, não é? Mas eu não sou mãe, eu sou apenas uma protetora da minha família – desaba em lágrimas.

– Não é isso minha filha – Ieda tenta consolá-la, – Mas você está passando por cima dos seus princípios…

Ricardo surge na sala e interrompe Ieda, para que ela não mude a opinião de Açucena. Ele se abaixa para levantar a esposa e a leva para o sofá. Em seguida, olha para a sogra.

– Sua filha já tomou a decisão dela. Por favor, respeite sua vontade.

Ieda se controla para não pular no pescoço de Ricardo, pois sua vontade era definhar a cara dele e atirar todos os objetos que Açucena não atirou. Mas Ieda sabia que a filha estava irredutível em sua decisão. Ela pega a bolsa e caminha para a porta e ir embora, mas vira-se antes de sair:

– Vou buscar o Cauã na escola. Ele vai dormir lá em casa hoje.

Durante todo os restante do dia, Açucena esteve chorando. Ricardo ficava abraçado a ela. Fazia-se um silêncio constrangedor e ambos não sabiam como agir. Açucena se sentia a pior mulher do mundo. Impotente, fraca, debilitada. Porque ele procurara outra mulher? O que faltou em casa que ele precisou procurar na rua? Seu coração estava partido, sua mente pensava em mil possibilidades, mas não chegava a nenhuma conclusão. Era uma dor insuportável, inexplicável, e ela não fazia ideia se um dia voltaria a olhar nos olhos dele. Ricardo, por sua vez, estava completamente envergonhado e não se dava conta como foi capaz de trair sua esposa. O que te levou a isso? Rotina? Falta de amor? Instinto masculino? Carne fraca? Nem ele tinha as respostas. Ambos passaram a noite em clara, abraçados, mas sem trocar uma palavra.

No dia seguinte, Ricardo percebera que faltou um dia de trabalho. Olhou no celular que tinha 30 chamadas perdidas, e soube que um dia de muito trabalho lhe esperava. Desta forma, preferiu sair um pouco mais cedo de casa. Açucena passou na casa de seus pais cedo, para que pudesse levar Cauã para a escola, mas Ieda já tinha levado, e acabaram se desencontrando. Para não perder viagem, Geraldo lhe convidou para tomar um café, e foi quando percebeu os olhos fundos e tristes da filha.

– O que aconteceu minha filha? Esteve chorando?

– Não se preocupe, é que eu estava com umas dores ontem – Açucena abaixa a cabeça para esconder o rosto.

– Sua mãe disse que você não estava se sentindo bem, por isso trouxe o Cauã. Foi isso?

– Sim, sim. Foi isso – Açucena mantém a cabeça baixa, e a voz fraca.

– Açucena, minha filha – Geraldo gira as rodas de sua cadeira para chegar ate Açucena, – Eu já tenho sete décadas de vida, já ouvi, vi e vivi muitas histórias. Sou um homem muito experiente, conhecedor da vida. Essa cadeira não me fez ficar cego, mas pelo contrário, mais esperto. É seu marido? Pelo amor de Deus, não diga que ele esta te agredindo…

– Não é nada disso pai – Açucena o interrompe. Ela da uma pausa antes de continuar a falar – Ele tinha uma amante.

Geraldo fita o chão pensando nas palavras certas para usar.

– Ele é louco, não tem outra alternativa. Um homem em sã consciência jamais te trocaria por outra. Você é linda demais minha filha, uma flor em forma de mulher. E não falo isso porque sou seu pai, falo porque é o que todo mundo diz. Vou te contar uma historia: antes de você nascer, seu nome seria Carolina, sabia disso?

Açucena balança a cabeça negativamente, parecendo se interessar pelo assunto

– Pois bem – ele continuou, – decidimos mudar quando vimos seu rostinho. Você nunca causou nenhum enjoo à sua mãe durante a gravidez e nasceu sorrindo, ao invés de chorar; e ainda com as perninhas cruzadas, pode isso? A médica disse que você parecia uma flor, e ela tinha razão: delicada, linda, charmosa, poderosa. E aí naquele momento, escolhemos o nome da flor favorita da sua mãe: Açucena.

– Que história linda pai – Açucena consegue sorrir.

– Que bom te ver sorrindo. O que quero te dizer com isso tudo é: se valorize. Você é uma mulher inteligente, independente, empreendedora. Não precisa de homem nenhum ao seu lado. Não sofra por quem não te merece.

– Acima do meu valor está a felicidade do meu filho pai. Eu escolho passar por cima dos meus princípios e fazer o Cauã feliz. Não é o Ricardo, mas sim o Cauã! É por ele que vou encarar esse desafio e manter esse casamento. Ele não pode nos ver separados.

– Amor de mãe – Geraldo suspira, – quem é capaz de impedi-lo? Bom, acho que tentei te ajudar da forma que pude, mas você parece estar certa da sua decisão. Mas avisa esse canalha que num belo dia eu vou levantar dessa cadeira e encher a cabeça dele de muletada.

Açucena dá uma gargalhada e abraça o pai. Trinta dias depois de descobrir a traição que existia no casamento, Açucena e Ricardo não tiveram dias felizes. Falta de diálogo, falta de contato, de confiança e do querer ficar juntos foram motivos para devastar de vez o casamento. Cauã era o único motivo desse matrimonio não ser interrompido. Mas o garoto já tinha percebido que existia um problema entre os pais, devido ao distanciamento entre eles. Além disso, ouviu conversas fragmentadas de traição entre a mãe e os avós. A partir desse momento, Cauã procurou ouvir mais a conversa entre os adultos e tentar entender o que estava acontecendo. Na visita de um psicólogo particular a Açucena, Cauã ouviu e soube de toda a história. Ele ficou muito chocado com o que ouviu. Maduro, segurou a bomba como um verdadeiro rapaz e decidiu surpreender a mãe. Numa noite, Açucena lavava louça, quando ouviu passos e olhou para trás. Ela assustou-se ao ver Cauã segurando uma mala e usando uma mochila nas costas. Rapidamente desligou a torneira e procurou saber o que estava acontecendo.

– Que malas são essas meus filhos? Aonde vai?

– As minhas já estão plontas, quando vai plepalar as suas?

– Mas não iremos viajar meu filho. Você ainda não está de férias.

– Eu sei mãe. Nós vamos embola dessa casa.

– Como?

– Eu já sei de tudo mãe. Sei que o papai tem uma amante. E que a senhola não se sepala dele porque esta pleocupada comigo.

– Como você soube disso? – Açucena respira fundo espantada.

– Não posso falar senão a senhola vai bligar comigo. O que quelo dizer é que a senhola não plecisa se pleocupar comigo. Nós podemos ir embola, o papai não foi legal.

– Você está falando uma coisa muito grave – Açucena se ajoelha ao lado do filho para que ficasse na altura dele. – Tem certeza que fazer isso?

– Eu quelo te ver feliz mãe. A senhola não plecisa suportar mais esse casamento. O papai não te merece.

– Ô meu querido…

– Eu estou forte mamãe. Eu já sou mais glande!

– Você já é maior! – ela solta uma risada. – Estou muito orgulhosa de você, de ver sua maturidade. Seus avós me orientaram, minha mente me induziu a muita coisa, mas para mim, só a sua opinião é capaz de me fazer tomar ou mudar qualquer decisão. Então nós vamos embora! Nós seremos felizes meu filho.

– Sem plecisar de mais ninguém pala isso. Os dois dão um abraço apertado e emocionado.

Açucena já estava com as malas prontas, e nesse momento, ela estava no centro da sala, de mãos dadas com Cauã, correndo o olho por todos os cômodos da casa a fim de despedir-se dela. Eles ouvem o assobio de Ricardo e não conseguem evitar de saírem antes dele chegar, como gostariam. Ricardo estranhou o fato de não ser recebido por Cauã, mas sugeriu que ele estivesse no banho ou algo do tipo. Mas logo que entrou na sala, descobriu o que estava acontecendo, de fato. Ao ver as malas, Ricardo contraiu os lábios e lamentou por seu erro.

– Sabia que cedo ou tarde isso iria acontecer. Eu sinto muito pelo que fiz. Peço que vocês me perdoem. Me deem mais uma chance para provar que mudei.

– Sinto muito Ricardo, mas aquele velho ditado faz todo sentido: confiança é como cristal, quando quebra, não há conserto que repare o dano causado. Pode se passar 10 anos, mas nunca estarei segura com você novamente.

Ricardo desaba no chão, encosta na parede e junta a cabeça aos joelhos. Cauã decide conforta-lo, indo até ele e sentando-se ao seu lado.

– Não fica assim pai. Olha, não fica tliste. Eu vou te ver todo final de semana, ta bom? Eu que tomei essa decisão. Minha mãe estava soflendo muito. Tudo bem?

Ricardo levanta a cabeça, e com os olhos marejados da um apertado abraço no filho.

– EU irei embora. Fui o culpado por tudo isso, seria muito injusto – Ricardo lamenta.

– Faço questão de sair. Mesmo que eu troque aquela cama, o quarto não me trará boas recordações.

Talvez naquele momento, em que viu sua família ir embora sem poder fazer nada, Ricardo tenha sentido a mesma dor que causou a Açucena. Ele ficou sentado na mesma posição por várias horas depois que eles saíram. Ficou imóvel, pensando como seria sua vida dali para frente. Conseguiria resistir e suportar viver sem sua família?

Açucena alugou um apartamento, eles ficariam por lá até se organizarem e encontrarem uma nova casa. Ela tirou o mundo das costas. Sentia-se leve, feliz, radiante! A flor Açucena que tinha murchado, desabrochou novamente e voltou a irradiar bons sentimentos. Mas ela sentia que algo estava pendente, mal acabado, e precisava ser resolvido.

– Já disse que sinto muito pelo que aconteceu Açucena, com licença – Daniele tenta fechar a porta, mas Açucena impede.

– Ei, ei! Onde está sua educação querida? Nós não somos mais amigas? – Açucena empurra a porta e entra.

– O que você quer?

– Conversar apenas. Porque fez isso comigo?

– Açucena, não adianta chorar pelo leite derramado. Não tem mais como voltar atrás.

– Eu sei que não tem como voltar atrás, e nem quero voltar. Não quero voltar a estar casada com ele e nem voltar a ser sua amiga. Até porque, vocês dois foram a maior decepção da minha vida. O meu desejo é nunca mais encontra-los.

– Isso é muito fácil para quem tem tudo na vida.

– Tudo que tenho não caiu do céu minha querida. Tudo foi conquistado com muita garra. Eu sou forte, sou determinada, luto pelos meus objetivos. Agora veja você: uma mulher frustrada, desiludida, incompetente. Você é uma fracassada Daniele, incapaz de conquistar alguma coisa na vida. Como eu fui cega meu Deus, cega de trazer para dentro da minha casa essa mulher invejosa, gananciosa e faminta de luxo. Por isso eu era útil para você, não é? Usufruiu do meu carro, do meu dinheiro, dos meus cartões de crédito, da minha casa e até do meu marido. Apesar de que esse último você fez um favor para mim.

– A vida é muita injusta. Injusta por dar tanto para umas pessoas e nada para outras. Porque você tem um trabalho maravilhoso, uma casa linda, pais ricos, um marido bonitão e tantas outras coisas enquanto eu não tenho nada? Não tenho um emprego decente, moro de aluguel com meus pais que brigam mais do que qualquer coisa, sou solteira, nenhum homem quis um compromisso sério comigo… Isso não é justo!

– O que não é justo é querer conquistar alguma coisa passando por cima de outras pessoas. Minha mãe tinha razão. Você é muito invejosa! É muito baixa, capaz de deitar na cama da sua melhor amiga com o marido dela. A que nível um ser humano pode chegar?

– Ele é gostoso, fazer o que? Tem que aprender a dividir – Daniele debocha.

– Vagabunda! É isso que você é. Uma vagabunda. Mas sabe que tirei uma coisa boa de tudo isso? Há males que vem para o bem. Eu aprendi a lhe dar com pessoas traíras como você e o Ricardo. Aprendi a não confiar cegamente nas pessoas e saber o que esperar delas, para não me decepcionar tanto. Eu dei minha cara para bater uma vez, mas não vou dar duas. Nunca mais vou cair numa armadilha como essa que vocês fizeram para mim. Espero que a vida lhe ensine da melhor forma possível como conquistar o seu valor, porque independente de tudo que você fez, eu não desejo mal a você.

– Não se preocupe comigo. Eu e Ricardo recomeçaremos nossa vida e seremos muito felizes, já que você não está mais no nosso caminho.

Açucena dá uma gargalhada e bate palmas.

– Você não imagina o quanto estarei torcendo por vocês. Mas querida, esteja sempre de olhos abertos, porque quem trai uma vez, trai sempre. É provável que você pegue ele na sua cama com outra mulher. Mas enfim, isso não é mais um problema meu.

Açucena coloca a bolsa no ombro e se caminha para a porta, para ir embora. Mas antes de sair, se vira novamente, parecendo que tinha esquecido algo.

– Ah, tem uma coisa que você merece! – Açucena dá um tapa tão forte no rosto de Daniele, que a faz cair no chão e ficar com a marca de cinco dedos no rosto.  – Vadia!

Ao saber do acerto de contas com Daniele, Ieda fica feliz da vida.

– A-do-rei. Pena que foi só um tapa. Tinha que ter espancado ela.

– Olha o palavreado mulher, não está vendo o garoto aqui? – Geraldo grita da sala.

– Não falei nada demais, ou falei?

– Não falou não vovó. Ela merecia mesmo. Perceberam como eu falei? MERECIA! E olha: triste, prato, tigre, preto. Viram? Eu aprendi a parar de tlocar as letras. TROCAR as letras!

Todos fazem uma festa para Cauã, que fica feliz com a bajulação.

– A Renata é uma ótima profissional, sabia que ela conseguiria te ajudar filho.

Após Geraldo e Ieda irem embora, Açucena abre uma carta que acabara de chegar. Nela dizia que seu crédito de financiamento da casa que gostaria de comprar foi aprovado.

– Você viu filho como as coisas estão se reorganizando na nossa vida? Eu tô muito feliz com o momento que estou vivendo. Mesmo sendo traída duplamente, a felicidade que você me trouxe foi capaz de superar a dor que eu estava sentido. E uma coisa que levarei para o resto da vida e falarei para todas as pessoas que eu puder é o seguinte: para uma família ser feliz, não é regra que ela seja constituída por pai e mãe. Pode mãe e mãe, pai e pai, avós, só pai, ou só mãe, isso não é importa. O que importa é estar junto de quem te faz feliz.

– Assim como estamos agora.

Açucena e Cauã se abraçam.

 

 

Próximo episódio: A top model Petúnia deixa sua filha, Jasmim, com a avó Leda para cuidar da sua carreira. Anos depois Petúnia anuncia uma volta ao Brasil e o reencontro gera conflitos entre as duas, principalmente quando mãe tenta reverter à força o estado da filha que encontrou na comida um alívio para a tristeza diante da perda do pai. “Parecia pairar sobre a família Jardini uma sucessão de perdas” e Frésia está diante da mesma maldição.
Autor: Victor Morais
Data de publicação: 23 de março

 

One thought on “Jardim Brasil [ed. 13]: Tudo pela família

  • Danillo, adorei a história!
    Antes de começar sobre minhas impressões sobre a história de Açucena, quero agradecer pelo tempo dedicado à criação desta história especialmente para a série. Faz toda diferença este envolvimento e sua história é muito empolgante.

    Açucena é uma personagem cativante por sua personalidade. Ao mesmo tempo em que é decidida por querer manter a estrutura da sua família e não machucar o filho, se submete a uma situação que a deixa muito infeliz. O desenvolvimento da história foi muito natural, inclusive as cenas em que o Cauã apareceu. A maturidade dele impressiona, mas foi posta de forma tão natural.

    1.000 pontos para o diálogo entre Açucena e o pai. Ele foi de uma sensibilidade incrível com a filha e realmente usou de sua experiência para dar “bons conselhos” à filha e dar uma virada na história dela. O final era esperado, mesmo assim você conduzi-o sem aprofundar-se nos clichês deste tipo de história. Parabéns!!!

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